Seguindo a trilha de Trump, Bolsonaro coloca em eleições em xeque com suspeitas de fraude
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20/07/2021Por Marcelo Peregrino Ferreira
Vive-se em constante reforma eleitoral no Brasil. Nada obstante a sua proliferação nos anos anteriores a cada eleição, os graves problemas do sistema eleitoral nacional não são solucionados como a distribuição de cadeiras para os estados na Câmara dos Deputados e sua relação com a população [1].
De todo modo, em cada reforma nesse sebastianismo eleitoral deposita-se todas as esperanças por um novo mundo, puro, funcional e que há de orgulhar a todos e explicar a avacalhação da vida política nacional. Essa fórmula a ser descoberta vai apagar os pecados, retornar o país à sua prometida glória pela via da reforma eleitoral. Por isso, reincidente e infantil, toda legislatura volta-se para a busca da pedra filosofal predizendo causas e consequências da adoção desse e daquele instituto.
Há muito que ser feito pela ciência política, muitos caminhos a serem revelados, todavia, pode-se afirmar que sobre alguns assuntos, a doutrina atingiu alguns consensos sobre as consequências da adoção de um ou outro instituto para o funcionamento do regime democrático. No entanto, nesses temas já pacificados pela doutrina, essa unanimidade não tem o condão de impedir o Parlamento de desandar e achincalhar a lógica e o conhecimento técnico amealhado.
Um tema conhecido é o efeito dos sistemas eleitorais sobre o número de partidos, a partir de Maurice Duverger [2], em especial sobre o escrutínio majoritário tender ao dualismo de partidos.
O sistema proporcional com lista aberta está no Brasil desde 1945 e almeja a maior correspondência possível entre os mandatários eleitos e os votos recebidos. Há um esforço para que cada voto seja aproveitado e que o Parlamento reflita a fragmentação da sociedade e a ampliação da deliberação política.
O distritão começa mentindo no nome. Não tem nenhuma relação com o sistema majoritário com adoção de distritos, presente no Reino Unido desde 1264 [3]. Lá o território é dividido em distritos e os mais votados de cada são eleitos. Aqui se trata apenas da eleição daqueles mais votados com a adoção do sistema majoritário simples, considerando-se cada estado um distrito.
O objetivo da adoção do princípio majoritário no Parlamento, via de regra, é a redução dos partidos e a quimera de uma governabilidade em um ambiente não contaminado pela pluralidade democrática das agremiações partidárias [4]. Afasta-se da representatividade, em favor de maiorias estáveis no Parlamento, de modo a gerar uma melhor governabilidade.
Porém, no deserto partidário brasileiro em que a institucionalização das associações partidárias segue precária, o menor número pode não facilitar a governabilidade, porque já se tem candidaturas e mandatos avulsos no país. Maurice Duverger já enfatizara a confusão entre multipartidarismo e ausência de partidos em que “grupos numerosos, porém, instáveis, efêmeros, fluídos, não correspondem à noção verdadeira de multipartidarismo” [5]. Em um sistema proporcional de lista aberta como o nacional, a competição entre os correligionários mina a unidade partidária. Invencionices como o mandato coletivo e a fidelidade parlamentar a um movimento, em detrimento do partido político, como no desfecho do “caso Tabata do Amaral”, tornam o tema ainda mais complexo e demonstram a fase de pré-história partidária nacional [6]. Na mesma linha, a disciplina partidária não une a ação política das greis, nem tampouco há conteúdos e compromissos ideológicos claros. É dizer sobre uma ousada hipótese: o reforço à fidelidade, unidade e disciplina partidária pode ser um fator de maior melhoria da governabilidade do que o esforço pela diminuição de partidos.
De forma tópica tem-se as seguintes consequências conhecidas do sistema do distritão: 1) o sistema majoritário simples é o que menos aproveita em cadeiras do Parlamento os votos dos eleitores; 2) haverá uma parcela maior de pessoas que não serão, de forma alguma, representadas; 3) aumenta-se a crise da representatividade; 4) as parcelas minoritárias não terão qualquer representação (preocupação desde pelo menos a Lei dos Círculos de 1846); 5) a tendência é a diminuição radical do número de partidos, sem que isso possa significar melhoria da governabilidade, em face da pouca institucionalidade dos partidos; 6) o candidato ganha relevo e diminui-se a importância do partido — mal histórico do sistema partidário nacional trazendo mais instabilidade ao sistema político; e 7) a perda do voto da legenda pode significar aumento dos custos da campanha para cada parlamentar, obrigado a correr sem o benefício dos votos amealhados pelo partido [7].
Há um dado muito ilustrativo trazido por Jairo Nicolau e que se revela nas graves distorções para os partidos, pois a dispersão de votos nos estados afeta a eleição para a Câmara. Lembra o autor o caso do Partido Liberal do Reino Unido e o descompasso entre o percentual de cadeiras que recebe e o percentual de votos obtidos. O Partido Liberal do Reino Unido, pós-1945, obteve uma média de 12,4% dos votos, mas uma média de 1,9% das cadeiras. Em 1983, recebeu 25% dos votos e elegeu apenas 3,5% dos representantes. Em síntese, assinala Jairo Nicolau sobre o sistema de maioria simples que em um estudo de 510 eleições de 20 democracias tradicionais no sistema de maioria simples um partido sozinho obteve maioria absoluta em 72% das eleições [8].
A rigor, pode-se argumentar ainda que há um benefício para aqueles políticos já em evidência, em detrimento da chance de renovação. Finalmente, os mais votados tendem a vir de grandes centros, o que afeta outras regiões.
É antiga a lição de Paulo Leminski sobre a complexidade da vida e nossa tentativa de reduzi-la:
“No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
(…)
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas”.
NOTAS
[3] Sobre o verbete “sistemas eleitorais majoritários” vale a definição de Jaime Barreiros Neto. Dicionário das Eleições / Cláudio André de Souza- Curitiba: Juruá, 2020, p. 667.
[7] Hipótese ventilada pelo Dr. Wederson Siqueira de imensa plausibilidade em debate na ABRADEP.