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01/09/2021Proposta foi apresentada na Câmara dos Deputados e já está pronta para votada em plenário
Depois de se aprovar a volta das coligações nas eleições proporcionais, a criação de federações partidárias, o aumento do Fundo Eleitoral e ter rejeitado a implantação do voto impresso, a Câmara dos Deputados deve votar nesta semana mais alterações nas regras eleitorais: o novo Código Eleitoral Brasileiro, conforme indicou o presidente da Casa Legislativa, Arthur Lira (PP-AL).
Uma nova redação da proposta, com 905 artigos, foi lida no plenário, na última quarta-feira, pela relatora do projeto e membro da ABRADEP, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), e ainda pode ser discutida e modificada antes de ser votada.
O texto da relatora prevê, entre outros tópicos, mudanças nas regras para a prestação de contas de campanha, na divulgação de pesquisas eleitorais, medidas de incentivo a candidaturas femininas e de pessoas negras e, incluída de última hora, cláusula que prevê quarentena de cinco anos para militares e magistrados que queiram se candidatar. A proposta divide opiniões entre especialistas e entre a classe política.
O texto também prevê autonomia aos partidos para usarem a verba do fundão com “gasto de interesse partidário, conforme deliberação da executiva do partido”, sem especificação do propósito.
A advogada eleitoral e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral Valéria Landim, embora reconheça alguns pontos de avanço no texto, demonstra preocupação com algumas cláusulas da proposta, principalmente as que dizem respeito à prestação de contas dos partidos, como, por exemplo, fixação de um teto de R$ 30 mil e a possibilidade de o Congresso Nacional cassar resoluções do TSE.
“Quanto menos temos instrumentos de fiscalização e transparência da utilização desses valores, a corrupção se aproxima e se materializa a passos largos. E o que é pior, não haverá punição capaz de zelar pelo uso adequado do dinheiro público, porque estará previsto no Código Eleitoral, a discricionariedade para o uso livre destes valores”, destacou a advogada.
Em defesa da proposta, a relatora, deputada Margarete Coelho, negou que as novas regras diminuirão a fiscalização.
“O que fizemos foi incluir uma etapa prévia, com regras claras, em que os partidos poderão recorrer a auditorias externas para auxiliá-los na prestação de informações com mais qualidade, para que possamos tornar o processo mais célere, sem em nada comprometer a fiscalização e o controle do processo”, argumentou a deputada.
Já a também advogada especialista em direito eleitoral e também membro da Academia Viviane Macedo avalia que o texto poderia avançar mais em algumas questões, no entanto, de forma geral, ela pondera para a necessidade de se modernizar a legislação eleitoral.
“Essa proposta já vem sendo debatida há mais de dez anos e é importante que a gente avance. Em alguns pontos, como na questão da participação das mulheres, eu defendo que se avance mais da regra proposta pela reforma, mas não vejo retrocessos grandes previstos pelo projeto”, destacou. Sobre os dispositivos sobre a prestação de contas, ela avalia, que por um lado, as novas regras garantiriam a autonomia dos partidos.
“A avaliação de como será feito o uso dos recursos públicos deve ser política dos próprios partidos, isso é uma prerrogativa até da própria democracia. Agora, é claro que a partir do momento que a única forma de financiamento seja público é preciso que haja uma maior transparência do gasto”, pontuou.
Aprovação
A ideia é que o novo Código já possa valer para as eleições de 2022, no entanto, para isso, o texto precisa ser aprovado em dois turnos na Câmara, depois no Senado e receber a sanção do presidente da República até o começo de outubro, uma vez que qualquer alteração na legislação eleitoral só pode ser válida se feita a pelo menos um ano antes do pleito.
“A expectativa é de que a votação ocorra a tempo de valer para as eleições do ano que vem. É uma discussão que já vem amadurecendo na Casa há muito tempo e por isso acreditamos que ela possa ir a plenário nas próximas semanas, a tempo de o Senado se debruçar sobre a matéria ainda em setembro”, afirma a relatora do texto, deputada Margarete
Segundo o deputado mineiro Rogério Correia (PT), a bancada petista vai se reunir, nesta segunda-feira (30), para definir sobre a matéria. Mas, de acordo com o parlamentar mineiro, a tendência é de voto favorável, com algumas correções por meio de apresentação de emendas.
“Estamos fazendo um estudo mais pormenorizado até mesmo para a gente saber quais emendas devemos apresentar”, afirmou Correia.
O deputado Mário Heringer (PDT) afirmou que o partido dele também ainda não fechou questão sobre o voto.
“Vamos fazer essa discussão essa semana para olharmos ponto por ponto e tomar uma posição uniforme para escolhermos da melhor maneira sem privilegiar ninguém individualmente. Acho que vai andar bem, vai dar certo e se deus quiser teremos um código eleitoral de melhor qualidade”, destacou.
Já o deputado Cabo Junio Amaral, embora reconheça que a redação proposta apresenta pontos importantes e positivos, algumas questões, como o caso da quarentena para militares e magistrados, inviabilizam um possível voto favorável dele.
“O texto ainda está em discussão, mas claro que essas questões da prestação de contas e da quarentena se tiverem no relatório final eu voltarei contra ao projeto, mesmo que tenha outros pontos interessantes, mas as duas questões para mim são inadmissíveis”, afirma.
Na avaliação do cientista político e professor da UFMG, Carlos Ranulfo, a proposta, bem como outras votadas recentemente que diz respeito ao processo eleitoral, não deve vigorar no Senado.
“O Senado está mais centrado. Essa biruta da Câmara que há cada legislatura aprova uma coisa, sem direção e sem orientação no partidos, no Senado é diferente. Lá os partidos estão mais consistentes, então acredito que essas mudanças não passam”, argumentou.
Quarentena
A cláusula que exige de magistrados, militares e membros do Ministério Público quarentena de cinco anos desvinculados dos postos que ocupam caso queiram se candidatar a algum cargo eletivo foi incluída a pedido de partidos que compõem o centrão, mas encontra resistência da ala bolsonarista.
O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, que é do PP, uma das principais siglas que compõem o centrão e dão sustentabilidade ao governo, já defendeu publicamente a medida.
“A questão da quarentena para militares e forças de segurança pública é uma demanda antiga dos líderes partidários, de diferentes matizes ideológicos, que esperavam ver incluída uma regra que diminuísse a temperatura da politização das forças de Estado”, afirmou a relatora do Novo Código.
Se a proposta passar a valer em 2022, a medida inviabilizaria, por exemplo, eventuais pretensões políticas de policiais e militares que buscam surfar na onda do bolsonarismo, como o general Eduardo Pazuello, além do ex-ministro e ex-juiz federal Sergio Moro que sempre aparece na lista de possíveis presidenciáveis
Na oposição, a proposta também recebe boa aceitação. “Está tendo uma utilização de cargos que não podem ser usados para efeito eleitoral, por isso defendo ser justa a quarentena de cinco anos. Mas é um ponto polêmico, na nossa bancada por exemplo há deputados que entendem a medida como exagerada e até mesmo inconstitucional”, afirmou o deputado mineiro Rogério Correia (PT).
O deputado Mário Heringer (PDT), também da oposição, acha válida a proposta de quarenta, mas avalia que “há um certo exagero no período de cinco anos”.
“Talvez três anos fosse o tempo ideal para pular entre uma eleição e a outra. Mas acho que é importante sim, tem que ter sim um tempo de quarentena, porque impede que pessoas utilizem de alguma situação para de uma hora pra outra virarem a bola da vez”, disse.
O deputado tucano Paulo Abi-Ackel também acredita que o tempo estipulado precisa ser revisto. “Acho importante e necessário que se tenha uma quarentena, para que ninguém se usufrua de algum cargo público para obter vantagens eleitorais. No entanto, o tempo de cinco anos, olhando pelo outro lado da moeda, torna a proposta injusta para juizes e militares, uma vez que um tempo longo desse poderia inviabilizar essas possíveis candidaturas. Acredito que 1 ano, ou 1 a e meio seria já suficiente”, afirmou Abi-Ackel.
Resistência. A proposta, no entanto, recebe resistência, principalmente, entre deputados bolsonaristas. Inclusive, o próprio presidente Bolsonaro sinalizou que deve vetar o projeto caso ele seja aprovado pelo Congresso.
Segundo o deputado mineiro Cabo Junio Amaral, a proposta parte do “desespero da classe política que percebeu crescente credibilidade das forças de segurança com a sociedade”
“Querem impedir candidaturas militares, porque dificilmente um militar vai abrir mão da sua carreira para esperar cinco anos para depois se candidatar. Na prática, torna impossível que militares se candidatem. E de quebra atinge também promotores e juízes, que muitas vezes gozam também de credibilidade perante a sociedade”, avaliou o deputado.
A advogada eleitoral Valéria Landim classifica como exagerado o tempo estipulado de cinco anos para quarentena. Segundo ela, a legislação atual, que exige uma desincompatibilização de três meses para servidores públicos que pretendem se candidatar, “sempre atendeu muito bem todos os setores”. A especialista ainda pontua a intensificação das descriminação por gênero e raça que a medida possa gerar.
“Imagine que já temos dificuldade para lançarmos mulheres com viabilidade política e alta competitividade. Por serem magistradas, militares, policiais ou promotoras, estas mulheres estarão “sob congelamento” por mais de um mandato. Isso quando nós, mulheres e negros, temos urgência de chegar ao maior número possível de representantes na política em um curto espaço de tempo”, destaca.
Equidade de gênero
A relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), voltou atrás em um ponto sensível do texto. Diferentemente da penúltima redação, ela adotou medidas de incentivo à participação das mulheres na política e de candidaturas negras.
Se aprovado, o novo código define que no mínimo 30% dos recursos dos fundos públicos sejam reservados para viabilizar candidaturas femininas. Além disso, haverá garantia de ocupação de 15% das cadeiras em disputa nas eleições proporcionais, com aumento gradativo até o percentual alcançar um terço das cadeiras. O texto também prevê distribuição proporcional de recursos às campanhas de candidatas e candidatos negros.
A deputada afirma que o ponto não havia sido incluído no texto anteriormente, porque a questão já tramitava na comissão da reforma política.
“Mas resolvemos antecipar o debate na legislação infraconstitucional incluindo as reivindicações da bancada feminina no novo texto. Nosso objetivo foi avançar na matéria, sem retroceder naquilo que já estava posto na jurisprudência dos tribunais superiores”, afirmou a parlamentar.
No entanto, para a advogada especialista em direito eleitoral e membro do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral Valéria Landim e também do Observatório Nacional de Candidaturas Feminas, o relatório apenas reconhece direitos já conquistados por meio de decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas não traz mudanças significativas.
“A distribuição destes recursos continuam sem uma regulamentação objetiva de como esses valores devem chegar para as candidaturas das mulheres. Um exemplo simples, é o prazo em branco para que estas mulheres recebam estes recursos e apliquem em suas campanhas”, ponderou.
A também advogada em direito eleitoral Viviane Macedo afirma que esperava maiores avanços nessas medidas afirmativas, como por exemplo, a definição de paridade de cadeiras entre homens e mulheres. No entanto, ela avalia positivamente a inclusão das medidas no Novo Código, mesmo que as regras já valem por meio de entendimentos judiciais.
“Se essa regra não fosse incluída no Novo Código seria como se o Congresso não reconhecesse a decisão do STF. Isso poderia dar margem para algum partido questionar, porque teve outra legislação, aí poderia demandar uma nova decisão judicial”, destacou.