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Em 3 de novembro é comemorado o Dia da Instituição do Direito de Voto da Mulher no Brasil, conquista realizada em 1930, mas que, com o fechamento do Parlamento, somente foi efetivada em 1932 após a entrada em vigor do Código Eleitoral[1]. Essa diferença de mais de 300 anos entre o exercício do direito ao voto demonstra que a linha de largada para a conquista de direitos políticos é absolutamente desigual.
E não só as mulheres foram alijadas por anos do exercício dos direitos políticos e do pleno exercício da cidadania. Em um país marcado pela escravidão, eram eleitores apenas os homens livres, de modo que menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero também eram impedidos de votar[2]. Aos poucos os direitos políticos foram sendo ampliados, até que a Constituição de 1988 garantiu o sufrágio universal, permitindo o exercício dos direitos políticos ativo a todas (os) cidadãs (os), sem qualquer limitação econômica, de classe, étnica, racial etc.
Com o passar dos anos, esses grupos que foram preteridos do exercício dos direitos políticos durante séculos, passaram a articular formas de participação efetiva no processo eleitoral, não apenas para exercer o direito ao voto, mas também, para serem eleitos representantes da sociedade brasileira que é diversa e plural. Trata-se, a bem da verdade, de uma questão não resolvida nas democracias diante de um cenário de reiterada exclusão de grupos historicamente minorizados, praticamente invisibilizados no debate público-eleitoral.
No que diz respeito às mulheres, desde 1995 o Parlamento vem criando ações afirmativas para tentar ampliar o número de eleitas. Na prática, essas ações afirmativas não se mostraram eficazes ao logo do tempo, razão pela qual foi preciso a intervenção do Poder Judiciário, em julgamentos ocorridos no STF[3] e TSE[4] para, ao interpretar as normas, determinar a destinação às candidaturas de mulheres e pessoas negras recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o que melhorou, ainda que timidamente, a representatividade desses grupos.
Nas reformas eleitorais que ocorreram em 2021, através da EC 111 e em 2022 através da EC 118, essas regras de distribuição de recursos dos fundos públicos para candidatura de mulheres e pessoas negras foram incorporadas à Constituição Federal, havendo, ainda, o acréscimo da regra que prevê a contagem em dobro dos votos dados em mulheres e negros para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do FEFC nas eleições de 2022 a 2030.
Fato é que nas eleições de 2022 tivemos um aumento no percentual de mulheres eleitas de forma global. Saímos de 77 mulheres eleitas em 2018 para a Câmara dos Deputados (e das Deputadas) para 91 eleitas em 2022, o que corresponde a 17,7% das 513 cadeiras. No Senado, apesar do número de mulheres candidatas ter sido maior, o número de eleitas caiu de cinco para quatro senadoras eleitas em 2022[5].
Mas há motivos para comemorar. Dentre as eleitas, teremos pela primeira vez duas mulheres trans como deputadas federais: Erika Hilton (SP) e Duda Salabert (MG)[6], o que, sem dúvida nenhuma, constitui um avanço na representatividade feminina, especialmente se considerarmos que somente em 2018 foi reconhecido pelo TSE, no julgamento da Consulta nº 0604054-58.2017.6.00.0000, de relatoria do ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, o direito das pessoas transgênero concorrerem nas suas respectivas cotas de candidaturas (artigo 10,§3º da Lei 9.504/97) e utilizarem o nome social na urna eletrônica e divulgações públicas, garantindo assim “amplitude máxima ao regime democrático, respeitando-se a diversidade, o pluralismo, a subjetividade e a individualidade como expressão dos direitos fundamentais assegurados no texto constitucional”[7].
Teremos ainda como representantes máxima dos Executivos estaduais duas governadoras: Fátima Bezerra, reeleita no Rio Grande do Norte, e Raquel Lyra, que foi a primeira mulher eleita para chefiar o Executivo do estado de Pernambuco, em uma chapa integralmente feminina. Foram eleitas como vice-governadoras seis mulheres: Mailza (AC), Jade Romero (CE), Celina Leão (DF), Hana (PA), Priscila Krause (PE) e Delegada Marilisa (SC).
Tivemos avanços também no que diz respeito à representação indígena, tendo crescido sua participação no processo eleitoral brasileiro. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, em 2014, primeiro ano em que houve a possibilidade de autodeclaração da raça, 84 candidatos se autodeclararam indígenas (0,32% do total), em 2018 o número subiu para 134 (0,46% do total) e em 2022 tivemos a candidatura de 172 indígenas (0,62%).
Do total de candidatos houve recorde também no número e eleitos, com cinco representantes na Câmara[8] — Célia Xakriabá (MG), Juliana Cardoso (SP), Paulo Guedes (MG) – que já havia sido eleito em 2018 mas que na época se declarou como pardo —, Silvia Waiãpi (AP) e Sônia Guajajara (SP), aumento expressivo em relação à atual legislatura onde apenas a deputada federal Joenia Wapichana (RR) havia sido eleita – a primeira mulher indígena eleita para a Câmara dos Deputados – e a segunda pessoa indígena da história já que, até então, apenas o deputado Mario Juruna (RJ) havia sido eleito, em 1982.
A importante ampliação da participação dos povos indígenas pode ter reflexo na Portaria n.º 367/2022 do TSE, que instituiu a Comissão de Promoção da Participação Indígena no Processo Eleitoral facilitando o acesso e o cadastro destes grupos no processo eleitoral, assim como a Resolução nº 23.659/2021, que visou desburocratizar o procedimento com a flexibilização em relação à fluência da língua portuguesa, assegurando o uso de línguas maternas, por exemplo[9].
Quanto às pessoas negras, o Tribunal Superior Eleitoral apontou que foram registradas 1.424 candidaturas de pretos e 3.462 de pardos, conforme os critérios autodeclarados, somando 4.886 – quase metade (47%) dos cerca de 10 mil postulantes. É de se reconhecer o aumento de candidaturas de pretos e pardos para a Câmara dos Deputados em 2022 frente a 2018: em 2018, eram 3.586, ou 42% de 8,6 mil. Contudo, apesar do aumento de candidaturas, os eleitos com essas características autodeclaradas cresceram apenas 8,94%.
Os dados, contudo, devem ser analisados com cuidado. Como as características decorrem de autodeclaração algumas mudanças são notadas. Segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo “42 parlamentares eleitos como brancos em 2018, entre titulares e suplentes que assumiram o cargo durante a legislatura, fizeram essa alteração nos registros apresentados para o pleito deste ano. Outros 29, por sua vez, foram eleitos como pretos ou pardos e, nesta edição, se registraram como brancos. Há ainda um deputado que se considerava pardo e agora mudou a autodeclaração para indígena”.
O fortalecimento da participação dos grupos com participação política minorizada ou quase invisibilizada é essencial para se preservar o próprio Estado democrático. O caminho de aprofundamento e legitimação da democracia não pode ser construído sem inclusão social, o que revela a essencialidade das ações afirmativas aprovadas nos últimos anos pelo próprio poder legislativo e aquelas avançadas inicialmente pelo Poder Judiciário por interpretação constitucional.
No âmbito federal, na formação do novo Poder Executivo, a observar pelos 31 grupos técnicos criados pela equipe de transição, que incluem temas como povos originários, direitos humanos, igualdade racial, mulheres , e da equipe convocada para ocupar esses grupos de trabalho, que é composta de diversas mulheres, pessoas negras, representantes de grupos LGBTQIA+, e que são pessoas reconhecidas academicamente em suas áreas de atuação, ao que parece, há um maior interesse em tornar os cargos de poder mais plurais, diversos.
O avanço da representatividade dos grupos minorizados no processo eleitoral de 2022 e na própria equipe de transição para o novo governo federal deve – e espera-se! – ser seguido de um expressivo avanço no número de mulheres, negros e indígenas escolhidos para ocupar ministérios de Estado e cargos do 1º escalão no próximo governo, ainda que não se tenha ações afirmativas nesta esfera.
[1] Disponível em: https://www.tre-go.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Novembro/92-anos-da-instituicao-do-direito-ao-voto-feminino-no-brasil Acesso em: 05/11/2022
[2] Disponível e: https://www.camara.leg.br/noticias/122465-conheca-a-historia-do-voto-no-brasil/ Acesso em: 05/11/2022
[3] ADI 5617, Rel. Min. Edson Fachin e ADPF 738 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski;
[4] Consulta 0600306-47.2019.6.00.0000 – Rel. Min. Luís Roberto Barroso;
[5] Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2022/10/03/participacao-de-mulheres-na-disputa-ao-senado-cresce-mas-numero-de-eleitas-e-menor Acesso em:05/11/2022
[6] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/911406-bancada-feminina-aumenta-182-e-tem-duas-representantes-trans/ Acesso em: 05/11/2022
[7] BRASIL. TSE. Consulta nº 060405458, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 63, Data 03/04/2018.
[8] CÂMARA DOS DEPUTADOS. Cinco indígenas são eleitos para a Câmara dos Deputados. <https://www.camara.leg.br/noticias/911616-cinco-indigenas-sao-eleitos-para-a-camara-dos-deputados/>. Acesso em 24 de outubro de 2022.
[9] Tribunal Superior Eleitoral. Resolução nº 23.659/21. Dispõe sobre a gestão do Cadastro Eleitoral e sobre os serviços eleitorais que lhe são correlatos. Disponível em: < https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2021/resolucao-no-23-659-de-26-de-outubro-de-2021>.