A prova do abuso de poder no processo eleitoral
04/07/2022Pré-campanha: manifestações a grupos restritos e a liberdade de expressão
11/07/2022Ferramentas de transparência de Facebook, Instagram e Google são insuficientes para acompanhar a circulação e a segmentação de conteúdos impulsionados no período eleitoral
As ferramentas de transparência de anúncios políticos da Meta, controladora de Facebook e Instagram, e do Google, maiores plataformas digitais em operação no país, são insuficientes para monitorar a circulação e o gasto com conteúdos impulsionados na pré-campanha e durante as eleições. O alerta é do NetLab, laboratório vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e consta num documento tornado público com a assinatura de mais de 90 organizações da sociedade civil e pesquisadores com cobranças de combate à desinformação no pleito.
Embora as prestações de contas sejam obrigadas a informar gastos com os serviços de impulsionamento, apenas por meio de dados fornecidos pelas próprias plataformas é possível ter acesso a parte das estratégias de segmentação de conteúdos e faixas com estimativas de gastos para cada anúncio. Em 2022, as siglas terão disponíveis R$ 4,9 bilhões do fundo eleitoral. Na pré-campanha, fase em que a apresentação das despesas pelos políticos é mais lenta, o descompasso é mais evidente.
Nas últimas eleições gerais, em 2018, o gasto com impulsionamento declarado somou R$ 79,3 milhões, segundo o TSE. O Facebook foi o segundo maior fornecedor para as campanhas, com mais de R$ 23 milhões declarados.
A Meta mantém uma biblioteca de anúncios no ar desde 2018, criada em meio ao escândalo da Cambridge Analytica. Na página, ficam armazenados por sete anos anúncios classificados como sensíveis, isto é, os ligados a temas sociais, política e/ou eleições, com a indicação de quem pagou por eles. A classificação é feita por cada anunciante e revisada pela plataforma, com um sistema automatizado e curadoria humana, antes de o anúncio ser lançado, o que leva alguns dias. Hoje, a maior parte da verificação é automatizada. Já a revisão humana, em Língua Portuguesa, acontece fora do Brasil.
Especialistas e pesquisas já feitas em outros países apontam, no entanto, que há falhas na categorização de anúncios políticos e eleitorais. Pesquisa da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, e da Universidade de Nova York analisou 33,8 milhões de anúncios no Facebook entre 2020 e 2021. Os dados apontam que o Facebook tomou a decisão errada para 83% dos casos. A conta inclui tanto anúncios políticos em excesso quanto ausentes neste grupo. Mais de 13 mil anúncios sensíveis no Brasil não foram identificados.
Outro problema é que não há uma separação entre os diferentes tipos de anúncios marcados como sensíveis (que podem ser políticos, eleitorais, ou sobre questões sociais). É impossível determinar quais anúncios na biblioteca foram classificados por conta de um viés estritamente relacionado a eleições. A junção de temas dificulta a análise e o monitoramento dos gastos de campanha.
— Se quisermos observar como será a campanha eleitoral, não conseguiremos. Não há separação do que é anúncio de eleição ou de outro temas. Além disso, os dados são instáveis e incompletos — diz Rose Marie Santini, do NetLab.
A biblioteca também divulga apenas estimativas de idade (em faixas), gênero (masculino/feminino) e localização (estado) de usuários expostos à propaganda. Não se sabe quantas vezes uma faixa etária específica foi alvo ou quantos anúncios foram exibidos em uma região específica. Outro ponto é que os dados de impressão publicizados refletem características do público que visualizou o conteúdo publicitário. O Facebook promete mudanças neste mês nos dados sobre segmentação, com o objetivo de contemplar as estratégias dos anunciantes.
Pesquisadores também reclamam da indisponibilidade no país do Facebook Open Research and Transparency, plataforma lançada no mês de maio de 2022 nos EUA e no Reino Unido. Ela permite acessar informações mais detalhadas sobre como os anúncios políticos foram direcionados.
Internamente, a Meta avalia que é mais transparente que a concorrência. Um dado que costuma ser usado para indicar a qualidade de sua revisão é que a plataforma impediu que milhares de anúncios sem o rótulo eleitoral entrassem no ar nas eleições de 2020.
Vice-presidente da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RJ e membro da ABRADEP, Samara Castro avalia que a biblioteca da Meta tem informações insuficientes sobre a segmentação, mas que o principal problema é a falta de exatidão sobre quanto foi gasto em cada anúncio:
— A transparência do processo eleitoral na propaganda da internet só seria garantida, se tivéssemos condições de entender como está sendo feito o tráfego, para onde as informações estão indo e por que estão indo para aquelas pessoas. É possível fazer um tráfego que desrregula a paridade de armas e que desregula a capacidade de uma pessoa ser eleita e outra não. É importante que ao menos um pouco dos requisitos exigidos no PL 2630 (das fake news), que são bem extensos, fossem utilizados para os anúncios. É importante entender quais são as segmentações.