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23/08/2021Por Janiere Portela Leite Paes
Apesar de toda polarização que envolveu a discussão relativa ao voto impresso e confiabilidade das urnas eletrônicas por parte do Poder Executivo e de alguns líderes da base governista no Poder Legislativo, a polêmica acabou gerando um efeito inverso no próprio Parlamento que culminou na rejeição do texto da PEC 135/19, prevalecendo o respeito à Democracia e às instituições democráticas
Não se trata da primeira tentativa de implementação do voto impresso no Brasil. Em 2015 a lei 13.165, acrescentou o Art. 59-A à lei 9.504/97, para estabelecer a obrigatoriedade de mecanismo de impressão do voto, cuja implementação ficaria postergada para a primeira eleição geral subsequente à aprovação da referida lei, ou seja, nas Eleições 2018. Todavia, em 2018, o STF suspendeu liminarmente a eficácia do referido dispositivo, por meio da ADIn 5889, confirmada em Plenário a inconstitucionalidade em 14/09/2020.
Atualmente, encontram-se em tramitação na Câmara dos Deputados Federal o PL 1175/2015, apensado ao PL 1166/15, com parecer pela aprovação do PL na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados Federal e mais recentemente a PEC 135/19, cujo texto foi rejeitado em 10/8/21, todos com objetivos semelhantes de implementação do voto impresso em nosso país.
Em 13/9/19, a Deputada Bia Kicis (PSL-DF), apresentou a Proposta de Emenda à Constituição 135/19 que acrescenta o § 12 ao art. 14, da Constituição Federal dispondo que, na votação e apuração de eleições, plebiscitos e referendos, seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria.
A PEC 135/2019 passou pela admissibilidade da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC), por 33 votos a 5, em 17/12/19. Por conseguinte, foi instalada a Comissão Especial da referida PEC no dia 13 de maio de 2021, tendo sido designado como relator o Deputado Filipe Barros (PSL-PR). Na Comissão Especial foram realizadas 10 audiências públicas, recebidos 27 convidados, com diferentes formações, bem como foi realizada visita técnica ao Tribunal Superior Eleitoral no dia 21/6/21.
Em dia 10 de junho encerrou-se o prazo para apresentação de emendas ao texto da proposição original. Em 28 de junho foi apresentado relatório pela Comissão Especial pela aprovação da PEC, nos termos do substitutivo proposto pelo relator. Encerradas as discussões sobre o relatório, foram apresentados votos em separado com propostas de substitutivos à PEC.
Insta salientar que o texto do substitutivo apresentado pelo Deputado Filipe Barros propôs que a apuração seria realizada nas sessões eleitorais pela mesa receptora de votos após o encerramento do pleito, em total desacordo à competência estabelecida pela legislação vigente, que determina que compete às Juntas Eleitorais, compostas por dois ou quatro cidadãos, designados pela Justiça Eleitoral especificamente para essa finalidade, sob a presidência do Juiz Eleitoral, conforme dispõe o art. 36 do Código Eleitoral.
Apesar da possibilidade de transmissão dos resultados das seções eleitorais por meio do JE-CONECT, ferramenta de apuração remota, utilizada por técnicos designados pelos Juízes Eleitorais e devidamente treinados pela Justiça Eleitoral, com a finalidade de agilizar a transmissão e totalização dos votos coletados nas urnas eletrônicas, a apuração e totalização das seções eleitorais, em sua maioria, ocorre sob a supervisão da Junta Eleitoral, Juiz Eleitoral, Ministério Público, servidores das zonas eleitorais, técnicos de urnas, fiscais de partidos políticos, representantes da OAB, não sendo possível reproduzir tal estrutura em todas as seções eleitorais do nosso extenso país.
Por outro lado o texto do substitutivo criava o Conselho de Tecnologia Eleitoral, órgão vinculado ao Congresso Nacional, com o objetivo de acompanhar, monitorar, avaliar e opinar sobre os processos de desenvolvimento das tecnologias eleitorais; prover subsídios ao Tribunal Superior Eleitoral quanto às tecnologias eleitorais; dentre outras atribuições.
O referido Conselho de Tecnologia Eleitoral seria composto por 12 (doze) representantes, sendo 6 (seis) indicados pelo Senado Federal e 6 (seis) indicados pela Câmara dos Deputados. Os representantes seriam nomeados pelos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Verifica-se, portanto, que a criação de tal Conselho possuía nítida finalidade de reduzir a autonomia do TSE no desenvolvimento de suas tecnologias, contrariando a independência e harmonia entre os Poderes, conforme insculpido no Art. 2º da Constituição Federal, uma vez que a composição de tal Conselho seria proveniente de indicações das Casas do Poder Legislativo Federal.
Por outro lado, cumpre registrar que a votação eletrônica atualmente é auditável, vários são os mecanismos para assegurar segurança dos dados e controle de possíveis tentativas de fraudes em diferentes momentos, desde a preparação das urnas, em que se realiza procedimento de votação forçada (VPP) em urnas sorteadas, existe também o procedimento de votação paralela no dia da Eleição, e o Registro Digital de Voto (RDV) que pode ser auditado em cada urna eletrônica.
Verifica-se, portanto, que o texto proposto no substitutivo apresentado pelo relator da Comissão Especial, salvo melhor juízo, apresentava vício de inconstitucionalidade ao atentar contra a independência e harmonia entre os Poderes, bem como criava uma nova forma de apuração com a finalidade de retirar a supervisão da Justiça Eleitoral, dos Juízes Eleitorais, Ministério Público, representantes da OAB, dentre outros fiscais, em vista da impossibilidade de se fazer presente em mais de 400 mil seções eleitorais em todo o país simultaneamente.
No último dia 16 de julho, por solicitação do Relator, foi concedido prazo adicional até a reunião seguinte, para apresentar redação de novo texto do Relatório e possivelmente do substitutivo, com incorporações dos substitutivos apresentados pelos Deputados que se manifestaram por meio de voto em separado.
No dia 05 de agosto a comissão especial rejeitou o texto do substitutivo apresentado pelo deputado Filipe Barros (PSL-PR), por 22 votos a 11. No dia seguinte, o colegiado aprovou parecer do deputado Raul Henry (MDB-PE), que recomenda a rejeição também da proposta original, mas os pareceres das comissões especiais de PECs não são terminativos.
O texto original da PEC, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que determina a impressão de “cédulas físicas conferíveis pelo eleitor”, foi submetido à deliberação pelo Plenário na sessão do dia 10 de agosto do ano corrente 1. Os deputados aprovaram por 295 votos o requerimento solicitando a quebra do interstício previsto no § 5º do art. 202 do RICD, para inclusão na Ordem do Dia da PEC 135, de 2019.
Iniciada a discussão em primeiro turno, discutiram a Matéria: Dep. Marcel van Hattem (NOVO-RS), Dep. Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Dep. Caroline de Toni (PSL-SC), Dep. Arlindo Chinaglia (PT-SP), Dep. Bia Kicis (PSL-DF), Dep. Carlos Zarattini (PT-SP), Dep. Coronel Tadeu (PSL-SP), Dep. Odair Cunha (PT-MG), Dep. Carlos Jordy (PSL-RJ), Dep. Camilo Capiberibe (PSB-AP), Dep. Dra. Soraya Manato (PSL-ES) e Dep. Alice Portugal (PCdoB-BA), foi encaminhado requerimento para encerramento da discussão, tendo sido aprovado o requerimento.
Na votação, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, em primeiro turno, por 229 votos favoráveis, 218 contrários, uma abstenção, e 64 ausentes, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19. Para que a PEC fosse aprovada, seriam necessários 308 votos, no mínimo, em dois turnos de votação. Dessa forma, a matéria foi rejeitada e será arquivada.
Apesar de ter recebido 229 votos favoráveis, a PEC não conseguiu obter a maioria de 3/5 dos votos necessários para aprovar o texto em primeiro turno, ainda que os 64 ausentes tivessem votado pela aprovação, ainda assim, não seria suficiente para totalizar os 308 votos necessários para aprovação da PEC.
Dessa forma, pode-se inferir que apesar de toda polarização que envolveu a discussão relativa ao voto impresso e confiabilidade das urnas eletrônicas por parte do Poder Executivo e de alguns líderes da base governista no Poder Legislativo, a polêmica acabou gerando um efeito inverso no próprio Parlamento que culminou na rejeição do texto da PEC 135/19, prevalecendo o respeito à Democracia e às instituições democráticas.