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Por Volgane Carvalho, para o JOTA
Michel Foucault há anos, em uma aula magna, discorreu sobre a enorme força do discurso e sua capacidade de passar mensagens e alcançar intentos que vão muito além das palavras e dos seus meros sentidos semânticos. Se vivo, o mestre francês talvez fosse obrigado a reformular o seu pensamento acerca da ordem do discurso para adaptá-lo ao império das narrativas.
Essas figuras do debate público contemporâneo apresentam-se como um fenômeno surgido de modo espontâneo e propagado de forma orgânica, mas na verdade, são meticulosa e artificialmente elaboradas e espalham-se através da ação orquestrada de profissionais de comunicação, milícias digitais, robôs e outros aparatos digitais que induzem um interesse artificial.
Desse laboratório de conteúdos duvidosos emergiu nas últimas horas a ideia de que o 2º turno das eleições presidenciais precisa ser adiado. Diante disso, é importante identificar quais argumentos sustentam tal ideia e, concomitantemente, verificar se há respaldo legal para tal manobra.
O adiamento da eleição ocorreria em decorrência de uma denúncia de fraude na exibição de inserções da propaganda eleitoral de um dos candidatos em rádios da região Nordeste, o que teria, em tese, resultado em uma quebra da normalidade da disputa eleitoral prejudicando deliberadamente um dos contendores.
O tema, certamente, pode fomentar o manejo de ações eleitorais, notadamente, da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, mas está limitado a isto. Não causa escândalo que um candidato reclame do desequilíbrio indevido da disputa eleitoral, as prateleiras virtuais da Justiça Eleitoral estão repletas de casos similares. Esse é um cenário que chega a ser corriqueiro, especialmente em eleições municipais.
Aliás, nessas disputas muitas vezes emergem circunstâncias ensejadoras de irregularidades que são ainda mais impactantes e comprovadas de forma mais contundente como a utilização de recursos públicos pelo chefe do Executivo para cooptar apoiadores, o abuso de poder econômico e uso do poder hierárquico por empresários com o escopo de intervir no voto dos empregados ou o manejo dos meios de comunicação social para a propagação de desinformação. Mesmo diante de cenários tão drásticos as eleições ocorrem normalmente na data prevista.
Concluiu-se, portanto, que as ações cassatórias existem para controlar situações abusivas ocorridas em um determinado pleito, especialmente quando identificados fatos que ocasionaram um desequilíbrio indevido entre os contendores ou a quebra da normalidade. Ao final de tais processos, se comprovada a ocorrência de vício, poderá haver a cassação do mandato eletivo obtido de modo ilícito e a realização de nova eleição, a data do pleito, entretanto, é inegociável.
A data dos pleitos, aliás, possui dignidade especial no sistema eleitoral brasileiro. O legislador cuidou de fixar o calendário de tais eventos no texto constitucional determinando que o 1º turno ocorrerá no primeiro domingo de outubro e o eventual 2º turno no último domingo do mesmo mês. Além disso, arrematou o desenho institucional fixando entre as cláusulas pétreas a periodicidade dos pleitos.
A combinação de tais diretrizes resulta em uma fórmula clara: as eleições brasileiras só poderão ser adiadas ou ter a sua data alterada em situações especialíssimas e quando presentes obstáculos incontornáveis e para os quais não haja outra solução jurídica. Essa formulação afasta, desde logo, qualquer reclamação acerca de irregularidades na disputa, o que, sempre, será resolvido em sede de ações cassatórias.
Sob a égide da Constituição de 1988, os brasileiros foram às urnas para eleições regulares em 16 oportunidades – deste conjunto, em apenas uma eleição houve o adiamento da data constitucionalmente prevista.
Em 2020, no ápice da pandemia da Covid-19, diante do risco real de contaminação massiva de eleitores, candidatos, mesários e servidores da Justiça Eleitoral, após um longo debate público realizado pelo Parlamento, com a oitiva da comunidade científica, juristas, partidos políticos e da sociedade em geral, houve-se por bem adiar as eleições municipais para 15 de novembro.
Após a maturação da ideia foi elaborada uma minuciosa proposta de emenda à Constituição que contemplava todas as consequências eleitorais do adiamento do pleito. A PEC foi submetida ao escrutínio dos parlamentares, que a aprovaram sob os rigores estabelecidos na Constituição Federal.
É possível verificar que tal processo não se desenrolou do dia para noite, não surgiu às vésperas do pleito. Ao inverso, foi cuidadoso e demorado como sói há de ser. Além disso, o fato ensejador da modificação não foi o intento de qualquer dos candidatos, mas a segurança da coletividade, dos eleitores, da comunidade.
No caso atual, não há qualquer propósito em sequer debater o adiamento de uma eleição presidencial ao custo de muitos milhões de reais, com base em alegações que carecem de comprovação e que podem perfeitamente ser objeto de análise, com igual eficácia, em processo eleitoral específico. Diante disso, é certo que todos seguimos convidados a um novo encontro com as urnas no próximo dia 30. Todo o resto são temas para os próximos capítulos desta disputa que não é para amadores.