O uso de jingles, paródias e similares é bastante comum em campanhas eleitorais. A prática, contanto não utilizada para difamações e ridicularizações[1], é autorizada pela Lei das Eleições (Lei 9.504/97). O artigo 542 prevê o uso de jingles nas inserções de rádio e televisão durante o horário eleitoral gratuito e o artigo 39, §9º e §9º-A3 para a propaganda de rua. Todavia, candidatos, candidatas e partidos políticos têm que observar também, para seu uso, as regras de direitos autorais sobre estas produções.
Segundo prevê a Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais de suas obras, bem como depende de sua prévia e expressa autorização a utilização, seja de forma total ou parcial, direta ou indireta, nos moldes do artigo 29.
Ou seja, ao menos que estabelecido de forma distinta em contrato, há sempre o dever de quem quer que se utilize das obras de pagar os artistas criadores e/ou titulares pelo uso. No Brasil, quem faz o recolhimento das taxas é o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), que arrecada os valores devidos e distribui aos artistas respectivos.
O dever de pagar valores, a título de direitos autorais, pelo uso de obra de artistas ou terceiros utilizados depende da modalidade de uso. No caso de jingles e paródias, há que se diferenciar as duas modalidades.
No que diz respeito às paródias, a Lei de Direitos Autorais prevê expressamente o seguinte, em seu artigo 47: “São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”. Dessa forma, não haveria, nessa hipótese, dever de pagamento de taxas ao criador/titular da obra inspiradora.
A polêmica quanto ao seu uso em campanhas foi discutida no Recurso Especial 1.810.440/SP do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que a EMI Songs ingressou com ação contra o Partido Liberal e o deputado Francisco Everardo Tiririca Oliveira Silva, conhecido como Tiririca, por uso em campanha eleitoral de uma paródia da música “O portão”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Após ser condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a 3ª Turma do STJ anulou essa decisão, por entender que Tiririca não teria de indenizar a gravadora por direitos autorais, justamente por conta da previsão do já mencionado artigo 47 da lei.
Destaca-se do julgado:
“Segundo compreensão do STJ, a paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica. […] A paródia, a par de derivar de obra preexistente, constitui criação intelectual nova, dotada de autonomia em relação à obra originária. Precedentes.
5 — O artigo 47 da Lei 9.610/98 estabelece que ‘são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito’.
6 — Não há, na Lei de Direitos Autorais, qualquer dispositivo que imponha, quando do uso da paródia, o anúncio ou a indicação do nome do autor da obra originária. […]Diante disso, reconhecido que, em se tratando de paródia, inexiste obrigação de divulgação do nome do autor da obra originária e que pertencem apenas ao seu criador o direito moral de ter o nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização dessa obra, não há fundamento jurídico apto a sustentar a tese sufragada pelo Tribunal de origem, no sentido de que a ausência de menção da autoria da obra parodiada viola os direitos do criador desta”.
Sendo assim, a paródia, considerada nova criação intelectual, não gera direitos autorais aos autores das obras nas quais se baseou, tampouco dever de indenizar danos por não os mencionar.
Já com relação aos jingles, não existe exceção na Lei de Direitos Autorais ou previsão de que sejam produções autônomas das obras originais, como no caso das paródias. Dessa forma, deve-se concluir pelo dever de recolher os tributos ao ECAD, sob pena de possibilitar ações pleiteando danos morais e materiais pela sua veiculação. Nesse sentido, decisão do TJSP afirma:
“VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. Indenização por danos morais e materiais. Utilização indevida de obra musical, ‘Jingle’ em campanha eleitoral. Responsabilidade do réu pela contraprestação pecuniária, sob pena de enriquecimento sem causa. Réu que não se desincumbiu de demonstrar o fato impeditivo alegado; expressa autorização do autor da obra musical. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 0007918-97.2008.8.26.0156; relator (a): Teixeira Leite; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cruzeiro - 2ª. Vara Judicial; Data do Julgamento: 13/12/2012; Data de Registro: 17/12/2012)”.
Não obstante, salienta-se que, em ambos os casos, está a se analisar o dever de recolher taxas para o autor original das obras em que se basearam as paródias e/ou jingles utilizados nas propagandas eleitorais. Independente disso, persistem os direitos autorais dos seus criadores, a depender do teor do contrato realizado para a prestação desse serviço ao partido político ou candidato e candidata.
No entanto, fora as hipóteses de suspensão ou multa por propaganda irregular vinculados ao teor em si das paródias e/ou jingles, não há consequências eleitorais previstas em lei no que diz respeito à violação aos direitos autorais. Nesse sentido, a Justiça Eleitoral costuma se eximir da análise, mencionando sua incompetência na matéria[4].
Sendo assim, recomenda-se os devidos cuidados a candidatos, candidatas e partidos políticos nesse aspecto. Ainda que sem consequências sancionatórias eleitorais no que diz respeito aos direitos autorais de paródias e jingles, há que se atentar às obrigações referentes aos produtores desses conteúdos, sob risco de ações civis e danos materiais aos responsáveis.
[1] Nesse sentido Acórdão 621 e Rep. 281872 do TSE e Rep. 06004041520206160203 TRE/PR.
[2] Art. 54. Nos programas e inserções de rádio e televisão destinados à propaganda eleitoral gratuita de cada partido ou coligação só poderão aparecer, em gravações internas e externas, observado o disposto no § 2o, candidatos, caracteres com propostas, fotos, jingles, clipes com música ou vinhetas, inclusive de passagem, com indicação do número do candidato ou do partido, bem como seus apoiadores, inclusive os candidatos de que trata o § 1o do art. 53-A, que poderão dispor de até 25% (vinte e cinco por cento) do tempo de cada programa ou inserção, sendo vedadas montagens, trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais. (Redação dada pela Lei 13.165, de 2015)
[3] §9o Até as 22 horas do dia que antecede a eleição, serão permitidos distribuição de material gráfico, caminhada, carreata, passeata ou carro de som que transite pela cidade divulgando jingles ou mensagens de candidatos. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
9o-A. Considera-se carro de som, além do previsto no § 12, qualquer veículo, motorizado ou não, ou ainda tracionado por animais, que transite divulgando jingles ou mensagens de candidatos. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)
[4] Nesse sentido RE 40472 e 060028290 do TRE-MG.