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18/01/2022Em um dos julgamentos mais notórios de sua carreira no direito eleitoral, Maria Claudia Bucchianeri, 42 anos, advogou para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018, e defendeu, perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a elegibilidade do então candidato à Presidência da República pelo PT. Seria natural concluir que o principal antagonista político de Lula nas eleições daquele e deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL), teria motivos para não escolher a advogada dentre as candidatas à vaga de juíza do TSE.
Ainda mais se considerarmos os demais nomes: Maria Claudia concorria à posição justamente com sua adversária no julgamento de Lula, a advogada Marilda Silveira, que representou o partido Novo contra a candidatura do petista. A terceira da lista era Ângela Baeta Neves, que foi vice-diretora da Escola Judiciária Eleitoral do TSE e participou da campanha eleitoral do MDB em 2018, com a candidatura de Henrique Meirelles à Presidência.
Mas a nomeação como juíza substituta ocorreu em junho de 2021 e Maria Claudia será uma das responsáveis por julgar as propagandas eleitorais deste ano, incluindo o uso de fake news, a invasão de tempo e as ofensas aos candidatos. Atualmente a advogada também é responsável por uma extensa agenda institucional voltada para políticas de gênero no tribunal – tema pelo qual militou durante toda sua carreira e uma de suas “maiores paixões no direito”.
“Se tivessem me dito que Bolsonaro me nomearia ao TSE, nunca acreditaria. Sou uma mulher de fé. Acho que as pequenas coisas da minha vida foram se amarrando para culminar nisso”, afirma em entrevista por videochamada à Marie Claire.
Maria Claudia é a nona mulher a passar pelo TSE e atualmente a única juíza da corte. Pela primeira vez na história do tribunal, a lista tríplice de candidatos foi composta apenas por mulheres. Os nomes para as vagas de juristas são sugeridos pelo presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, votados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e depois encaminhados para a escolha do Presidente da República.
Numa composição de no mínimo sete ministros, três magistrados do TSE são emprestados do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos quais será presidente da corte. Outros dois são do Superior Tribunal de Justiça (STJ), um dos quais será corregedor-geral da Justiça Eleitoral. Outros dois juízes são da categoria dos advogados.
O apoio de grupos evangélicos foi decisivo na nomeação. A proximidade de Maria Claudia com diferentes comunidades religiosas se deu a partir de sua tese de mestrado, sobre liberdade religiosa e separação entre Estado e Igreja, pesquisa orientada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, na época, segundo ela, ainda cabeludo, jovem professor da Universidade de São Paulo e uma promessa do Ministério Público de São Paulo. O magistrado foi um dos padrinhos de seu nome para o TSE.
“Ninguém ainda tratava de temas religiosos, então acabei tendo vários clientes de diferentes igrejas. Na época eles não apitavam em nada, as coisas mudaram muito desde então”, conta a advogada, que se define como cristã, sem pertencer a nenhuma vertente específica.”Os evangélicos fecharam em torno do meu nome de maneira inacreditável, me carregaram no colo. Ligavam para Bolsonaro 24 horas, para a ministra Damares [Alves]”.
Maria Claudia enumera demais nomes do grupo que apoiou sua nomeação: Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, (“amiga da minha família há 15 anos”), André Mendonça, então advogado-geral da União e atual ministro do STF (“me ligava todo santo dia”), e o presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP) (“já defendi ele e o pai dele”).
Antes de atuar como advogada para políticos de todos os espectros, trabalhou nos gabinetes dos ex-ministros do STF Celso de Mello e Carlos Ayres Britto, que veio a ser padrinho de seu casamento. Conciliou a carreira com a gravidez, vinda sem ser programada. Tentou esconder a barriga o quanto pôde por medo de perder a clientela e fez sustentação oral em audiência até dois antes de dar à luz, enquanto o marido a esperava na garagem do TSE com a malinha da maternidade. “Estava desesperada. Quem é que contrataria uma advogada grávida?”, questiona, sem conseguir conter as lágrimas.”Meu marido trazia a neném de carro e eu dava de mamar na garagem do TSE. Trabalhei de madrugada durante todo o primeiro ano de vida da minha filha”.
Sobre os principais desafios do tribunal neste ano eleitoral, Maria Claudia afirma que não serão pequenos: o combate à desinformação e à violência política de gênero e raça, e a defesa da institucionalidade dos resultados eleitorais. A advogada defende maior regulação das plataformas digitais e admite que a situação com o Telegram, único aplicativo com quem o TSE não conseguiu firmar uma parceria, preocupa.
MARIE CLAIRE: Como foi a sua trajetória profissional até chegar ao TSE? Para quais partidos já atuou como advogada?
MARIA CLAUDIA BUCCHIANERI: Nasci em Brasília e me formei em direito, relações internacionais e música – sou pianista também. Fui a primeira estagiária do Celso de Mello, no STF, quando eu tinha 19 anos. Desenvolvemos uma relação forte de aluna e professor. Virei assessora dele com 20 e praticamente morava no Supremo, conhecia tudo ali. Fui uma das assessoras mais jovens da história do STF.
Depois fui fazer mestrado, pesquisar liberdade religiosa. O Celso disse que me apresentaria a um professor jovem, um menino brilhante, que era o Alexandre de Moraes, na época cabeludo e uma grande promessa do MP-SP. Passei e fui orientanda do Alexandre.
Com a defesa da dissertação, entrei em contato com denominação atingidas, como testemunhas de Jeová, para discutir a questão de obrigatoriedade de transfusão de sangue, adventistas, porque um problema grande para eles é realizar o Enem aos sábados, dia de descanso para eles. Me envolvi com a comunidade religiosa, isso numa época em que essa comunidade não apitava em nada.
Fiquei 10 anos com Celso. Entrava 16h e saía 2 da manhã. Quando fui me casar, meu marido é engenheiro, pedi para sair para conseguir ajustar meus horários. Celso então falou que tinha um ministro novo, nomeado pelo Lula, que queria ajuda para organizar o gabinete, era o Ayres Britto. Um querido, poeta. Saí dum paulista workaholic e fui para um nordestino poeta, que meditava. Fiz grande amizade com ele também, foi padrinho do meu casamento.
Britto me chamou pra ir pro TSE, já que ele assumiria a presidência nas eleições municipais de 2008. Fui assessora chefe da presidência. Fiquei 2 anos no TSE e depois fui advogar, abri um pequeno escritório. Faço advocacia de tribunal superior: eleitoral, de STJ e no STF, uma advocacia muito especializada. Em 2010 já peguei campanhas, a do Antonio Anastasia (PSD) ao governo de Minas Gerais, as de vários deputados. Nunca prestei serviço para partido, mas de causas. Pouco me importa o espectro ideológico. Você tem que ter uma carga ética muito relevante para ser respeitada nessa área. Em 2018, o líder do governo [de Michel] Temer, o deputado federal André Moura (PSC) me trouxe 18 deputados de Sergipe que foram cassados. Atuei na fundação do Solidariedade, dialoguei muito com Aécio Neves nessa época. Trabalhei para a Marina Silva, na fundação do Rede.
Também advoguei pro Arlindo Chinaglia (PT), Wilson Witzel (PSC), Wilson Lima (PSC) na confusão dos respiradores. Fiz o registro de Lula também, em 2018. Não deu certo. Hoje tenho um escritório grande, procuro contratar essencialmente mulheres. Tenho uma atuação engajada nessa área.
Fiz ações pro bono em defesa da cassação de candidaturas laranjas, quando os partidos começaram a colocar candidatas fictícias para cumprir a cota de 30% de candidaturas de mulheres. Eu e um grupo de mulheres advogadas pavimentamos o caminho e ficou decidido que todos tinham que ser réus, inclusive os homens eleitos. Todos teriam que ser derrubados. Os dois leading cases que pacificaram essas questões foram com atuação minha em casos no TSE pro bono.
A emenda constitucional aprovada no fim do ano passado, segundo a qual a quantidade de votos de mulheres eleitas e negros têm peso em dobro na distribuição do Fundo Eleitoral, foi fruto da minha atuação. Em 2016, Gilmar Mendes, ex-presidente do TSE, criou oficinas para pensarmos nos aperfeiçoamentos do sistema eleitoral. Me chamou para falar sobre a sub-representação feminina e criamos um projeto de lei no qual voto feminino valeria 3. Defendo cotas fixas para as mulheres no Congresso, mas não tenho esperança de que isso seja aprovado. As mulheres são minoria na Câmara e minoria não aprova PEC.
MC: A senhora foi nomeada ministra substituta. Como isso funciona exatamente?
MCB: Você não presta concurso pra juiz eleitoral, por isso os magistrados são emprestados. São aprovados para outros concursos e passam um período na Justiça Eleitoral por mandatos. Para todos os titulares, têm os substitutos. Você não entra direto como titular, você entra como substituta e vai subindo conforme os biênios vão acabando. Barroso hoje é o presidente, Edson Fachin é vice, e Alexandre é o terceiro membro. Barroso sai no final do mês, Fachin assume a presidência, Alexandre, a vice-presidência, e sobe o primeiro suplente do Supremo, Ricardo Lewandowski. Em setembro, sai Fachin e Alexandre vira presidente, Lewandowski vira vice e Carmen Lucia entra. A mesma coisa acontece com juristas.
Sou a nona mulher que passa pelo TSE. A advocacia é muito feminina no TSE. No julgamento do Lula, as principais advogadas eram mulheres. Eu, em defesa do Lula, a Marilda, minha colega de lista, defendendo o Novo e acusando o Lula, a advogada do Bolsonaro era mulher, e a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, era mulher. A gente deu um banho naquela sessão. E quando vinha lista tríplice, era só homem. Todos os mandatos são de 2 anos, renováveis. Fico 2 anos como substituta, mais 2 e depois 4 como titular. São 8 anos ao todo.
MC: O que podemos esperar do trabalho do TSE neste ano eleitoral?
MCB: Temos a função de complementar quorum em casos de impedimento, suspeição. Participei no caso do Luiz Fernando Pezão [ex-governador do RJ], por exemplo, porque os ministros do Rio se declararam suspeitos. Como sou a única mulher no tribunal, e aí eu percebo a falta que fazia uma mulher, Barroso tem me delagado uma agenda institucional relacionado a pautas femininas. Organizei um evento enorme sobre violência política contra mulheres. Sou representante da comissão gestora de política de gênero do tribunal, sempre com uma perspectiva interseccional. Também sou representante do TSE no fórum da ONU Mulheres, estou trabalhando na criação de um canal específico de denúncia de violência política, na formação de magistrados e promotores para saberem como agir em caso de violência política. Em fevereiro faremos o primeiro encontro nacional de juízes integrantes de cortes eleitorais, não sabemos quantas são, não temos esse controle. E pela tradição, a propaganda dos candidatos presidenciais fica a cargo de um juiz substituto do STJ e dos dois substitutos dos juristas. Então, fake news, invasão de tempo, ofensa, fica a cargo dos juízes substitutos. A partir de julho, serão 24h disso.
MC: E quanto ao principal desafio que o TSE enfrentará neste ano?
MCB: O primeiro é o combate à desinformação. Zerá-las é impossível. É um trabalho que envolve o apoio das plataformas. O TSE celebra convênios para que elas exerçam algum tipo de controle, sinalização de conteúdo impróprio. É um desafio dos processos eleitorais do mundo todo. A internet impõe desafios à nossa democracia. Muitos defendem que o maior responsável pela polarização das eleições de 2018 foi o Youtube, uma mídia que voa um pouco abaixo do radar. Porque tem algoritmo que faz com que, quando você termina um vídeo, ele automaticamente te leva a um vídeo na sequência, sem que você tenha o procurado. O algoritmo leva ao oferecimento de vídeos extremistas, que levam a maiores interações. 70% do tempo gasto no Youtube nas eleições de 2018 foram com conteúdo não buscado e que talvez o usuário nem tivesse acesso. Existem três projetos de lei no Congresso dos EUA para proibir esse oferecimento automático de vídeos. Criar formas de combater o lucro das plataformas mediante o oferecimento de conteúdo inexato, com discursos de ódio, é um desafio do TSE.
O segundo eixo é combater a violência política de gênero e raça, que afasta mulheres e negros do processo político eleitoral. Na reunião que fizemos com o Instituto Marielle Franco, nos sentamos com 20 mulheres negras, todas elas ameaçadas de morte. Não é possível um partido político gastar dinheiro com proteção pessoal de filiados. Então se uma caneta preta, pobre, favelada é ameaçada, quem vai financiar a segurança dessa mandatária? Uma Câmara de Vereadores não tem esse dinheiro. O partido não pode fazer esse gasto, a não ser que haja um laudo de autoridades de segurança pública dizendo que aquela pessoa sofre uma efetiva ameaça de morte. Três mandatárias do Rio me disseram que estão esperando por esse laudo há cinco anos. 65% das denúncias que usuários fazem de conteúdo violento são feitas por mulheres.
A violência de gênero do mundo real se projeta para o mundo virtual, ou seja, violência política e combate ao discurso de ódio se interseccionam. Uma vereadora de Porto Alegre recebeu a ameaça de que seria morta em plenário e a Câmara foi invadida por pessoas com suásticas. O Brasil precisa enfrentar isso. A nossa participação política é vergonhosa. Na América Latina, só perdemos para Honduras e Haiti. Até a Arábia Saudita tem mais mulheres no Parlamento.
O terceiro eixo é a defesa da institucionalidade eleitoral, da integridade das eleições e do resultado em si. Não são desafios pequenos.
MC: A principal plataforma digital que falta para o TSE fechar um acordo é o Telegram – o aplicativo que mais cresce e com menos regulação, grupos de até 200 mil pessoas, e que no Brasil é dominado por grupos de extrema-direita. Essa situação preocupa o TSE?
MCB: O Telegram é difícil porque não tem escritório no Brasil. Não tem para onde mandar notificação judicial. Não é simples. A situação preocupa, sim. Não apenas da perspectiva eleitoral, mas de todas, com a pornografia infantil, por exemplo. O Facebook criou agora uma espécie de Suprema Corte da rede para decidir sobre remoção de conteúdo. Esse filtro é feito em parte por algoritmos e há moderação humana. Os relatos de quem trabalha com a moderação são aterrorizantes. Suicídio assistido, estupro coletivo, venda de conteúdo pedófilo. Uma plataforma que a justiça não pode exercer nenhum tipo de filtro deve gerar preocupação social em todos os aspectos.
MC: Qual a sua opinião sobre a regulação das plataformas digitais?
MCB: Isso está em debate no mundo todo: a regulação das big techs. Em 2018, o brasileiro gastou 10h online. É mais tempo online do que no mundo presencial, descontadas as horas de sono. Mais da metade da existência dos brasileiros é gasta online, e dessas 10h, 5.8h são em aplicativos de celular. Podemos presumir que mais da metade são em mídias sociais, monopolizadas por três ou quatro empresas. É como se a existência do mundo estivesse concentrada em quatro governantes. Essas empresas estão nos EUA, e a legislação americana é fundada na liberdade do modelo de negócio. O nosso marco civil da internet bebeu do modelo americano, é mais solto. Há outros modelos, como o alemão, o francês. As plataformas no Brasil não são responsabilizadas pelos conteúdos que elas não geram. O Youtube hospeda conteúdo de terceiros e não será responsabilizado por aquilo, ainda que tenha uma criança sendo estuprada ali. Ele só será responsabilizado se houver uma decisão judicial determinando a remoção e ele descumprir. Esse é o problema do Telegram. O marco civil só responsabiliza plataformas digitais se descumprirem ordens judiciais, e temos uma plataforma que não recebe ordem judicial. Isso precisa mudar. Proibiremos o Telegram no Brasil? Algo precisa ser feito.
MC: Outra discussão é sobre quem faz a moderação desses conteúdos. Qual é a sua sugestão para isso?
MCB: Quem monta os algoritmos são homens brancos, ou seja, refletem os mesmos preconceitos dos programadores. O Trump, por exemplo, está barrado do Twitter há um ano e meio. Já pensou se o Twitter faz um acordo com Lula e tira Bolsonaro da plataforma? Ele fica alijado de uma das principais arenas de debate público? O tribunal constitucional na Alemanha, por exemplo, declarou inconstitucional uma ordem do Twitter de banimento de um partido político, entendendo que isso interferia na igualdade de oportunidades políticas, que é um pressuposto necessário de eleições justas. É um debate muito interessante. Não é um debate singelo, mas precisamos avançar em termos regulatórios das big techs. Por que não proibir o oferecimento de vídeos automáticos do Youtube durante o período eleitoral? Há muitas propostas, e o tema interfere com liberdade de expressão, que é um assunto delicado.
MC: Gostaria de ouvir sobre os entraves que enfrentou por ser mulher até chegar ao TSE.
MCB: Não é fácil. Vejo que melhorou, mas a advocacia ainda é eminentemente masculina. É a primeira vez que vamos ter mulheres na diretoria do conselho federal da OAB, por exemplo. Lidamos com juízes, sendo que a maioria da magistratura é masculina, e a advocacia eleitoral tem desafios extras, porque os clientes são eminentemente homens e com ritmo de vida diferentes. Existe uma jornada prolongada, encontros durante a noite, sessão do TSE é de noite, o que dificulta para as mães. Estou numa posição de privilégio, sou branca, loira, magra, tenho condições financeiras, mas sempre existe a discriminação de gênero e o machismo estrutural.
A maternidade foi um grande desafio. Te confesso, com alguma vergonha, não foi uma gravidez programada e quando descobri, estava no começo da advocacia. Era 2011, um ano e pouco de escritório, tinha feito campanha em 2010, e meu grande medo era perder meus clientes. Quem é que vai contratar uma advogada grávida? No começo da gravidez, não contei pra ninguém. Fui para a Zara, comprei um monte de roupa G, casacão. Até os 7 meses, pouca gente reparou que estava grávida. Lembro de uma reunião com o governador de Roraima, Neudo Campos, fiz a eleição dele. Sentei e não teve jeito, ficou aquela bola na minha barriga. Ele olhou e disse: a senhora está diferente. Um semblante diferente. Pensei: vou obrigar ele a me dizer que estou grávida.
Fui grávida para fazer uma audiência em Roraima em zona endêmica de febre amarela. Na minha última sustentação oral, estava me consolidando como advogada eleitoral. O que a gente mais gosta de pegar é cassação de governador, é o filé mignon da advocacia eleitoral, processo valioso. Os grandes advogados são quem fazem esses casos, a tropa de choque. Eu peguei um para cassar o governador de Roraima, que era do PSDB, e o do governador de Alagoas, Teotônio Villela, grande figura do PSDB, cacicão, contra Ronaldo Lessa. Eu carregando o piano. Estava com 38 semanas de gestação e o processo foi pautado para julgamento. É desgastante, despacho, reunião, você chega em casa 2 da manhã. Era última semana de dezembro. Pedi ao relator para adiar a primeira sessão para fevereiro, expliquei que até lá minha filha já teria nascido. Meu medo era dar à luz antes e perder o caso. Estava desesperada. A outra parte não concordou e o juiz não adiou. Eu com 39 semanas estava no TSE, despachando. Fiz a sustentação oral, meu marido na garagem do TSE com a malinha da maternidade, ganhei o processo, dois dias depois eu entrei no trabalho de parto.
Amamentei na garagem do TSE várias vezes, porque era de noite, meu marido levava a neném, eu dava de mamar e voltava ao plenário. Trabalhei a madrugada toda no primeiro ano de vida da minha filha, porque era ano eleitoral, 2012. Sou casada há 20 anos com o pai da minha filha. Minha mãe mora do meu lado e me ajuda muito. Minha filha tem dez anos hoje.
Um colega virou pra mim em um Congresso fora de Brasília e falou que minha filha devia correr pro pai quando eu chegasse em casa, perguntando quem eu era. Eu perguntei pra ele: e você, não tem esse mesmo problema? Criança só sente falta da mãe? Sempre surgem esses comentários: tá nervosa? Menstruada? Muito brigona? Muito assertiva?