
O direito eleitoral precisa deixar de ser careta
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02/09/2022Pela primeira vez em seus 37 anos de história, o Rock in Rio vai acontecer em período eleitoral. O festival, que ocupa o Parque Olímpico, no Rio Janeiro, a partir desta sexta-feira, começa um mês antes das eleições.
A exemplo do que aconteceu no Lollapalooza, realizado em São Paulo, em março, é possível que esta edição do Rock in Rio seja palco de manifestações de cunho político —seja do público ou dos artistas. Para acirrar ainda mais os ânimos, o presidente e candidato Jair Bolsonaro, do Partido Liberal, estará na cidade entre os dois finais de semana do festival para as celebrações do Sete de Setembro.
Durante a semana que antecede o evento, a organização do Rock in Rio divulgou um comunicado afirmando que o momento conta com “leis específicas vigentes nesse período”. “Em função disso, a organização decidiu que não será autorizada a presença de nenhum candidato a estas eleições em seus palcos”, diz o texto, que também recomenda que “todas as empresas, instituições e artistas envolvidos com o evento tenham conhecimento da lei eleitoral”.
A reportagem ouviu três especialistas para esclarecer o que os artistas podem ou não fazer em relação às manifestações de cunho político durante os sete dias de shows.
Um artista pode apoiar um candidato ou partido?
Sim. A legislação não impede que um artista ou o público manifeste o que pensa —seja apoio ou repúdio— em relação a um determinado candidato ou partido durante um festival de música. O que não é permitido é fazer propaganda eleitoral em ambientes de acesso do público, mesmo que sejam espaços privados.
“É o que se chama de bem de uso comum do povo, como teatros, cinemas, shoppings, lojas, feiras, enfim. Nesses locais não se faz campanha”, afirma Hélio Silveira, membro da ABRADEP e ex-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados de São Paulo. “Evidentemente, o artista ou qualquer pessoa têm liberdade de expressar a sua opinião.”
O que caracteriza propaganda eleitoral?
Os especialistas se dividem quanto ao que caracteriza fazer propaganda eleitoral. Segundo Anna Paula Mendes, que é professora de direito eleitoral da UERJ e membro da ABRADEP, para um artista fazer propaganda eleitoral, ele teria de “atuar como se fosse um cabo eleitoral”.
Segundo ela, manifestações como a de Pabllo Vittar, que no Lollapalooza segurou uma toalha com o rosto do ex-presidente Lula, do Partido dos Trabalhadores, e fez um sinal de “L” com as mãos, não seriam enquadradas como propaganda eleitoral. “Se o artista quiser fazer os tradicionais ‘fora, fulano’, pegar uma bandeira, fazer sinal com a mão, isso é liberdade de expressão.”
Ela só lembra que fazer alusões aos números dos candidatos pode levar o caso para uma zona cinzenta. “Acho um elemento muito sensível nesse momento, em que a campanha está oficializada e os candidatos são conhecidos apenas por dois números”, diz.
Um artista pode pedir voto no palco?
Os especialistas não chegam a um consenso em relação a recomendar votar em algum candidato. Para Hélio Silveira e Anna Paula Mendes, os artistas não devem fazer pedidos explícitos de voto.
“Nesses locais de acesso público não se pede voto. Qualquer pessoa tem liberdade de expressar sua opinião, mas [o artista] tem que tomar cuidado para não ser uma opinião abusiva, que possa influenciar as eleições”, diz o advogado.
“Para mim, o que caracteriza a propaganda eleitoral é o pedido de voto. Dizer, expressamente, ‘vamos votar em tal’. Agora, manifestações de opinião política estão totalmente no campo da liberdade de expressão —e são permitidas”, diz Mendes.
O que faria do Rock in Rio um showmício?
Os showmícios são atualmente proibidos pela lei, e as apresentações do Rock in Rio podem ter problemas se forem enquadradas nessa categoria. Recentemente, o Partido Democrático Trabalhista, o PDT, entrou com uma representação no TSE contra a participação de Bolsonaro na Festa do Peão de Boiadeiro, que aconteceu em Barretos, no interior de São Paulo, acusando o presidente de fazer showmício.
Para os especialistas ouvidos pela reportagem, o que ocorreu com Bolsonaro em Barretos é um exemplo de “desvirtuamento” do evento. Na ocasião, o presidente esteve presente no rodeio, que conta com diversos shows de música sertaneja, acompanhado de uma comitiva que incluía o candidato ao governo paulista Tarcísio de Freitas, do Republicanos.
Para Anna Paula Mendes, um showmício é “uma reunião política animada por artista”. “É a mesma coisa do comício, com a diferença de que o candidato usa um artista para atrair o público. O público não está ali porque quer ver o político, ele está ali porque quer ver o artista. O Rock in Rio teria problema se você tivesse um candidato subindo no palco, fizesse discurso político para o candidato, porque aí se configuraria uma reunião eleitoral animada pelo artista.”
“O Rock in Rio não pode ser tornar um showmício como aconteceu em Barretos”, diz Hélio Silveira. “Tocou o jingle, ele subiu ao palco, o locutor fez pedido de votos a ele. Isso é abusivo. E houve o apoio dos organizadores para determinada candidatura. Isso poderia ser grave, se a organização do Rock in Rio incentivasse esse tipo de coisa. Minha recomendação aos artistas que estiverem no palco do festival é que tenham cautela. Se algo acontecer, vamos ter que verificar a dimensão dessas manifestações.”