Sustentações orais remotas e a democratização do acesso à Justiça
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06/07/2021Um dos princípios que norteiam o Direito Eleitoral é a igualdade de condições aos candidatos, o que se convencionou nominar de “pars conditio”, cuja força normativa deriva do que dispõe o art. 5º, caput; o art. 14 da CF/88; os arts. 36-A, I e 73 da Lei nº 9.504/1997, entre outros.
Alberto Rollo assim define a necessidade de paridade de armas entre os candidatos[2] : é a desejável condição de igualdade que deve existir entre diferentes candidatos postulantes ao mesmo cargo e originários de diferentes partidos. José Jairo Gomes aprofunda o debate sobre o mesmo princípio [3]: o princípio em tela adquire especial relevo nos domínios do Direito Eleitoral, já que rege diversas situações. Basta lembrar que os concorrentes a cargos políticos-eletivos devem contar com as mesmas oportunidades, ressalvadas as situações previstas em lei – que têm em vista o resguardo de outros valores – e as naturais desigualdades que entre eles se verificam.
DO CONTROLE DOS ABUSOS
Quando o legislador previu as figuras do abuso de poder político, econômico e dos meios de comunicação social, definiu-lhes procedimento próprio para apurar os referidos desvios e criou a severíssima pena da inelegibilidade para alguns casos. A finalidade da sanção é expurgar da dinâmica eleitoral condutas capazes de macular, concretamente, o princípio da igualdade de oportunidades entre os concorrentes e da lisura do processo eleitoral. A cidadania, diz Jacinto Coutinho, reclama uma postura – uma tomada de posição – de todos ; mormente da Justiça Eleitoral, sendo preciso ser duro com o abuso do poder econômico e político, tal como dispõe o art. 237 da Lei nº 4.737/65 (CE).
- Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.
A respeito do Abuso do Poder Político Adriano Soares da Costa assevera[6]: abuso do Poder Político é o uso indevido de cargo ou função pública, com a finalidade de obter votos para determinado candidato. Sua gravidade consiste na utilização do múnus público para influenciar o eleitorado, com desvio de finalidade.
Note-se, oportunamente que, tendo algum investigado praticado conduta abusiva do Poder Político ou do Poder Econômico poderá sofrer a pena de inelegibilidade, pois é assim que determina nossa Legislação Eleitoral, conforme coaduna Fávila Ribeiro [7] : o fato propulsor da inelegibilidade é o abuso do poder, para benefício próprio ou de terceiros, por ocupantes de cargos públicos, consoante apuração em devido processo legal, tornando-se por isso passível de inelegibilidade, (…) Ora, ambas as hipóteses, como exigência da própria essência do abuso de poder, referem-se a causações econômicas ou políticas.
Em linhas gerais como a possibilidade de abusos são muitas, o legislador optou por positivar algumas condutas que pretendia reprimir, precipuamente aquelas ligadas ao uso da máquina pública, positivando-as na Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997.
CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS
Para tentar frear a utilização indevida do Erário nas eleições, a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, conhecida como “Lei das Eleições”, inovou ao trazero rol de condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral (arts. 73 a 78). Essa lista surgiu, portanto, com o fim basilar de ser um freio, um antídoto contra os efeitos indevidos do instituto da reeleição e do uso do Poder Público durante o pleito. Da mesma forma, tais dispositivos também tutelam a igualdade de oportunidades entre os candidatos nos pleitos eleitorais.
O inciso I, do art. 73 da Lei nº 9.504/97, proíbe terminantemente “ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios, ressalvada a realização de convenção partidária”. Trata-se de vedação genérica, não dependendo do tempo (aplica-se mesmo fora do ano eleitoral) e da esfera administrativa envolvida no pleito. A única ressalva à realização de convenção partidária decorre do disposto no art. 8º, § 2º da Lei, de acordo com o qual, “para a realização das convenções de escolha de candidatos, os partidos políticos poderão usar gratuitamente prédios públicos, responsabilizando-se por danos causados com a realização do evento”.
De outro giro, tal vedação já resultava implícita do inciso II, do art. 24 da Lei nº 9.504/97, que proíbe a partidos e candidatos receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do poder público.
Como o uso de bens móveis ou imóveis da administração pública em benefício de partido, coligação ou candidato certamente seria estimável em dinheiro, a proibição já estava implícita. Portanto, nenhum bem, de qualquer natureza que seja, pertencente à administração pública direta ou indireta da União (governo federal), dos Estados, do Distrito Federal ou dos municípios, pode ser utilizado em benefício de qualquer candidato, partido político ou coligação. O inciso II, do art. 73 da Lei nº 9.504/97, proíbe o uso de materiais e serviços colocados a serviço de mandatários, para o desempenho de suas tarefas ou meios propagandísticos eleitorais. Não impedindo sua divulgação para caráter informativo do mandato, bem como aquelas ações previstas no art. 36-A da Lei nº 9.504/97.
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ADMINISTRATIVOS
A regulamentação das matérias afetas à Administração Pública foi incluída dentro capítulo VII do título III da Constituição, destinado à organização do Estado. Assim, logo no primeiro dispositivo referente a esse capítulo (art. 37, caput), elencam-se princípios de observância obrigatória por parte da administração, entre eles: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. A legalidade encontra fundamento expresso no artigo 5º, II, da CF/88, prescrevendo que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Helly Lopes Meirelles exemplifica [8] : (…)a legalidade, como princípio de administração significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e as exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso (…)
A Administração Pública se confunde com o Estado propriamente dito, cuja função é regular as relações sociais, preservar a lei, efetivar a democracia, a Justiça; enfim, um conjunto de atividades que exige uma função social e possui como fim último promover o bem comum. Nesse sentido, a impessoalidade seria exatamente exigir que a Administração Pública se paute na defesa do interesse público, sem discriminações odiosas. Celso Antônio Bandeira de Mello assevera sobre a impessoalidade [9] : a Administração Pública tem de tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atual administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia.
Segundo Hely Lopes Meirelles a moralidade seria “o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração”10. O art. 2º, IV, da Lei nº 9.784/99, colocou entre os deveres da Administração “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé”, o que pode ser um resumo da moralidade. A publicidade, a qual também pode se desdobrar na exigência da transparência, uma vez que onde houver publicidade de todos os atos da administração haverá, da mesma forma, acesso à informação e consequentemente clareza das atividades administrativas realizadas.
O acesso à informação, a transparência e a publicidade são fundamentais para a prestação de contas à sociedade, consistindo em deveres da administração para com o cidadão. Considerando essas premissas e objetivando dotar da máxima efetividade esse direito foi aprovada a Lei n° 12.527/2011, também conhecida como lei da transparência, a qual trata do grau de publicidade a ser conferido aos documentos oficiais da administração, onde a publicidade é a regra e o sigilo é a exceção.
Já a eficiência está ligada à necessidade da administração se organizar gerencialmente objetivando alcançar os resultados almejados da maneira mais econômica, rápida e eficaz. Maria Zanella Di Pietro assevera [11: o princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.
Enfim, esses princípios norteiam a atuação da administração pública, cuja infração pode ensejar a invalidação do ato, sendo a ação popular (art. 5, LXXIII, da CF/88 e Lei nº 4.717/1965) e a ação de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992) alguns dos meios capazes de resguardar sua observância. As condutas vedadas, embora descritas de forma literal, objetivam resguardar o cumprimento desses princípios, entre outros já descritos (pars conditio e controle dos abusos), tendo, portanto, como fundamento de validade resguardá-los. Não precisando de qualquer menção expressa, pois estão associados intrinsecamente.