Possíveis consequências jurídicas das novas disposições da Lei de Improbidade
06/06/2022Federações partidárias darão sobrevida a cinco siglas nestas eleições
06/06/2022Valor é referente a 2016 e representa 8,8% dos R$ 737 milhões repassados às legendas no ano
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que os partidos políticos devolvam quase R$ 65,1 milhões aos cofres públicos em função de irregularidades no uso da verba do fundo partidário de 2016, última prestação de contas julgada pela Corte, segundo levantamento feito pelo GLOBO. O valor representa 8,8% dos R$ 737 milhões repassados às legendas naquele ano.
Entre as irregularidades constatadas pelo TSE estão despesas não comprovadas pelas legendas; recebimento de verba de fonte vedada; compras com a verba pública consideradas dispensáveis; além do descumprimento da aplicação de 5% dos recursos do fundo em programas de promoção e difusão da participação política das mulheres. A última falha, comum em quase todos os partidos, ganhou anistia da Corte em 2019 e 2022, quando os ministros autorizaram a utilização dos 5% não aplicados nas eleições subsequentes. O PL, partido de Jair Bolsonaro, é um deles: não aplicou nenhum real dos R$ 2,3 milhões da verba.
A demora em julgar a utilização dos recursos públicos pelos partidos mostra a dificuldade de punição pela Justiça Eleitoral. A maioria dos partidos respondeu ao GLOBO que ainda está recorrendo da decisão sobre a prestação de contas do fundo partidário de 2016, a prestação mais recente a ser julgada. Enquanto isso, o Congresso tem feito andar projetos que anistiam dívidas partidárias. Em abril, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional que anistia os partidos que não cumpriram nas eleições passadas a reserva de 30% dos recursos para candidaturas femininas, exigência estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em 2018. Um outro projeto de reforma do código eleitoral, aprovado pela Câmara no ano passado e em tramitação no Senado, concede outras anistias e limita multas aos partidos.
O levantamento do GLOBO também mostra que nenhum partido teve a prestação de contas do fundo partidário de 2016 totalmente aprovada pela Corte até o momento. A reportagem localizou apenas quatro — MDB, PCdoB, Republicanos e Novo — com contas “aprovadas com ressalvas”. As demais foram reprovadas. Em pelo menos 11 casos ainda cabe recurso.
A desaprovação em série das contas partidárias tem gerado como reação tentativas frequentes de flexibilização das regras eleitorais. Uma delas é o projeto de lei do novo Código Eleitoral, aprovado na Câmara dos Deputados no ano passado e pendente de votação no Senado.
A proposta abre brecha para as legendas usarem os recursos públicos de acordo com seus interesses — hoje, os gastos são restritos à atividade partidária. O PL também permite que as siglas contratem empresas privadas de auditoria, retirando a competência da Justiça Eleitoral, que analisaria apenas o relatório produzido pela contratada. Outra mudança é em relação ao valor das multas decorrentes da desaprovação de contas. No modelo atual, o cálculo é de 20% do valor apontado como irregular, mas se aprovada a nova legislação, haverá um teto de R$ 30 mil. Ainda há uma “licença” para realizar gastos irregulares no valor de até 20% do total recebido e previsão para mudar o prazo da Justiça Eleitoral para a análise da prestação de contas, que cairia de cinco para três anos, sob pena de prescrição,
Atualmente, a Justiça Eleitoral julga as contas no limite do prazo, o que, segundo Issa, se deve a três fatores: o aumento exponencial de recursos públicos para as campanhas, em especial após proibição de doação de pessoas jurídicas; a estrutura enxuta da Justiça Eleitoral; e a falta de investimentos em tecnologia da informação e inteligência artificial, o que poderia tornar as análises mais céleres e efetivas.
— Em 2014, tínhamos 130 servidores espalhados por Tribunais Regionais Eleitorais para fiscalizar R$ 370 milhões. Quatro anos depois, em 2018, tínhamos a mesma quantidade de servidores para fiscalizar R$ 3,4 bilhões, em valores corrigidos pela inflação — diz Issa.
Michel Bertoni Soares, advogado eleitoralista, membro da ABRADEP e da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP, afirma que resolução que rege a prestação de contas partidárias determina que os gastos sejam comprovados por meio de notas fiscais, sendo possível, na ausência delas, apresentar outros documentos, como contratos ou comprovantes de prestação de serviço:
— Na prática, contudo, muitas vezes há um certo excesso na exigência de outros documentos, fazendo com que as despesas comprovadas por nota fiscal sejam consideradas irregulares — afirma o especialista. — É fundamental que a aplicação dos recursos seja verificada pela Justiça Eleitoral, mas não devem ser exigidos documentos que inviabilizem a comprovação dos gastos, especialmente quando a nota fiscal é apresentada. A eficiência da análise das contas não pode ser medida apenas por desaprovações e determinações de recolhimento.