Com quase R$ 10 bilhões, Justiça Eleitoral usa 64% dos recursos para salários e encargos
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28/07/2021Por Luiz Fernando Casagrande Pereira e Maíra de Barros Domingues
15 de julho de 1965. Há 56 anos era promulgado o terceiro Código Eleitoral Brasileiro. Criado durante o regime militar pela Lei nº 4.737, esse código ainda vigora. É fato que, agora, sob a égide de um regime democrático, com instituições e poderes estabelecidos. Obedientes à Norma Maior datada de 1988, esta considerada a mais democrática e cidadã entre as Constituições, vários são os dispositivos do Código Eleitoral, norma hierarquicamente inferior àquela, que não se coadunam com o momento atual lá demarcado e, portanto, não foram por ela recepcionados. Outros dispositivos, porém, ainda regulam os atos praticados no âmbito eleitoral, sendo o código norma fundamental do Direito Eleitoral.
De 1965 para cá, várias foram as leis aprovadas pelo Congresso Nacional visando a atualizar e aprimorar as disposições aplicadas ao processo eleitoral. No ponto, cabe dizer, as várias “reformas políticas” que ocorreram — as quais muitas vezes poderiam ser nominadas como alterações políticas pontuais — buscaram e muitas vezes conseguiram atualizar determinados assuntos, respondendo satisfatoriamente a questão colocada. Contudo, todas longe de resolver e eliminar as imperfeições do sistema político-eleitoral. Até porque, sabemos, na constante busca pela democracia perfeita, há sempre uma esperança na reforma redentora, em um passe de mágica, o que é impossível.
A democracia, aliás, não se pretende perfeita. Pelo contrário, é sempre imperfeita. E é imperfeita porque “sustenta humildemente o seu funcionamento na mediocridade do ser humano, ou seja, no eleitor comum“ (Néviton Guedes, citando Ulrich Preuβ).
De toda sorte, as alterações realizadas na legislação eleitoral no decorrer dos anos, muitas necessárias e imperativas, em muito contribuíram para o avanço e a atualização da legislação, pois, conforme falamos, o Código Eleitoral vigente, por ser anterior à Constituição Federal em muitos dispositivos, queda-se ultrapassado.
Cientes das imperfeições do sistema e certos da necessidade de correções, não resta outra saída senão insistir. Insistir em mudanças, em aperfeiçoamentos conscientes e técnicos. E, conforme já alertou o ministro Barroso: “Essa ideia de que nós vamos refundar tudo, de uma vez por todas, e de que a partir disso, no dia seguinte, nós alcançamos o paraíso, não existe”. De fato, não existe.
Antes de tratar, porém, da reforma da legislação eleitoral, faremos uma breve análise dos ganhos trazidos com a legislação aniversariante. Em que pese seja filho do regime militar, foi o Código Eleitoral de 1965, que ampliou e disciplinou as atribuições dos juízes eleitorais de cada localidade, criou a Corregedoria-Geral no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fortalecendo a própria Justiça Eleitoral, instituiu a utilização dos distritos para as eleições proporcionais, dispôs que o registro de candidaturas somente poderia ocorrer a partir de seis meses antes das eleições, criou restrições às campanhas eleitorais nos três meses anteriores aos pleitos, entre várias outras disposições, todas importantes e essenciais para o fortalecimento da Justiça Eleitoral enquanto instituição, o que era, por si só, muito importante, sobretudo se considerarmos o momento político vivido.
Algumas das inovações trazidas pelo Código Eleitoral não obtiveram êxito, outras tantas precisaram ser reformuladas, seja para adaptarem-se à nova ordem constitucional, seja porque careciam de aprimoramento. Afinal, mesmo reconhecendo os louros, precisamos reconhecer que um código com 56 anos de vigência padece de muitos problemas, devendo, portanto, avançar em direção à democracia, sobretudo se consideramos o descrédito do atual cenário político brasileiro, onde rotineiramente somos informados de escândalos de corrupção e desvios de dinheiro.
Ainda antes de falar das reformas empreendidas, cabe destacar que a Constituição brasileira de 1988 criou um modelo político. Os elementos essenciais de um modelo político constitucional, no mundo inteiro, estão representados no sistema de governo (presidencialismo e parlamentarismo) e na opção entre sistemas eleitorais.
O sistema de governo foi resolvido e depois ratificado no plebiscito determinado pelo artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988, tendo a República presidencialista recebido folgada maioria.
A Constituição escolheu, ainda, o sistema eleitoral proporcional de lista aberta, agora sem coligação na proporcional. E um sistema partidário recentemente bem calibrado com a cláusula de desempenho. Dois avanços muito importante da Emenda Constitucional nº 97, de 2017. Importantes avanços incrementais.
Quanto ao financiamento, outro grande avanço na legislação eleitoral ocorreu em 2015. Foi o fim do financiamento de pessoa jurídica sem limite nominal. Em 2014, para se ter ideia, a empresa JBS, sozinha, doou R$ 360 milhões. Financiou mais de cem deputados federais; número parecido de deputados contou com o Bradesco. Havia um Congresso capturado e a necessidade urgente de melhorar.
Sabemos que toda legislação eleitoral, a rigor, é interminável. Estamos sempre atrás de um modelo melhor, mas nunca podemos deixar de reconhecer que não se deve esperar mais dos sistemas eleitorais do que são capazes de entregar.
Ainda no que toca ao financiamento, outra sólida mudança se deu em 2019, com a limitação do autofinanciamento, ou seja, dos recursos próprios utilizados pelos candidatos nas suas respectivas campanhas, os quais passaram a estar limitados a 10% dos limites previstos para os gastos de campanha no cargo em que concorrerem. Antes dessa alteração, os candidatos podiam usar recursos próprios até o limite da campanha, o que acabava por privilegiar aqueles detentores do alto poder e capital. Exemplo clássico o do então candidato a presidência em 2018, Henrique Meirelles, o qual gastou mais de R$ 57 milhões na sua campanha, tudo proveniente de recursos próprios.
Se, porém, mencionamos reformas que trouxeram avanços efetivos, faz-se necessário compreender que aqui no Brasil vivemos “tempos ásperos”, para usar o título do último livro de Vargas Llosa, que trata da fragilidade histórica das democracias latino-americanas. Em tempos ásperos nossa maior missão deve ser resistir. “Democracia é uma conquista que não pode ser jogada fora”, nos lembrou o ministro Fachin em artigo recentemente publicado na ConJur.
Antes de propor reformas, devemos manter o que temos, sobretudo porque estamos vivemos o momento de maior ebulição em termos de reforma das normas eleitorais. Há uma feliz coincidência em movimentos não combinados, mas coordenados, entre o Tribunal Superior Eleitoral e o Congresso Nacional.
O movimento do TSE começou em 2019, com a criação do Grupo de Trabalho para Sistematização das Normas Eleitorais, coordenado pelo ministro Fachin. Agora o SNE está na segunda fase, preparando uma nova entrega. Há mais de cem pesquisadores envolvidos, inclusive com gente de fora do Direito. No material em produção há a preocupação com o financiamento das candidaturas negras, para consolidar o avanço que se deu por decisão judicial. A discussão em torno das candidaturas coletivas. A facilitação das candidaturas de indígenas. Na esfera penal, a preocupação com a violência política contra grupos vulneráveis. Matérias que podem ser acolhidas pela reforma a legislação eleitoral.
Outro grande avanço se dá com a atual discussão de um novo Código Eleitoral no Congresso Nacional. A deputada Margarete Coelho, com sólida formação acadêmica na área, coordena grupos com entidades como a nossa Abradep, possuindo mais de cem pesquisadores envolvidos. Há fluxo contínuo de ideias, vindas do TSE e dos grupos ligados à reforma eleitoral no Congresso. Uma ebulição que pode autorizar a maior e melhor reforma da legislação eleitoral desde o Código de 1932.
Antes de tudo, a tarefa é sistematizar. Sistematizar é fundamental para afastar disfuncionalidades e garantir mais segurança jurídica. Depois de sistematizar, é necessário avançar em alguns pontos.
Um dos principais pontos a se avançar diz respeito ao aumento do quantitativo na representatividade de gênero. É escandalosa a sub-representação feminina no Parlamento. É necessário reservar vagas, sem retrocessos na cota de candidaturas.
Outro ponto a se avançar é na propaganda. Isso porque no Brasil há uma hiperregulamentação das campanhas eleitorais, disciplinado até o tamanho do adesivo que pode ser usado na bicicleta do eleitor. Temos de higienizar e desidratar a disciplina da propaganda eleitoral, dando mais espaço para os candidatos. É necessário propiciar a eles espaço suficiente para que possam divulgar suas propostas e esclarecer os eleitores.
No tema do financiamento, a decisão do STF de barrar indiscriminadamente as doações de pessoas jurídicas merece “revisão”. Não podemos retroceder para o sistema anterior de doações indiscriminadas por pessoas jurídicas porque já vimos que não funciona. Temos de achar, portanto, um meio termo que possa conciliar financiamento empresarial com limites rígidos de tetos nominais.
Um olho na necessidade de avançarmos, outro no risco de retrocessos, como o voto impresso. Organizamos as melhores e mais seguras eleições do mundo. Aliás, longe de parecer incólume a eventuais ataques, a urna eletrônica passa constantemente por testes e aprimoramentos, sendo objeto constante de auditorias, as quais sempre demonstraram ser ela segura. Cerimônia pública de geração de mídias e preparação das urnas. Votação paralela e auditoria em tempo real. Emissão da zerésima. Outros tantos exemplos. Todos corroboram a segurança da urna eletrônica. Só não reconhece isso quem tem fetichismo do estrangeiro, na expressão de José de Alencar.
Assim, por tudo o exposto, mais importante do que avançar, é resistir. Afinal, vivemos tempos ásperos. Segundo aponta o relatório “Variações da Democracia” (V-Dem), do instituto de mesmo nome, ligado à Universidade de Gotemburgo, na Suécia, o Brasil é o quarto país que mais se afastou da democracia em 2020, em um ranking de 202 países analisados. Isso é preocupante e precisa ser freado.
Nessa tônica, se possível for, avançaremos. Atualizaremos e sistematizaremos as disposições do Código Eleitoral, adequando-o ao momento atual e aos imperativos do sistema eleitoral, mas também resistiremos. É necessário mudar, mas também resistir e agradecer por todos os avanços proporcionados pela legislação que completa 56 anos de existência.