Visibilidade aos grupos minorizados na política
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01/11/2021Ação do grupo, considerada lícita por especialistas, conseguiu desmonetizar plataforma e seus principais influenciadores
O portal Terça Livre, um dos mais influentes canais de difusão bolsonarista no Brasil – e um notório propagador de fake news – anunciou, nesta semana que, “com um misto de dor profunda e descrença na justiça dos homens”, encerrou as suas operações empresariais.
A decisão ocorre em um momento de xeque-mate das autoridades brasileiras contra o site comandado pelo polemista Allan dos Santos: o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou a prisão do polemista, o encerramento e bloqueio de suas contas e de qualquer remessa em nome da empresa vindo do exterior, por considerar o grupo como um dos responsáveis por divulgar atos antidemocráticos no país. O site, que mesclava conteúdos escritos com um canal no YouTube e mesmo planos de uma faculdade, acabou à míngua.
Mais do que a ação coordenada das autoridades, o Terça Livre veio perdendo, no último ano, grande parte da renda de seus patrocinadores – e isso se deve, em grande parte, à ação popular, protagonizada por coletivos como o braço brasileiro do Sleeping Giants.
O grupo, que se denomina como “um movimento digital de milhares de consumidores que estão cansados de ver e ouvir mentiras ganhando o debate público”, pressionou anunciantes a retirar seus nomes de anúncios virtuais, exibidos automaticamente em sites extremistas e propagadores de notícias falsas.
Allan dos Santos, um dos blogueiros mais próximos de Jair Bolsonaro e autor de diversos ataques contra a suprema corte brasileira, está hoje foragido, nos Estados Unidos. Durante as últimas semanas, Allan – que já teve suas contas suspensas na maior parte das redes sociais – tentou colocar no ar um site e uma página na plataforma de doações GoFundMe, que não está ligada ao Brasil. Novamente, apoiadores reunidos pelo Sleeping Giants acionaram, com engajamento, a plataforma, que também bloqueou essa investida.
“O assunto voltou à tona, e estávamos acompanhando a criação desse novo canal dele”, diz à LexLatin Leonardo Leal, que fundou o braço brasileiro ao lado de sua namorada. As crescentes ameaças contra a dupla fizeram com que ambos saíssem do anonimato no final do ano passado. “Sobre o Allan dos Santos, ele fazia a continuação do que era o Terça Livre. Basicamente ele era o Terça Livre.”
Para a campanha final contra Allan dos Santos e seu site, Leonardo disse que se valeu do fato de que o brasileiro estaria como um foragido internacional, com seu nome presente na lista da Interpol. “Ele está como irregular nos Estados Unidos, então foi muito mais fácil de pressionarmos a empresa de que ‘esta pessoa viola seus termos de uso’”, rememora.
Quase um ano e meio depois dos primeiros tuítes, o retrospecto é algo impressionante: nesta quinta-feira (28), o “desmonetizômetro” em destaque no site ultrapassou os R$21 milhões. 34 campanhas distintas acionaram 990 empresas e, com um alto engajamento de seus seguidores cobrando atitudes, quatro em cada cinco se tomaram ação para retirar os anúncios.
Algumas dessas campanhas ganharam um escopo nacional: o apresentador de TV Sikêra Jr., que apresenta um programa policial vespertino em Manaus, foi um dos alvos – a campanha passou alguns dias como o assunto mais comentado nas redes sociais brasileiras. Após produzir comentários homofóbicos em seu programa, o apresentador, um dos mais próximos da família Bolsonaro, viu seus patrocinadores cancelarem contratos, justamente pela pressão dos seguidores do coletivo.
O programa do apresentador teria perdido cerca de 40 contratos de patrocínio com o evento, o que também energizou simpatizantes a hostilizar o grupo. As ameaças de morte a Leonardo e sua namorada, que eram cerca de 50 no início do ano, passaram de 300 durante o episódio de Sikêra Jr.
A ação do grupo é definida pelo diretor do Instituto Luiz Gama, Camilo Onoda Caldas, como “completamente democráticas e lícitas”, já que seu foco seria o de evitar que a iniciativa privada patrocine núcleos de desinformação. “Se fosse simplesmente uma questão de sites que têm ideias de direita ou liberais, as empresas não veriam problema em estarem associadas com esse conteúdo, aliás poderiam se mostrar até simpáticas”, ponder Camilo. “Mas as empresas não querem estar associadas a discursos de ódio e desinformação, porque isso é uma violação dos princípios civilizatórios mínimos.”
Camilo argumenta que, apesar do caráter político da ação, ela não poderia ser regulada ou controlada pela legislação eleitoral. Já o professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Politico), Diogo Rais, acredita que o caso precisa ser analisado de maneira particular.
“Por exemplo, o Direito Eleitoral veda impulsionamento de conteúdo de campanha por pessoas físicas ou jurídicas que não sejam candidatos, partidos ou coligações”, explica Diogo. “Caso algum conteúdo seja visto como campanha e seja impulsionado, seria um ilícito eleitoral passível de multa.”
O professor também define as manifestações deste tipo como lícitas e legítimas. “Porém, todos nós somos responsáveis pelo que falamos, fazemos e postamos”, ressalta Diogo. “Caso algum conteúdo gerado pelo SG seja irregular por ser ofensivo, calunioso ou correspondente a outro ilícito, é possível buscar reparação no sistema judiciário.”