Informação sobre anúncios políticos e eleitorais nas redes sociais é frágil, apontam pesquisadores
11/07/2022A vida imita a arte: “The Boys” e a intolerância política no Brasil
13/07/2022Por Pierre Vanderlinde e Fábio Jeremias de Souza
O limite temporal às propagandas eleitorais encontra lastro no princípio da igualdade de oportunidades entre partidos e candidatos, de forma a maximizar três objetivos principais: (1) assegurar a todos os competidores um mesmo prazo para realizarem as atividades de captação de voto, (2) mitigar o efeito da assimetria de recursos econômicos na viabilidade das campanhas, no afã de combater a plutocratização sobre os resultados dos pleitos; e (3) impedir que determinados competidores extraiam vantagens indevidas de seus cargos ou de seu acesso aos grandes veículos de mídia, antecipando, em consequência, a disputa eleitoral [1].
É cediço que “a propaganda eleitoral extemporânea consubstancia, para assim ser caracterizada, ato atentatório à isonomia de chances, à higidez do pleito e à moralidade que devem presidir a competição eleitoral” [2].
A minirreforma eleitoral ocorrida em 2015 trouxe uma grande inovação no cenário eleitoral brasileiro, ao introduzir o artigo 36-A na Lei nº 9.504/97, regulamentando os atos de pré-campanha, ou seja, atos possíveis de serem realizados pelos pré-candidatos sem que configurem propaganda antecipada.
Com efeito, em relação aos atos de pré-campanha que possuam conteúdo eleitoral [3], o Tribunal Superior Eleitoral fixou importantes teses balizadoras por ocasião do julgamento do AgR AI 9-24, de Várzea Paulista (SP). Vejamos:
(1) A PRIMEIRA baliza é de que em nenhuma hipótese é permitido o pedido explícito de voto antes do período oficial de propaganda sob pena de configurar propaganda eleitoral antecipada
(2) A SEGUNDA baliza diz respeito à impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial (ex: outdoor, brindes);
(3) A TERCEIRA baliza trata do respeito ao alcance das possibilidades do “pré-candidato médio”, ou seja, na pré-campanha eventuais gastos devem ser moderados, em ordem a possibilitar o seu exercício em termos minimamente efetivos.
Sendo, pois, a jurisprudência, elevada ao patamar de importante fonte do direito no atual cenário político-jurídico brasileiro, espera-se dos tribunais a manutenção do entendimento firmado no leading case para os demais casos futuros, eis que a previsibilidade é inerente ao Estado de Direito.
O que se deve extrair do leading case supramencionado data venia, é que em se tratado de mensagem com conteúdo eleitoral veiculada por pré-candidato, não pode haver a violação à igualdade de chances. Não é apenas o prematuro pedido de voto que causa o desequilíbrio, mas também tem a ver com o conteúdo divulgado, as características do artefato utilizado e do montante de recursos financeiros aplicados em momento anterior à campanha eleitoral.
Justamente sob este viés é que o TSE promoveu a cassação da senadora Selma Arruda (RO 0601616-19 ), reconhecendo o abuso de poder econômico e arrecadação ilícita de recursos decorrente da contratação de empresas de pesquisa e de marketing (fotos, vídeos, jingles, impulsionamento) no período de pré-campanha.
Em 2020, o TSE referendou as balizas fixadas no leading case AgR AI 9-24 (Várzea Paulista) por ocasião do julgamento do AgR AI nº 0600091-24 (Macapá), relativa a publicidade impulsionada na pré-campanha.
Em seu voto, o ministro Barroso entendeu que, em primeiro lugar, deve se averiguar se a mensagem veiculada tem conteúdo eleitoral ou é um “indiferente”. Reconhecido o conteúdo eleitoral, passa-se à análise dos três parâmetros alternativos:
(1) a presença de pedido explícito de voto;
(2) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda;
(3) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.
No citado AgR AI nº 0600091-24 (Macapá), embora a Corte Superior tenha entendido ser possível o impulsionamento na pré-campanha (por não ser uma forma proscrita na campanha), reforçou o entendimento de que os gastos de pré-campanha devem respeitar ao alcance das possibilidades do “pré-candidato médio”. O impulsionamento na pré-campanha, aliás, passou a ser expressamente permitido pelo artigo 3º-B da Resolução nº 23.610/2019.
Mas e quando a manifestação pré-campanha é realizada por um cidadão comum, eleitor ou simpatizante de determinado pré-candidato, qual o tratamento que deve ser dado?
A mesma lei que regulamenta a pré-campanha (Lei nº 9.504/97) dispõe ser livre a manifestação de pensamento por pessoa natural, aplicando-se à espécie, o disposto no artigo 57-D:
“Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores — internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3º do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica.”
A Resolução TSE nº 23.610/2019, aliás, dá tratamento especial a este tipo de postagem:
“Art. 28. A propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada nas seguintes formas (Lei n° 9.504/1 997, art. 57-13, 1 a IV):
[…]
§ 6º. A manifestação espontânea na internet de pessoas naturais em matéria político-eleitoral, mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidato ou partido político, não será considerada propaganda eleitoral na forma do inciso IV, desde que observados os limites estabelecidos no § 11 do art. 27 desta Resolução e a vedação constante do § 21 deste artigo.”
Sobre o referido dispositivo, colhemos os ensinamentos da doutrina especializada:
“A adoção deste entendimento é evidenciada no art. 28, §6º, da Res. nº 23.610/19, quando estabeleceu que a manifestação espontânea na internet de pessoas naturais em matéria político-eleitoral, mesmo que sob a forma de elogio ou crítica a candidato ou partido político, não será considerada propaganda eleitoral quando for feita por meio de blogs, redes sociais e mensagens eletrônicas […]” [4] (grifamos)
A bem da verdade, a Justiça Eleitoral fixou o postulado da intervenção mínima no debate democrático realizado na internet, assegurando a liberdade de expressão das pessoas naturais. Vejamos, novamente, disposição inserta na Resolução TSE nº 23.610/2019:
“Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei n° 9.504/1 997, ad. 57-J).
§ 1°. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.”
Em que pese se estender às pessoas naturais a impossibilidade de utilização de formas proscritas (ex: outdoor, brindes), há um tratamento mais relativizado em se tratando de mensagem dirigida à grupo restrito de amigos.
Em agosto de 2019, o Tribunal Superior Eleitoral, ao analisar o caso de Itabaianinha (SE) [5] — RESP 133-51, fixou algumas diretrizes sobre o tema, tendo como pano de fundo o pedido de votos em período vedado realizado em grupo de WhatsApp.
Ao analisar o contexto dos fatos e sopesar os princípios constitucionais e legais aplicáveis à espécie, a ministra Rosa Weber ponderou:
“[…]
3. Existe na espécie certo conflito entre bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico de um lado, a igualdade de oportunidade entre os candidatos e, de outro, a liberdade de expressão e opinião do cidadão eleitor (liberdade comunicativa), de modo que a atividade hermenêutica exige, por meio da ponderação de valores, o reconhecimento de normas carregadas com maior peso abstrato, a ensejar, por consequência, a assunção por uma delas, de posição preferencial, como é o caso da liberdade de expressão.
4. Dada a sua relevância para a democracia e o pluralismo político, a liberdade de expressão assume uma espécie de posição preferencial (preferred position) quando da resolução de conflitos com outros princípios constitucionais e direitos fundamentais.
5. Quando o enfoque é o cidadão eleitor, como protagonista do processo eleitoral e verdadeiro detentor do poder democrático, não devem ser, a princípio, impostas limitações senão aquelas referentes à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos Partidos Políticos e as relativas à veracidade das informações divulgadas (REspe nº 29-49, rel. min. Henrique Neves da Silva, DJe de 25/8/2014).
6. As mensagens enviadas por meio do aplicativo WhatsApp não são abertas ao público, a exemplo de redes sociais como o Facebook e o Instagram. A comunicação é de natureza privada e fica restrita aos interlocutores ou a um grupo limitado de pessoas, como ocorreu na hipótese dos autos, o que justifica, à luz da proporcionalidade em sentido estrito, a prevalência da liberdade comunicativa ou de expressão.
7. Considerada a posição preferencial da liberdade de expressão no Estado democrático brasileiro, não caracterizada a propaganda eleitoral extemporânea porquanto o pedido de votos realizado pela recorrente em ambiente restrito do aplicativo WhatsApp não objetivou o público em geral, a acaso macular a igualdade de oportunidade entre os candidatos, mas apenas os integrantes daquele grupo, enquanto conversa circunscrita aos seus usuários, alcançada, nesta medida, pelo exercício legítimo da liberdade de expressão.
8. Consignada pelo Tribunal de origem a possibilidade em abstrato de eventual ‘viralização’ instantânea das mensagens veiculadas pela recorrente, ausente, contudo, informações concretas, com sólido embasamento probatório, resultando fragilizada a afirmação, que não pode se amparar em conjecturas e presunções. Recurso especial eleitoral a que se dá provimento para julgar improcedente a representação por propaganda eleitoral extemporânea e, por conseguinte, afastar a sanção de multa aplicada na origem.”
(TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 13.351, acórdão, relator(a) min. Rosa Weber, publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 157, data 15/8/2019, página 51/52)
O que se deve extrair do leading case supramencionado, data venia, é que em se tratado de mensagem veiculada em ambiente restrito e sem objetivo de atingir o público em geral, a liberdade de expressão do cidadão deve tomar posição preferencial (preferred position), pois o ato não tem capacidade alguma de macular a igualdade de oportunidade entre os candidatos.
Esse posicionamento, aliás, não é de hoje. Há muito o Tribunal Superior Eleitoral tem o entendimento de que “quando o enfoque é o cidadão eleitor, como protagonista do processo eleitoral e verdadeiro detentor do poder democrático, não devem ser, a princípio, impostas limitações senão aquelas referentes à honra dos demais eleitores, dos próprios candidatos, dos Partidos Políticos e as relativas à veracidade das informações divulgadas” (REspe nº 29-49, rel. min. Henrique Neves da Silva, DJe de 25/8/2014).
Neste cenário, entendemos pela primazia da intervenção mínima do Judiciário nas manifestações próprias do embate político-eleitoral, mormente aquelas efetuadas por pessoa natural e direcionada ao seu grupo restrito de amigos, sob pena de se tolher substancialmente a liberdade de expressão do cidadão-eleitor.
[1] OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e Liberdade de Expressão. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 127-128 – prelo
[2] TSE – Recurso Especial Eleitoral nº 5124, acórdão, relator(a) min. Luiz Fux, Publicação: PSESS – publicado em Sessão, data 18/10/2016
[3] No Agr-AI-924/2018 o TSE definiu que “conteúdo eleitoral” é tudo aquilo que se enquadre no antigo conceito de “propaganda antecipada” – Ac. 15.372/1999 — A publicidade que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver, ou as razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da função pública.
[4] JORGE, Flávio Cheim; LIBERATO, Ludgero; RODRIGUES, Marleco Abelha. Curso de Direito Eleitoral. 3ª ed. ver., atual. e ampl. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020. p. 368.
[5] Recurso Especial Eleitoral nº 13.351, acórdão, relator(a) min. Rosa Weber, publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 157, Data 15/8/2019, Página 51/52