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08/07/2024Por Allan Titonelli Nunes
Recentemente a AGU (Advocacia-Geral da União) fez uma consulta ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) questionando, em resumo, se a Justiça Eleitoral seria competente para julgar ações que objetivem restringir ou remover propaganda eleitoral que dissemine desinformação “sobre política pública federal, de interesse da União”, entre outros temas correlatos.
Primeiramente devemos lembrar que a AGU é a instituição que representa judicialmente e extrajudicialmente a União, prestando as atividades de consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal, bem como de defesa em juízo do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.
Assim, considerando que cabe à Advocacia-Geral da União a representação judicial e extrajudicial da União, lato sensu, importará dizer que possui legitimidade para fazer a presente consulta, ante os termos do artigo 23, XII do Código Eleitoral e jurisprudência reiterada do TSE.
De outro lado, discute-se dentro do processo eleitoral a legitimidade para intervenção de terceiros requerendo direito de resposta em razão de propaganda eleitoral, o que é preciso fazer um recorte histórico para dar a resposta. Isso porque, o artigo 58 da Lei nº 9.504/1997 permite o exercício do direito de resposta a “candidato, partido ou coligação” atingidos “por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica”, ainda que de forma indireta. Ou seja, não faz menção expressa a legitimidade de terceiros.
Todavia, diante de ataques reiterados de candidatos a terceiros próximos a seus adversários, com a finalidade de macular a imagem de ambos, utilizando da associação entre eles para causar distúrbios, o TSE passou a admitir que esses terceiros pudessem utilizar da tutela jurisdicional eleitoral.
Assim, em 2000, o TSE incluiu formalmente na Resolução nº 20675/2000 [1] a possibilidade de terceiros serem legitimados para propositura de representação com pedido de direito de resposta, cujo texto foi repetido em outras resoluções [2]. Isso considerando a temática envolvida, a possibilidade de reiteração das violações sem qualquer resposta, o amplo alcance publicitário das violações e agilidade da resposta pela Justiça especializada em detrimento da Justiça comum.
Podemos citar, inclusive, diversos precedentes legitimando terceiros a ajuizarem direito de resposta: REspe n. 15532, rel. Min. Edson Vidigal, PSESS 30 set. 98, TSE [3]; AG n. 1176, rel. Min. Eduardo Alckmin. DJ 29 set. 2000, TSE [4]; R-Rp nº 060110005, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Ac. de 3.10.2018, TSE [5].
Contudo, como a composição da Justiça Eleitoral é muito dinâmica, é preciso também recordar que em alguns momentos essa intervenção foi proibida, para tanto cito: Rp nº 359637, rel. Min. Henrique Neves da Silva, red. designado Min. Marco Aurélio, Ac. de 21.10.2010, TSE [6]; R-Rp nº 144474, rel. Min. Herman Benjamin, Ac. de 14.10.2014, TSE [7].
Alcance dos terceiros
Feitas essas considerações passamos a analisar o alcance desses “terceiros” pelo TSE, precipuamente verificando a possibilidade dos Entes Federados serem legitimados a propositura das referidas representações. Aqui me reporto ao voto do ministro Caputo Bastos na Rp nº 598, Ac. de 21.10.2002 [8], que assim assevera ao legitimar essa intervenção “está em jogo, ao menos indireta e aparentemente, a imagem da pessoa jurídica de direito público interno.”
Há, da mesma forma, diversos precedentes admitindo como legitimados, seja a União ou os Estados, na defesa da imagem ou das políticas públicas alvo de desinformação ou imputações difamatórias, assim: AgRp nº 461, rel. Min. Gerardo Grossi, red. designado Min. Sepúlveda Pertence, Ac. de 24.9.2002, TSE [9]; AR em Rep nº 429, Acórdão nº 429 de 10/09/2002, rel. Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos, pub. 10/09/2002 RJTSE [10]; Rp nº 592, rel. Min. Caputo Bastos, Ac. de 21.10.2002, TSE [11].
Logo, podemos observar que não estamos diante de tema novo, mas com ampla manifestação do TSE, e das Cortes Regionais, o que preferimos não analisar, dada a brevidade do texto.
Soma-se ao exposto recente decisão do TSE, nos autos da Resolução 0601283-34.2022.6.00.0000, 07/03/2024, determinando que “toda ofensa, todo discurso discriminatório, de ódio em relação ao cônjuge de companheiras ou companheiros dos candidatos a cargo executivo que atingem a integridade do processo eleitoral serão de competência da Justiça Eleitoral”.
Por fim, é de conhecimento histórico que Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler na Alemanha nazista, dizia que: “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Portanto, é preciso combater a mentira corrigindo com a verdade.
É notório que a desinformação generalizada já afeta diversas políticas públicas, veja o exemplo da queda da taxa da vacinação infantil [12], trazendo o risco da retomada de doenças já erradicadas [13], como sarampo e a poliomielite, por informações dissonantes e irresponsáveis a respeito das vacinas.
Guilherme Gonçalves, ao debater sobre liberdade de expressão e intervenção judicial, no Grupo de Whatsapp “Eleitoral em Debate”, ilustra alguns exemplos de políticas públicas que foram alvo de desinformação:
Vou dar apenas um palpite, bem na linha da “freedom of speech” da Primeira Emenda dos EUA: nem lá, e muito menos aqui, pode-se alegar a proteção jusfundamental da liberdade de expressão para gritar “FOGO” dentro de um cinema lotado. Nem publicar uma manchete desinformativa dolosa, elaborada como se notícia fosse, e bem no meio de uma tragédia como as inundações no RS, dizendo que as pessoas não deviam socorrer outras por barcos e Jet-skis se não tivessem arrais amador, ou que “o Governo” estava cobrando ICMS em bloqueios na estrada para doações – para atacar o governo ou o “Estado Globalista Profundo” (by QANON). Ou alguém aqui defende que esse tipo de conduta estaria abarcada pela liberdade de expressão???
(…)
Não há concepção teórica que justifique como “liberdade de expressão” não a simples mentira, a fofoca, a maledicência, críticas injustas e contundentes – mas a desinformação dolosa e como arma política do ódio e da destruição do inimigo.
Alguém tem dúvidas do impacto negativo e custo social, bem como econômico, que o Estado já está tendo em razão de fatos como esses? Logo, sem a menor sombra de dúvidas, o pedido de intervenção da AGU vem dentro desse contexto, legitimado pela defesa das políticas públicas e integridade do processo eleitoral.
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[1] Res.-TSE nº 20.675/2000: a competência da Justiça Eleitoral envolve examinar pedidos de direito de resposta formulados por terceiros em relação à ofensa proferida em horário gratuito, observados os prazos deste artigo.
[2] Art. 13., Res nº 20.951/2001; Art. 18., Res nº 21.575/2003; Art. 16., Res nº 22.142/2006; Art. 16., Res nº 23.193/2010; Art. 17., Res nº 23.367/2011; Art. 18., Res nº 23.398/2013; Art. 18., Res nº 23.462/2016; Art. 18., Art. 17., Res nº 23.547/2018; Art. 34., Res nº 23.608/2019.
[3] Recurso especial eleitoral. Pedido de direito de resposta por pessoa alheia ao processo eleitoral. Possibilidade. Lei n. 9.504/97, art. 58, § 3º, III, f. Representação processual de Governador. Lei local.
A matéria relativa à representação processual do Governador do Estado não comporta análise nesta via especial, por se referir à interpretação de lei local. 2. Qualquer pessoa, independentemente de ser candidato ou não, pode requerer pedido de resposta, com base na Lei n. 9.504/97, art. 58, § 3º, III, f. 3. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. REspe n. 15532, Edson Vidigal, PSESS 30 set. 98.)
[4] Propaganda eleitoral – Ofensa – Terceiros – Direito de resposta – Prazo – Competência – Lei n. 9.504/97 – Lei n. 5.250/67.
Compete à Justiça Eleitoral examinar apenas os pedidos de direito de resposta formulados por terceiro em relação ao que veiculado no horário eleitoral gratuito, sendo, nesses casos, observados os prazos do art. 58 da Lei n. 9.504, de 1997. 2. Quando o terceiro se considerar atingido por ofensa realizada no curso da programação normal das emissoras de rádio e televisão ou veiculado por órgão da imprensa escrita, deverá observar os procedimentos previstos na Lei n. 5.250/67. (BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. AG n. 1176, Eduardo Alckmin. DJ 29 set. 2000.)
[5] “[…] Representação. Direito de resposta. Programa eleitoral transmitido no horário gratuito. Alegação de ofensa direcionada a terceiro não candidato no pleito. Ilegitimidade ativa da coligação. […] 1. As afirmações contidas na inicial relatam conteúdos considerados ofensivos e direcionados exclusivamente ao ex–Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, de modo que a coligação ora recorrente carece de titularidade para ajuizar a presente representação. 2. No plano jurídico do processo eleitoral, o ofendido não assumiu a condição de candidato nas Eleições 2018, inexistindo, portanto, pertinência subjetiva entre ele, a coligação recorrente e o direito invocado para o exercício do direito de resposta. 3. Na verdade, pertence ao terceiro a legitimidade para postular o direito de resposta quando ofendido por programa veiculado no horário eleitoral gratuito, nos termos do art. 17 da Res.–TSE nº 23.547/2017. […]” (Ac. de 3.10.2018 no R-Rp nº 060110005, rel. Min. Luis Felipe Salomão.)
[6] “Direito de resposta – Lei eleitoral – Alcance. O disposto no artigo 58 da Lei nº 9.504/1997 apenas beneficia candidato, partido e coligação, não alcançando a legitimidade de terceiro que se diga prejudicado pela propaganda eleitoral. […]” (Ac. de 21.10.2010 na Rp nº 359637, rel. Min. Henrique Neves da Silva, red. designado Min. Marco Aurélio.)
[7] “[…] 1. Trata-se de representação ajuizada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) em desfavor do candidato do Partido Social Cristão (PSC) à Presidência da República, Everaldo Dias Pereira, por suposta propaganda eleitoral irregular efetivada na televisão. 2. O feito foi extinto sem resolução do mérito, porque o art. 96 da Lei das Eleições e o art. 3º da Res.-TSE 23.398/2014 dispõem que apenas partidos políticos, coligações, candidatos ou o Ministério Público têm legitimidade para ajuizar representações e reclamações dirigidas à Justiça Eleitoral. Ou seja, reconheci a ilegitimidade ativa dos Correios. 3. A Empresa apresentou recurso contra a decisão, sustentando que tem legitimidade ativa. Ocorre que a impugnação se encontra prejudicada, conforme orientação jurisprudencial do TSE. 4. ‘Exaurido o período de propaganda eleitoral gratuita relativa ao primeiro turno das eleições, há perda superveniente do interesse recursal’ […] 6. Segundo o rito do art. 96 da Lei das Eleições, a ação somente pode ser proposta por quem é candidato, pelos partidos políticos, pelas coligações ou pelo Ministério Público Eleitoral. Ilegitimidade de terceiros estranhos ao processo eleitoral. 7. Por oportuno, ressalto que o TSE tem negado direito de resposta a terceiros (tema análogo ao presente), a fim de assentar que as questões afetas à propaganda eleitoral fiquem adstritas àqueles que estão envolvidos diretamente no processo eleitoral. […]” (Ac. de 14.10.2014 no R-Rp nº 144474, rel. Min. Herman Benjamin.)
[8] Representação. Direito de resposta. Propaganda eleitoral. Horário gratuito. Estado federado. Ilegitimidade ativa ad causam. […] Afastada a falta de legitimidade ativa, pois, ainda que não se confundam os interesses da unidade federativa e os interesses programáticos e partidários da administração do estado, está em jogo, ao menos indireta e aparentemente, a imagem da pessoa jurídica de direito público interno. […]” (Ac. de 21.10.2002 na Rp nº 598, rel. Min. Caputo Bastos; no mesmo sentido o Ac. de 21.10.2002 na Rp nº 605, rel. Min. Caputo Bastos.)
[9] “Propaganda eleitoral gratuita: direito de resposta: admissibilidade, em tese, na hipótese de imputações difamatórias à pessoa jurídica, inclusive à União, entretanto não configurada no caso concreto: reprodução de noticiário da imprensa escrita acerca de licitações internacionais em curso.” NE : Legitimidade da União Federal para a representação por direito de resposta. (Ac. de 24.9.2002 no AgRp nº 461, rel. Min. Gerardo Grossi, red. designado Min. Sepúlveda Pertence.)
[10] REPRESENTAÇÃO. AGRAVO. DIREITO DE RESPOSTA. HORÁRIO GRATUITO. PROPAGANDA ELEITORAL. TERCEIRO OFENDIDO. UNIÃO. PRERROGATIVA. OFENSA. DIVULGAÇÃO. FATO INVERÍDICO. NÃO-OCORRÊNCIA. Ao terceiro ofendido é assegurado postular resposta no horário gratuito de propaganda eleitoral. O fato de haver correspondência de nomenclatura nos projetos (FARMÁCIA POPULAR) não gera repercussão capaz de ensejar deferimento de direito de resposta, à míngua de adequação ao tipo legal. Estando a União admitida como parte nos autos, sua intimação deve ser feita nos termos do § 3º do art. 7º da Resolução nº 20.951/2002. Agravo da União improvido. Agravo da Coligação Lula Presidente não conhecido. (AGRAVO REGIMENTAL EM REPRESENTAÇÃO nº 429, Acórdão nº 429 de 10/09/2002, Relator(a) Min. CARLOS EDUARDO CAPUTO BASTOS, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 10/09/2002 RJTSE – Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 13, Tomo 4, Página 37, TSE)
[11] “Representação. […] Propaganda eleitoral. Horário gratuito. Indeferimento. Direito de resposta. Afirmação sabidamente inverídica. Estado federado. Legitimidade ad causam . […] O Estado, como ente jurídico, tem legitimidade para propor representação requerendo direito de resposta. […]” (Ac. de 21.10.2002 na Rp nº 592, rel. Min. Caputo Bastos.)
[12] Disponível em: < https://portal.fiocruz.br/noticia/vacinacao-infantil-sofre-queda-brusca-no-brasil#:~:text=No%20dia%2017%20de%20outubro,%25%20para%2071%2C49%25.> Acesso em: 12/04/2023.
[13] Disponível em: < https://butantan.gov.br/noticias/queda-nas-taxas-de-vacinacao-no-brasil-ameaca-a-saude-das-criancas> Acesso em: 12/04/2023.