Ano novo, e quais os seus desejos para as eleições gerais vindouras?
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06/01/2022Em um cenário com as redes sociais cada vez mais relevantes na vida dos brasileiros, as eleições de outubro prometem ter a desinformação como um dos seus principais gargalos. Na comparação com a última disputa presidencial, haverá mais instrumentos jurídicos, de um lado, para combater mensagens falsas e campanhas de ódio. O principal movimento vem do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que aprovou resoluções que miram o impacto da desinformação sobre o processo eleitoral e deve adotar uma postura mais rígida no ano que vem.
Do outro lado, porém, os desafios permanecem e novos surgem, na avaliação de especialistas. A falta de transparência das plataformas, principalmente dos aplicativos de mensagem, nos quais a circulação de conteúdo é mais difícil de acompanhar, seguirá dificultando a identificação ágil de mensagens enganosas e a punição de seus responsáveis, assim como a viralização de fake news em diferentes plataformas simultaneamente.
Já o crescimento no país do Telegram, aplicativo russo que não costuma colaborar com as autoridades, e a popularização de táticas de desinformação entre candidatos de diferentes correntes ideológicas serão complicadores adicionais para tornar o ambiente digital menos virulento.
Do ponto de vista regulatório, a sinalização mais recente veio do TSE. A Corte aprovou uma resolução que veda a divulgação de “fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados” que atinjam a integridade do processo eleitoral, incluindo processos de votação, apuração e totalização de votos. Fica também proibido o disparo em massa de mensagens em aplicativos de comunicação instantânea, como WhatsApp e Telegram, para pessoas que não se inscreveram para recebê-las ou a partir da contratação de tecnologias ou serviços não fornecidos pela plataforma e em desacordo com os seus termos de uso. Já a proibição para pagamento de influenciadores digitais por postagens eleitorais ficou mais explícita.
Não havia regras semelhantes em vigor em 2018. O texto incorporou sinalizações recentes do tribunal no julgamento da cassação da chapa Bolsonaro-Mourão e do deputado estadual bolsonarista do Paraná Fernando Francischini (PSL), acusado de propagar fake news sobre fraudes nas urnas eletrônicas.
Como há menos de um ano para o pleito, mudanças na legislação eleitoral não são mais possíveis. Por não tratar de questões eleitorais, o PL das fake news, com alterações gerais no funcionamento das redes, pode entrar em vigor antes do próximo pleito, mas o projeto prevê um período de seis meses de adaptação antes de boa parte das novas regras valerem. Especialistas também alertam que haverá pouco tempo para a Justiça consolidar teses para a aplicação da lei.
Depois de ser aprovado no Senado, o PL das fake news sofreu mudanças substanciais na Câmara e aguarda análise do plenário. Entre os principais pontos do texto, estão a cobrança de ação das empresas de tecnologia para impedir a distribuição massiva de conteúdos, a criminalização de “disseminação em massa” de mensagens com desinformação com até três anos de prisão e a exigência de relatórios trimestrais de transparência das plataformas.
Outro texto com impacto no pleito é a lei de combate à violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de funções públicas, sancionada em agosto. A norma inclui no Código Eleitoral o crime de assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.
Atuação da Justiça
A postura mais combativa do TSE é outra mudança esperada, na comparação com 2018, na avaliação de pesquisadores. A corte são só aprovou uma resolução para 2022 com regras contra a desinformação e fixou entendimento de que disparos em massa com desinformação podem configurar abuso econômico e gerar cassação do registro de candidatura, como cassou pela primeira vez um deputado por propagar fake news sobre as urnas eletrônicas e abriu uma investigação contra o presidente Jair Bolsonaro por ataques ao processo eleitoral. O tribunal também tem se aproximado e buscado diálogos com as plataformas.
Outra frente de pressão vem do Ministério Público Federal (MPF). Em novembro, o MPF abriu uma investigação contra a atuação de Telegram, Whatsapp, Facebook, Instagram, Twitter, TikTok e YouTube. As empresas terão que explicar como atuam para frear a desinformação relacionada à saúde pública e à democracia no país. Embora não tenha relação com discussões eleitorais, a apuração pode revelar informações sobre como as plataformas atuam e funcionar como um instrumento para levá-las a agir contra fake news.
Acesso a informações
Apesar dos avanços na fixação de mais regras sobre o ambiente digital e de uma postura mais atenta das autoridades, a dificuldade na produção de provas será um dos principais obstáculos para punir abusos, principalmente nos aplicativos de mensagem como WhatsApp e Telegram. Se de um lado há pouco acesso fornecido por essas plataformas de mensagem ao que acontece nelas, do outro, o TSE fixou nos casos de disparo em massa a necessidade de provar impacto grave no resultado da eleição. A desinformação disseminada de forma orgânica é outro desafio.
— Essas mensagens vão para um ambiente que o Judiciário não consegue ver. É um ambiente que não acontece apenas (com envio) de um para um, mas em uma arquitetura de milhares grupos e no qual as mensagens são sutis. Isso torna mais difícil provar irregularidades. O TSE não entendeu o problema e o funcionamento dos aplicativos de mensagem — alerta a advogada eleitoral Samara Castro, membro da ABRADEP e vice-presidente da Comissão de Privacidade e Proteção de Dados da OAB-RJ.
A dificuldade para lidar com plataformas que mesclam uso privado, para troca de mensagens entre familiares e conhecidos, e público com a viralização de conteúdo e grupos de discussão, se agrava ainda mais no caso do Telegram. Sem representação jurídica no Brasil, a empresa de origem russa não tem respondido às tentativas de contato do TSE. A avaliação é que dificilmente o aplicativo, que é hoje mais usado no país que em 2018 e ganhou a adesão de bolsonaristas nos últimos meses, atenderia a possíveis decisões judiciais, por exemplo, para remoção de conteúdo.
Desde as últimas eleições americanas e do início da pandemia, redes como Facebook, Instagram, Twitter e YouTube atualizaram suas regras e retiraram do ar vídeos com desinformação sobre a Covid-19 e com ataques à democracia. Enquanto o ex-presidente dos EUA Donald Trump foi “desplataformizado” após o ataque ao Capitólio, Bolsonaro tem sido alvo de remoções e bloqueios, principalmente por declarações falsas sobre vacinas e a prevenção à Covid em suas lives.
Samara Castro não vê movimentações consistentes que indiquem uma mudança de postura.
— A verba das plataformas contra desinformação vai mais para publicidade que para a tecnologia. Apesar da boa relação com o TSE, ainda há milhares de vídeos que atacam o tribunal e seus ministros circulando. Não saíram do ar. Também não há preocupação em abrir acesso a dados, mesmo entre pesquisadores. Quais são as medidas reais? O que tiram do ar rapidamente? — questiona.