Direito ao voto feminino e participação da mulher na política
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28/02/2022Por Volgane Oliveira Carvalho, secretário-geral adjunto da ABRADEP
Além da efeméride, eis uma oportunidade para revisitar as lutas pela democracia e regularidade das eleições brasileiras.
As mulheres estão cada vez mais organizadas em busca do reconhecimento e da efetivação dos seus direitos básicos. Militares, principalmente aqueles de baixa patente, estão agitados buscando maior participação política e mais espaço na administração pública. Temos um presidente odiado por muitos e amado por outros tantos, que chegou ao poder depois de um processo eleitoral turbulento, marcado por um atentado. Este é um pequeno resumo do Brasil de 1932, quando o nosso primeiro Código Eleitoral entrou em vigor.
O documento é a concretização de um acordo firmado anos antes, no Castelo de Pedras Altas, entre Assis Brasil e Getúlio Vargas. Assis era um tradicional político gaúcho que perdera sucessivas eleições em decorrência de diferentes manobras fraudulentas, e este seu histórico fez com que condicionasse a adesão ao governo varguista a uma completa reestruturação do sistema eleitoral brasileiro.
O presidente concordou com a elaboração da norma depois de realizar um cálculo político bastante cuidadoso, pois, além de aliados importantes, a lei poderia angariar simpatizantes na classe média urbana, especialmente nos Estados do Sudeste. É difícil, portanto, de identificar nessa equação qualquer apreço pela democracia ou genuína defesa da ampliação do direito de participação política.
O próprio Assis Brasil comandou a comissão responsável pela elaboração do documento. A inovação que serviu de impulso inicial do texto foi a criação da Justiça Eleitoral e do voto secreto. Durante a Primeira República, a organização dos pleitos e a contagem dos votos eram tarefas dos governos locais, e a confirmação dos resultados era exercida por comissão do Poder Legislativo. Além disso, o voto era aberto e exercido com cédulas que eram levadas de casa pelo próprio eleitor. Essa fórmula constituía-se em terra fértil para toda espécie de trapaça.
A péssima fama das eleições brasileiras não irritava apenas os candidatos prejudicados pela fraude, mas também o eleitorado dos centros urbanos. Eram pessoas da nascente classe média, profissionais liberais, tenentes, funcionários públicos, pessoas que tinham um nível de escolaridade acima da média nacional, um senso crítico mais apurado e que não concordavam com a continuidade do modelo de eleições decididas com base na fraude eleitoral.
A comissão responsável pela elaboração do código, entretanto, não se fechou a outros pleitos da sociedade e cuidou de implementar mais alguns avanços notáveis. Por insistência de João Cabral, experiente jurista piauiense e futuro ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o texto incluiu o reconhecimento do direito de voto às mulheres. É de reconhecer, entretanto, que o Rio Grande do Norte já admitia o alistamento feminino em 1927 e assistira no ano seguinte à eleição de Alzira Soriano como prefeita de Lajes, a primeira mulher a comandar um município na América do Sul.
O reconhecimento do direito de voto às mulheres era uma luta antiga das sufragistas brasileiras, grupo no qual se destacou Bertha Lutz. Cabe destacar que alguns dos avanços alcançados pelo código de 1932 foram posteriormente anulados, mas o voto feminino permaneceu como regra desde então.
Outra grande novidade da norma foi a criação do sistema proporcional para a eleição de parlamentares. Tratava-se de um sistema mais justo do que o modelo majoritário, que era adotado desde o Império. As novas regras passaram a privilegiar as escolhas dos eleitores, contemplando nos órgãos legislativos todos os ideários políticos na proporção dos votos amealhados. No modelo antigo, apenas os mais votados eram vitoriosos, desprezando-se completamente todos os sufrágios que não foram destinados a eles.
A memória dos 90 anos do nosso primeiro Código Eleitoral não é apenas uma efeméride, na verdade, trata-se de uma grande oportunidade para que sejam revisitadas as lutas pela democracia e regularidade das eleições brasileiras.
Lembremos da luta para a criação da Justiça Eleitoral, inclusive com a morte de muitos na Revolução Gaúcha de 1923, o que poderá ser valoroso para apascentar aqueles que gritam pela sua extinção. Falemos sobre as dificuldades em torno da criação do voto secreto, o que poderá ser importante para desnudar verdades desprezadas por quem deseja um voto impresso.
Compreendamos o processo de criação do modelo de eleições proporcionais e a incrível luta para que todos os eleitores pudessem ver seu pensamento representado no Parlamento, o que poderá reduzir os ímpetos dos defensores do distritão, modelo imperial e excludente para a escolha de parlamentares. Por fim, recordemos a luta feminina pelo direito ao voto, o que poderá ser essencial para que possamos agir criando medidas inclusivas que estimulem cada vez mais a participação das mulheres na política e o seu acesso aos cargos eletivos.
Comemorar os 90 anos do nosso primeiro Código Eleitoral é, em suma, uma oportunidade para gozar, com sabedoria, dos benefícios que ele introduziu no nosso modelo eleitoral, sem descansar no trabalho contínuo em busca do seu aperfeiçoamento e da sua concretização.