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29/08/2022Por Delmiro Dantas Campos Neto e Maria Stephany dos Santos
Nas atípicas eleições de 2020, dentre os desafios enfrentados pela classe política, certamente o que mais chamou atenção foram as restrições em matéria de propaganda eleitoral, principalmente as que exigem atos de rua, tudo por força do necessário combate à famigerada pandemia do COVID19.
Os Tribunais Regionais Eleitorais, em sua maioria, editaram resoluções impondo restrições com o afã de diminuir e evitar a possibilidade de aglomerações em pleno período eleitoral. Medidas que mereceram todos os elogios e enaltecimentos.
Acontece que no legítimo afã de proteger vidas, testemunhamos o Ministério Público ingressando com centenas de Ações Civis Públicas buscando a responsabilização de candidatos(as) e suas condenações por supostos danos coletivos, alegando, para tanto, que atos de campanha (políticos partidários) deveriam ser considerados, quando ocasionassem aglomerações de pessoas, como possíveis descumprimentos às regras sanitárias vigentes.
Ora, ações dessa natureza exigem a demonstração de quais os danos causados, justificando de forma cristalina a lesão ao direito coletivo, com a consequente repercussão na esfera da saúde pública, demonstrando ainda que o dito evento de campanha política tenha sim, no mínimo, sido realizado em arrepio as regras sanitárias vigentes, sem contar na necessária demonstração de conduta dolosa do(a) candidato(a) e a sua consequente responsabilidade direta pelo eventual desrespeito as restrições sanitárias, tudo, sem contar na demonstração do prejuízo ao patrimônio público ou a repercussão direta e negativa na sociedade.
Ações dessa natureza exigem um arcabouço probatório robusto e não basta o Ministério Público indicar que uma caminhada se transformou em um comício ou que uma reunião terminou por arregimentar dezenas de pessoas para que sirva de manto para indicar a responsabilização de pretenso e desconhecido estudo pormenorizado e setorizado sobre o aumento do contágio do coronavírus, por exemplo.
As provas são elementos formadores de convicção do julgador as quais servem como parâmetro de todo o arcabouço fático/jurídico, pois sem elas não é possível dimensionar a defesa ou a acusação. Podemos fazer uma análise etimológica do termo, derivado do latim probatio, que significa prova, ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação, confirmação e que se deriva do verbo – Probare (probo, as, are) – significando provar, ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito de alguma coisa, persuadir alguém de alguma coisa, demonstrar.
Neste sentido, veja-se o conceito de prova, segundo MARINONI e MITIDIERO:
“Pode-se falar em prova como instrumento, como a atividade das pessoas do juízo e mesmo como o resultado da compreensão jurisdicional das alegações de fato no processo. Mais especificamente, pode-se compreendê-lo como o meio retórico, regulado pela legislação, destinado a convencer o Estado da validade de proposições controversas no processo dentro de parâmetros fixados pelo direito e de critérios racionais.”
O doutrinador DANIEL ASSUMPÇÃO aduz que existem modalidades de espécies de provas, entre elas destaca-se: “A prova direta é aquela destinada a comprovar justamente a alegação de fato que se procura demonstrar como verdadeira. Já a prova indireta é aquela destinada a demonstrar as alegações de fatos secundários ou circunstanciais.”
Nesse desiderato, o primordial objetivo das provas consiste segundo a doutrina mais moderna, em pontos e/ou as questões de fato levadas ao processo pelas partes ou mesmo de ofício. MARINONI acrescenta que alcançar a verdade é intangível tanto dentro do processo como fora dele. Ou seja, a crítica reside no fato de termos visto o ajuizamento de ações onde o Ministério Público pleiteiou a condenação ao pagamento de indenização, mas não especificou quais seriam os danos a serem indenizados, não os demonstra ou mesmo os mensura, em total contrariedade a própria lógica do sistema.
Nessa perspectiva, foram pedidos não guardaram coerência com os fatos narrados, uma vez que não se demonstraram qualquer nexo de causalidade entre os políticos e a relação aos danos capazes de, por si só, implicarem no atingimento de direitos individuais homogêneos ou coletivos – não alinhava as vítimas, em total contrariedade ao instituto jurídico do dano moral coletivo. E esse tem sido o entendimento majoritário e recorrentemente esposado pelo Tribunal da Cidadania:
“(…) O dano moral coletivo é categoria autônoma de dano que não se identifica com os tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), mas com a violação injusta e intolerável de valores fundamentais titularizados pela coletividade(grupos, classes ou categorias de pessoas). Tem a função de: a) proporcionar uma reparação indireta à lesão de um direito extrapatrimonial da coletividade; b) sancionar o ofensor; e c) inibir condutas ofensivas a esses direitos transindividuais. Se, por um lado, o dano moral coletivo não está relacionado a atributos da pessoa humana e se configura in re ipsa, dispensando a demonstração de prejuízos concretos ou de efetivo abalo moral, de outro, somente ficará caracterizado se ocorrer uma lesão a valores fundamentais da sociedade e se essa vulneração ocorrer de dforma injusta e intolerável. (…)” (STJ – REsp: 1502967 RS 2014/0303402-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 07/08/2018, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2018)
É de bom alvitre destacar que haveria de ser demonstrado os requisitos legais referentes à obrigação de indenizar, e nenhum ato de campanha, por mais que possa ter causada algum tipo de aglomeração de pessoas, pode, por si só, servir de demonstração de ofensa ao sentimento coletivo, ou seja, de valores compartilhados pela coletividade, caracterizando danos aos interesses extrapatrimoniais dos membros de um grupo ou coletividade. Inclusive, não se alinhavou quais vítimas foram atingidas. Embora o caráter preventivo-repressivo seja um dos objetivos do dano moral coletivo, não se pode concluir que qualquer ofensa ao direito da coletividade enseja a condenação do transgressor em danos morais coletivos. A transgressão há de ser significativa a ponto de ultrapassar os limites da tolerabilidade, trazendo verdadeira intranquilidade social e relevantes sofrimentos de ordem coletiva.
DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA ANÁLISE DO EXERCÍCIO DOS DIREITOS POLÍTICOS:
Antes de adentramos propriamente na temática, ora estudada, deve ser feito uma pequena síntese acerca do conceito de competência e sua nítida associação com a jurisdição, que tem por fim prevenir e compor os conflitos levados à apreciação do Poder Judiciário, nos dizeres de Liebmann:
“A jurisdição consiste na atividade do juiz de julgar, ou seja ‘valorar um fato passado como justo ou injusto, como lícito ou ilício, segundo critério de julgamento fornecido pelo direito vigente, enunciando a regra jurídica concreta destinada a valer como disciplina do cado (fattispecie)”.
A jurisdição é una, porquanto manifestação do poder estatal, mas por questão de conveniência, especializa-se em setores da função jurisdicional (competência), para fins, inclusive, de otimizar e aperfeiçoar o exercício da jurisdição. A competência é, portando, o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por lei (princípio da tipicidade), por meio do qual o juiz (Estado) exerce a sua jurisdição.
Admitir a procedência de Ações Civis Públicas contra atos típicos de campanha eleitoral, é admitir o tolhimento do livre e pleno exercício dos direitos políticos. Portanto, não há como tolerar que a justiça comum possa tratar tal matéria.
Ademais, frise-se que como a justiça especializada possui atribuições e competências conferidas pela CF/88, a Justiça Eleitoral tem preferência perante às demais, de maneira que prevalecerá nos casos em que houver conflito de competência com a Justiça Comum. Portanto, cumpre ressaltar que a Justiça Comum tem competência residual, a qual não se amoldaria as ações que versam sobre a referida matéria.
Segundo ensinamento de José Jairo Gomes, “Direito eleitoral é o ramo do Direito Público cujo objeto são os institutos, as normas e os procedimentos regularizados dos direitos políticos. Normatiza o exercício do sufrágio com vistas à concretização da soberania popular”.
Destarte, data máxima vênia, compete à Jurisdição Eleitoral processar e julgar todas as causas, fatos e condutas que advenham das diversas fases do processo eleitoral. No caso em tela, observa-se que, permitir que a justiça comum decrete ordens que impliquem em restringir atos típicos de campanha eleitoral, é antes de tudo, também permitir o tolhimento do exercício pleno da cidadania.
Outrossim, ressalte-se que o marco temporal não é o elemento que determina a competência da Justiça Eleitoral, deve-se analisar o caso e julgar se esse fato diz respeito às eleições ou não.
O cidadão após o devido preenchimento da elegibilidade estabelecido pela Constituição Federal e, ainda, as exigências da legislação eleitoral exercerá o seu ius honorum e passará a observar todas as diretrizes insculpidas na legislação ordinária, inexoravelmente, a Lei nº 9.504/97, que estabelece as normas gerais direcionadas aos pleitos eleitorais e a Lei nº 4.737/65, o Código Eleitoral, sem olvidar as diversas resoluções oriundas do Tribunal Superior Eleitoral.
O processo eleitoral obedece a uma cadeia lógica para o fiel exercício do direito político passivo e preenchidos todas as exigências eleitorais para exercício pleno dos seus direitos políticos. Assim, se houver algum malferimento às regras na realização de evento partidário cabe, tão somente, a Justiça Eleitoral dirimi-los, pois o referido ato não é mais interna corporis, mas, sim, possui reflexos diretos ao pleito que se avizinha, conforme se extrai precedentes do STJ, a saber: CC 105.387/RN, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/11/2009, DJe 23/11/2009; CC 36.655/CE, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/11/2004, DJ 17/12/2004, p. 391; CC 40.929/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/03/2004, DJ 07/06/2004, p. 157; CC n.º 123.904/SP, DJe 11/03/2013).
Ou seja, diante desses cenários, saltam aos olhos dois grandes equívocos: o primeiro, cinge-se a violação direta ao princípio do promotor natural, pois atuou promotor cível em análise de questões eleitorais o que implicou, inexoravelmente, no próximo ponto; o segundo equívoco, quanto ao ajuizamento da demanda na seara comum, pois as questões ali tratadas tolhem direitos que são de natureza eleitoral e, portanto, não devem ser apreciados pela Justiça Comum.
O debate proposto está longe de mitigar o quão merece defesa o direito à saúde e conforme bem assinalado pelo Supremo Tribunal Federal, sabemos que o “direito à saúde […] representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional”, denotando com clareza a vivência dos preceitos de um Estado Social onde o homem é retirado do isolamento individual para interagir com os seus semelhantes em sociedade.
Bem assim, somos defensores intransigentes do direito à vida, que por sua vez, configura o bem mais importante do ordenamento jurídico. Indisponível, constitui pressuposto elementar de todos os outros direitos e liberdades disposto na Constituição, abrangendo a integridade física e psíquica e afirmando-se como “o primeiro direito, o mais fundamental de todos, o prius de todos os demais” , posto que sem ele a teleologia da dignidade da pessoa humana toma contornos monumentalmente restritos. À inteligência de Mendes e Branco, o constituinte brasileiro, acertadamente, proclama o direito à vida, mencionando-o como primeiro dos cinco valores básicos que inspiram a lista dos direitos fundamentais enumerados no consagrado art. 5º, seguido da liberdade, igualdade, segurança e propriedade, centralidade ressaltada inclusive nos tratados internacionais.
Deste modo, na questão posta a debate, defendemos de forma intransigente a não criminalização de atos legítimos de campanha eleitoral, sob o enfoque de que possivelmente possam atentar contra as regras sanitárias vigentes, sem a demonstração efetiva do nexo de causalidade entre a conduta do(a) político(a) e a repercussão na sociedade.
E temos mais argumentos.
DA ALTERAÇÃO DAS REGRAS DO JOGO – DA OFENSA AO POSTULADO DEMOCRÁTICO:
A democracia se perfaz e mesmo se define pela existência de regras procedimentais e a subordinação do exercício de qualquer poder por normas formais e substanciais. Não por outra razão, há dispositivo expresso da Constituição afastando a norma eleitoral das eleições que venham a ocorrer até um ano de sua vigência:
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
Por outro lado, mesmo a alteração substancial da jurisprudência em pleno ano eleitoral não encontra abrigo no Supremo Tribunal Federal, onde restou fixado em sede de repercussão geral o seguinte entendimento, com fundamento no art. 16 da Constituição Federal:
II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal q ue exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. 637485 / RJ RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Julgamento: 01/08/2012, Órgão Julgador: Tribunal Pleno.
A segurança jurídica é norma vocacionada a combater arbitrariedades na construção do direito, garantindo aos cidadãos previsibilidade, estabilidade e cognoscibilidade. Ela tem duas dimensões: a estática e a dinâmica. Enquanto a estática diz respeito aos problemas do conhecimento e da qualidade do direito, a dimensão dinâmica refere-se a problemas de ação no tempo e da transição do direito. A cognoscibilidade é o aspecto estático da segurança jurídica, relacionando-se com a possibilidade de conhecimento prévio das fontes normativas.
A estabilidade, por sua vez, consiste na dimensão dinâmica da segurança jurídica com vistas ao passado. A estabilidade não impõe a imutabilidade do direito, mas impede mudança que atinja situações consolidadas e que seja desprovida de critérios previamente definidos. Grande parte da doutrina considera a proteção da confiança como princípio autônomo, de modo que haveria esse princípio e o princípio da segurança jurídica. Contudo, a proteção da confiança não é um princípio, mas apenas uma nova hipótese fática para a concretização do princípio da segurança jurídica.
Por fim, a tutela da segurança jurídica concretiza-se quando há o impedimento da frustração de expectativas legitimamente fundadas, evitando-se o desfazimento de atos já constituídos e o atingimento dos efeitos deles decorrentes. Além do que, a EC 107, em seu art. 1o, parágrafo 3o, inciso VI, dispõe “os atos de propaganda eleitoral não poderão ser limitados pela legislação municipal ou pela Justiça Eleitoral, salvo se a decisão estiver fundamentada em prévio parecer técnico emitido por autoridade sanitária estadual ou nacional”.
Assim sendo, em que pese podermos festejar o início de novo ciclo eleitoral sem as amarras e restrições sanitárias vividas em 2020, o fato é que remanescem centenas de Ações Civis Públicas, ao nosso ver, sem que tenha existido estiolamento a qualquer direito homogêneo individual ou coletivo em sentido estrito apto a configurar pagamento de dano moral coletivo. Frise-se que sem a demonstração de infração às regras sanitárias vigentes, e mais, sem prova evidente de lesões injustas a valores fundamentais da sociedade, atos públicos e presenciais de campanha política não merecem sofrerem qualquer tipo de censura, tolhimento ou, pior, serem criminalizados ou julgados fora dos contornos da legislação e justiça eleitoral.