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A eleição deste ano será a primeira com uma lei sobre violência política de gênero em vigor. Aprovada no ano passado, a lei 14.192 estabelece que é crime assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar uma candidata, com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou ainda à sua cor, raça ou etnia. A lei também vale para mulheres que já ocupam cargos eletivos
A punição é de até quatro anos de prisão e multa. Se a violência ocorrer pela internet e em redes sociais, a pena pode chegar a seis anos. “A violência política está sendo considerada qualquer ação, conduta ou omissão que impede ou tenha qualquer tipo de restrição para exercício de direitos políticos femininos”, diz a advogada eleitoral Samara Castro, membro da ABRADEP.
A aprovação do crime de violência política de gênero foi muito próxima à de outro crime do tipo, o de violência política, citado na lei que revogou a antiga Lei de Segurança Nacional em setembro do ano passado.
O movimento para endurecer as regras contra agressores foi capitaneado pela bancada feminina no Congresso, que viu escalar os episódios de ataques na política nos últimos anos e pressionou pela aprovação de ambos.
Várias entidades passaram a monitorar de forma mais estruturada ataques a mulheres depois do assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL, em 2018, crime que ainda está sob investigação.
Na eleição de 2020, candidatas a prefeitas e vereadoras recebiam, em média, 40 xingamentos no Twitter todos os dias, segundo pesquisa do InternetLab e da revista AzMina. As ofensas faziam alusões aos seus corpos, saúde mental, intelectualidade e moral.
No primeiro turno, a candidata mais ofendida foi Joice Hasselmann (à época no PSL, hoje no PSDB), que concorria à Prefeitura de São Paulo. Mais da metade dos xingamentos dirigidos a ela era de teor gordofóbico.
Erika Hilton (PSOL-SP), primeira mulher trans do Legislativo paulistano, foi a mais atacada do estado, com a palavra nojenta associada a ela 432 vezes, além ameaças físicas.
Raquel Branquinho, procuradora regional da República, coordena um grupo de trabalho sobre o assunto no Ministério Público Eleitoral e atua com casos desde o início do ano.
“As dificuldades passam primeiramente por preconceito, não apenas da sociedade, mas dos próprios operadores de direito com esse tipo de legislação, como aconteceu com a Lei Maria da Penha há muitos anos”, diz ela.
Especialistas que monitoraram os comentários na internet na última eleição destacam que o tratamento dado a homens é diferente, mais direcionado a aspectos de competência e gestão. Já homens gays ou mais velhos também são vítimas de preconceito.
Em casos que envolvem violência psicológica, pode haver dificuldade para a própria vítima entender que é alvo de agressão.
“Como dizer que a mulher é escandalosa, descontrolada, esquizofrênica, doida. Isso se diz para as mulheres em um ambiente em que você questiona a condição de ela ser mulher, e não de disputa política, em que se faz um confronto objetivo”, diz a advogada eleitoral Marilda Silveira, membro da ABRADEP.
Além do crime de violência política contra a mulher, que consta no Código Eleitoral, há o crime de violência política, que consta nos crimes contra o Estado democrático de Direito. A pena é de três a seis anos de prisão e multa e ele tem aplicação mais ampla. Esse crime consiste em em restringir, impedir ou dificultar “o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com emprego de violência física, sexual ou psicológica.
A criação de dois crimes, um direcionado apenas a mulheres e outro genérico, pode gerar conflito na disputa por competência processual nesta eleição, de acordo com Fernando Neisser, advogado especialista em direito eleitoral e membro da ABRADEP.
“Se uma mulher sofrer ataques que dificultem sua campanha será possível, eventualmente, inferir dois crimes ao agressor. Não temos como antever como a jurisprudência vai lidar com isso. Um crime será julgado pela Justiça Eleitoral e o outro pela Justiça comum”, diz.