As tais “candidaturas laranjas”: a fraude no preenchimento da cota de gênero
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17/08/2017A sempiterna crise pública brasileira engendra, novamente, propostas em torno de uma reforma política. A alternativa de turno tem como centro o abandono do sistema de representação proporcional de listas abertas em favor da adoção da fórmula de listas fechadas, especificamente em sua variante rígida (listas fechadas bloqueadas). Em termos concisos, persegue-se uma mudança na forma de apresentação das candidaturas com impactos diretos no modelo de decisão eleitoral e na forma de definição dos agentes eleitos: o sistema ofertado tem por características a eliminação da possibilidade de emissão de votos personalizados – uma vez que se seleciona entre blocos de candidatos apresentados em conjunto – e a distribuição de cargos de acordo com a hierarquia previamente estipulada pelos partidos.
No terreno acadêmico, aceita-se sem controvérsia a afirmação de que não existem modelos perfeitos. Os sistemas eleitorais trazem consigo vantagens e desvantagens, havendo de ser valorados pelo sopesamento dos custos políticos e pela capacidade de logro dos propósitos almejados. Nesse exercício, a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP reafirma posição simpática ao ajustamento da fórmula de representação proporcional vigente, resistindo à proposta de adoção das listas fechadas bloqueadas pelos argumentos expostos a seguir:
1. Os sistemas eleitorais não podem ser avaliados em abstrato. Seus efeitos concretos, tendências e potencialidades variam, necessariamente, em função das condições sociopolíticas do ambiente em que são implementados. Assim, o propagado êxito do modelo de listas fechadas em outras experiências não assegura per se o seu sucesso no cenário brasileiro.
2. No Brasil, a defesa das listas fechadas tem se concentrado, primordialmente, na apresentação de aspectos positivos supostamente inerentes àquela fórmula, cabendo destacar: a) a aptidão para o fortalecimento do sistema partidário; b) a diminuição dos custos financeiros das campanhas eleitorais; c) a tendência para o enfraquecimento do personalismo político, em prol da reanimação do debate de ideias; d) a vocação para a neutralização de distorções de representatividade verificadas nos sistemas majoritários; e) a natureza reducionista do número de candidaturas; f) a eliminação da competição eleitoral intrapartidária; g) o favorecimento à representação das minorias; h) o incentivo à coesão programática dos partidos; i) a possibilidade de uma efetiva implementação da democracia paritária, com o aumento da representatividade feminina.
3. Algumas das vantagens apontadas retratam, em verdade, ganhos próprios do sistema proporcional em quaisquer de suas vertentes. Nesse sentido, o favorecimento à representação das minorias e a eliminação de distorções provocadas pela fórmula majoritária constituem trunfos igualmente ofertados pelo modelo de listas abertas, de sorte que não servem como argumento para o câmbio de sistema.
4. Por outro lado, certos aspectos positivos são passíveis de alcance por diferentes arranjos, de sorte que sua conquista independe de uma mudança radical de sistema. Nessa direção: a) o sistema partidário pode ser aprimorado mediante normas que proíbam as coligações, que promovam a democracia interna, que estimulem a igualdade de oportunidades entre as legendas e que refreiem, por meios democráticos e constitucionalmente conformes, a crescente expansão do número de grêmios; b) o aumento no custo das campanhas é problema amenizável pela fixação de tetos de despesas globais e específicos, podendo ainda ser enfrentado por outras vias, como ajustes no período, na intensidade e nas modalidades de propaganda admitidas; c) a diminuição do número de candidaturas é também um empecilho eliminável pelo ajustamento dos limites permitidos; d) o logro da representatividade feminina reconhece, no plano internacional, vias alternativas, entre os quais o asseguramento prévio de assentos.
5. Determinadas finalidades perseguidas têm, ainda, proficuidade questionável. Se a competição intrapartidária pode levar ao encarecimento das campanhas, por outro lado estimula a eficiência no desempenho dos encargos relativos à representação. Controlada a sua face negativa – p. ex., com a limitação legal de gastos –, a competição interna sobrevive como elemento de estímulo ao empenho e à responsividade. Na mesma linha, o fortalecimento da coesão programática também incorpora um aspecto dúbio: conquanto refreie o fisiologismo, inibe o índice de diversidade interna, embaraçando avanços embalados pelo pluralismo de ideias. Também assim, é certo que as divergências internas contribuem para a revelação de abusos e desvios, bem ainda para o reforço do mandato livre, necessário para a ampliação dos canais de representação.
6. Finalmente, o estímulo ao debate de ideias, embora possível, é bastante incerto. A fluidez observada nas plataformas e programas partidários, a rigor, decorre menos do modelo de candidaturas personalistas do que da volatilidade do próprio eleitorado. A baixa identificação ideológica e a histórica flutuação de preferências induz a que legendas e mandatários adotem discursos e posturas maleáveis, de sorte a não se afastar do eleitorado médio. Sendo o centro o espaço cobiçado, não há razões para acreditar que, no Brasil, a adoção das listas fechadas pode transformar o mercado político de sorte a superar o padrão arraigado de partidos catch-all.
7. Em paralelo, a defesa das listas fechadas tem se ocupado de evidenciar falhas no vigente arquétipo de listas abertas. Essas faltas, bastante conhecidas, são certamente passíveis de correção, notadamente mediante ajustes propostos pela ABRADEP em outras ocasiões. Com alguns arranjos, uma reforma se faria possível, sem os indesejáveis riscos concernentes à aplicação de uma fórmula localmente desconhecida e sem o pesado custo político do abandono de um modelo aceite e aculturado. Não há como negar que a opção por um novo sistema enseja abertura para problemas de dimensões até então desconhecidas.
8. Bastante difundidos, contudo, são os aspectos negativos inerentes ao modelo de listas fechadas. Entre tantos, cumpre relacionar: a) a limitação imposta ao espectro de escolha do eleitor, em função da eliminação da possibilidade de emissão de voto pessoal; b) o intenso reforço de poder conferido aos altos dirigentes partidários, recrudescendo a prática espúria do denominado caciquismo, contrário à noção de democracia intestina; c) o prejuízo à oxigenação nas cúpulas dos partidos, em função do embaraço ao surgimento de novas lideranças; c) o sufocamento do questionamento interno, em agravo ao desenvolvimento de práticas corretivas e ao progresso oriundo do choque ideológico de opiniões; d) a restrição à liberdade para o exercício do mandato, virtual condutora da sobreposição de interesses partidários aos anseios legítimos da base popular; e) o potencial escamoteamento da representação territorial, uma vez que a decisão partidária pode deixar de garantir a presença de candidatos de um ou mais núcleos geográficos da circunscrição eleitoral; f) o potencial agravamento da tendência de apresentação de candidatos puxadores de voto, possivelmente utilizados como estratégia para o arrastamento de políticos rejeitados ou menos populares, que os seguiriam na ordem da lista.
Por todo o exposto, a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP considera arriscada e desvantajosa a adoção nacional do modelo de representação proporcional de listas fechadas, considerando mais apropriada uma movimentação tendente à melhora qualitativa do arquétipo vigente.
Frederico Franco Alvim
Raymundo Compos Neto
Abril de 2017