‘Brigadas’ da CUT esbarram em propaganda ilegal pró-Lula
17/06/2022Interrogatório a partir da nova Lei de Improbidade Administrativa
17/06/2022Por Isabel Mota
O Direito Eleitoral brasileiro tem primado pela tutela com que trata o eleitor e eleitora, verificando-se de modo indisfarçável como a legislação eleitoral se esmera em elevar o nível de cerceamento de informação para que esse ente, tão necessitado de proteção e cuidado, possa fazer uma escolha minimamente consciente.
Não obstante estejamos diante da análise para fins de aprovação de uma nova legislação em matéria eleitoral, através da proposição de novo Código Eleitoral já aprovado na Câmara e ora em trâmite no Senado, na história contemporânea das discussões cada vez que se pensa uma reforma política e/ou eleitoral, finda-se por deixar de lado discussões quanto à mudança efetiva de um sistema tão criticado e centra-se fogo contra o direito de informação que o eleitor e a eleitora tem com relação aos partidos, candidatos e candidatas com a mitigação e controle das formas de propaganda política e eleitoral.
Veja-se que o objetivo da propaganda política, da qual são espécies a propaganda eleitoral e a partidária é, como naturalmente se vê em todas as modalidades de propagação, convencer e influenciar pessoas na tomada de decisões e escolhas. O termo advém do latim propagare, que significa propagar, tornar público, difundir. Quando isso ocorre com alguma ideologia política, podemos dizer que a propaganda é política. [1]
Assim, a propaganda política através de suas espécies supra destacadas pode ao chegar ao conhecimento dos cidadãos e cidadãs auxiliar no processo de escolha de suas posições e na definição de seu voto conquanto se destine a dar conhecimento sobre a realidade e posturas das agremiações (propaganda partidária), identidade e propostas dos candidatos e candidatas (propaganda eleitoral).
No entanto, temos assistido um movimento contínuo de redução nos formatos de propaganda política a afetar decisivamente as informações que chegam ao eleitorado e que deveriam servir de embasamento para suas escolhas na órbita eleitoral.
Veja-se que em 2006, ano eleitoral, com a edição da Lei 11.300, formalizaram-se as investidas para tentar barrar o uso ilícito de recursos financeiros em campanhas eleitorais, que acabaram por operar grandes mudanças no modo de fazer campanha, passando-se a proibir as mais diversas formas de exercício da propaganda sob o argumento de redução de gastos.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por seu turno, foi assim instado a analisar a aplicabilidade das alterações advindas da Lei 11.300 já para as eleições de 2006, validando-as na maioria. Cabe registrar quanto aos artigos que preveem a proibição de showmícios e distribuição de brindes a posição do então relator da matéria, o ministro José Gerardo Grossi, que, vencido, destacou: “Assim estamos tornando as eleições excessivamente cinzentas. Não é nesta via que aparecem as irregularidades”.
Do ponto de vista lógico, e sem que se desça às raízes da problemática envolvida, não pairam dúvidas quanto ao acerto de se buscar redução de gastos nas campanhas.
Não obstante o argumento seja esse, não necessariamente se viu efetivamente uma diminuição real nos custos de campanhas, contudo, se verificou de modo inequívoco que cada vez mais eleitores e eleitoras estão sendo privados de conhecer de forma profunda quem eram os que disputavam a preferência do eleitorado para fins de efetivação da representação política.
Em 2015, uma nova reforma e um duro golpe no direito de informação do eleitor acerca dos candidatos foi a redução do tempo de campanha eleitoral. Ora, se por um lado parece razoável e menos dispendioso que uma campanha eleitoral num país de dimensões continentais se veja reduzida de 90 para 45 dias, em contrapartida fica cada vez mais difícil promover o melhoramento da democracia quando se tem tão pouco tempo para conhecer e avaliar as opções disponíveis no pleito.
No modelo brasileiro, o eleitorado já escolhe a partir de um contexto previamente selecionado dentre os filiados e filiadas que passam pelo crivo das agremiações partidárias e recebem destas o aval para se disponibilizar ao eleitorado, cabendo ao eleitor e eleitora identificar nessa prévia seleção aqueles e aquelas que melhor poderiam representá-lo e representá-la, tarefa nada fácil com o atual cenário de descrença na política a impactar inclusive o comparecimento às urnas – mesmo com a obrigatoriedade do voto no Brasil.
Dessa forma, o processo político se viu afetado decisivamente com o propósito de baratear campanhas. Findou-se por gerar um profundo desconhecimento do eleitor e da eleitora quanto à identidade e propostas de candidatos e candidatas, acarretando ainda mais o distanciamento desse eleitor e ainda maior desequilíbrio entre aqueles que disputam eleições tendo um mandato eletivo e aqueles que ainda não têm.
Se a competição já é por si desigual entre quem já é detentor de cargo público eletivo, lembre-se que um(a) mandatário(a) durante o exercício é todo tempo confrontado com a necessidade de exibir seus feitos e prestar contas quanto à execução de seu múnus e o faz além do conforto de seu gabinete com o uso de verbas públicas e, destaque-se, não existe aqui qualquer irregularidade ou ilicitude.
Ocorre que do outro lado, tem-se uma gama de pessoas que após serem aceitas em partidos políticos e toparem a luta pela disputa eleitoral pretendem e efetivam sua pretensão politica necessitando de pelo menos tempo, além de recursos financeiros, para se fazer conhecer pelo eleitorado de modo que ele saiba quem são os/as candidatos/as, que cargo pleiteiam e as propostas que norteiam a disponibilização de seus nomes.
Absorto diante desse processo, o eleitor e a eleitora têm cada vez menos oportunidade de conhecer quem são suas opções de voto, restando-lhe a incômoda e triste posição de mero partícipe do processo democrático o qual deveria protagonizar.
A diminuição de vários tipos de propaganda, e mesmo a proibição de formatos que se mostravam acessíveis – como a pintura do muro e a inexplicável limitação de meios como as restrições impostas ao uso de bandeiras e adesivos com definições de tamanho que levam a Justiça Eleitoral a se especializar em medir artefatos propagandísticos – só nos coloca longe dos verdadeiros problemas que podem e devem concorrer para a melhoria da representatividade política no país.
Veja-se a consulta formulada pelo deputado federal Victor Mendes (MDB-MA), a CTA 51944, sobre o tema propaganda em bens particulares através de pinturas de muros e assemelhados. O TSE, contando com a relatoria do ministro Herman Benjamin, registrou que com o advento da Lei 13.165/2015, restou alterado o parágrafo 2º do artigo 37 da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) ensejando que a partir de 2016 a propaganda em bens particulares deveria ter a dimensão máxima de meio metro quadrado e ser realizada com uso exclusivo de adesivo ou papel, sendo, portanto, vedada a pintura de muros e assemelhados.
Esse tema acaba por ser recorrente no dia a dia das Cortes Eleitorais do país porquanto na ânsia de fazer chegar ao eleitorado a sua existência, candidatos e candidatas findam por facilmente incorrer na inobservância desses dispositivos.
Vale salientar também que foi essa mesma reforma que gerou a redução do tempo de campanha, passando de 90 para 45 dias, com a diminuição de dez dias no período destinado ao horário eleitoral gratuito no rádio e na TV. Nessa esteira de redução, o tempo da propaganda na modalidade bloco no rádio e na TV também foi reduzido à metade e destinado somente a candidatos majoritários, ficando reservado aos candidatos e candidatas à cargos proporcionais 40% do tempo de inserções ao longo da programação.
Nessa perspectiva, a despeito da tentativa de gerar redução de gastos com a campanha e mesmo de buscar frear a interferência do poder econômico, toda a lógica de reduzir a propaganda acaba por produzir o desconhecimento do eleitor e da eleitora de quem sejam os candidatos e candidatas disponíveis para voto, retirando desse eleitor um direito fundamental, o direito à informação, e, portanto, induzindo-o a promover escolhas impensadas sobre a quem delegar o poder político.
A preocupação com a busca do combate à influência do poder econômico sobre os pleitos eletivos não se trata de uma questão recente e nem só que afeta o cenário político brasileiro. A legislação sobre propaganda eleitoral chegou a ser alterada nos EUA também na perspectiva desse enfrentamento e uma das alterações que se verificou foi a lei conhecida como Lei McCain-Feingold ao proibir certos tipos de propaganda no período anterior às eleições. No exemplo americano, houve amplo debate e por decisão da Suprema Corte, em 2007, foi decretada a inconstitucionalidade dos principais dispositivos da citada lei.
O modelo de financiamento das campanhas e sua estreita interação com os formatos de propaganda faz com que as legislações se tornem excessivamente repressivas e findam por gerar impacto na visibilização das candidaturas.
Conquanto seja bastante elogiável os esforços do legislador e da própria Justiça Eleitoral em coibir excessos e buscar transparência nas campanhas eleitorais, duas questões vêm sendo relegadas a um plano secundário e não deveriam ser olvidadas. A primeira: é mesmo necessário essa tutela paternal sobre o eleitor e eleitora? A segunda: faz sentido para fins de enfrentamento do abuso de poder se sacrificar o direito à informação que deve nortear as escolhas políticas?
As discussões acerca dessas temáticas de modo a propiciar as melhores respostas a essas duas questões precisam ser conjugadas nesse debate e concorrer para o aprimoramento democrático de uma sociedade que é plural e diversa e não pode prescindir de fazer chegar ao titular do poder político quais são de verdade as opções disponíveis para exercer a devida representação.
Com a explosão das mais variadas formas de disseminação de conteúdo, é indispensável que o eleitor e eleitora tenham, sim, os elementos para fazer sua avaliação consciente, mas para tanto é insuperável ter acesso a essas informações sem os atropelos de 45 dias intensos de movimentação eleitoral em que candidatos e candidatas só consigam espaços mínimos para se visibilizar e esses espaços não sejam suficientes para viabilizar-se efetivamente na disputa.
A dificuldade na visibilização afeta sobremaneira os grupos já naturalmente invisibilizados na sociedade brasileira, destacando-se negros e mulheres que, apesar de terem obtido recentemente importantes avanços quanto à garantia no acesso à propaganda eleitoral e recursos financeiros, seguem em déficit para se colocar como opções disponíveis e viáveis para um eleitorado que os desconheça.
É urgente e imperativo que conjuguemos esforços para repensar o modelo restritivo de realização da campanhas e promoção de propaganda eleitoral em nosso país sem abrir mão do controle efetivo contra as nocivas ingerências do poder econômico. Isso sem penalizar o eleitorado quanto ao direito que tem à real e efetiva informação sobre quem são os candidatos e candidatas, sob pena da propaganda eleitoral não alcançar os objetivos para os quais existe e se mostra necessária no contexto do aperfeiçoamento da democracia.
Backes, Ana Luiza. LEGISLAÇÃO SOBRE PROPAGANDA ELEITORAL E USO DA INTERNET NAS CAMPANHAS ELEITORAIS NOS EUA
Sousa, Anne Gracyelle da Silva. As propagandas eleitorais e suas transformações acerca da Lei 13.165/15. Disponível em https://jus.com.br/artigos/50250/as-propagandas-eleitorais-e-suas-transformacoes-acerca-da-lei-13-165-15
VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 149.
[1] Pavim, André Luiz. Propaganda política e suas espécies. Disponível em https://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-4-ano-4/propaganda-politica-suas-especies