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O Plenário do Senado Federal aprovou, de maneira muito célere, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que promove a chamada “reforma eleitoral”. Em menos de meia hora, as duas votações necessárias para a aprovação de mudanças na Constituição ocorreram sem resistências: primeiro por 70 votos a 3 e depois por 66 a 3. A questão mais destacada do texto foi o fim definitivo das coligações, barrada pela relatora do texto, Simone Tebet (MDB-MS), assim como a mudança na data de posse de presidente (dia 5 de janeiro) e governadores e vice-governadores (dia 6 de janeiro), a partir de 2026.
Outros temas acabaram aparecendo já no último dia de debates no Senado e, por isso, passaram sem maiores discussões: uma delas permite que municípios passem a realizar plebiscitos nos mesmos dias de eleições municipais. Enquanto os processos eleitorais tratam da escolha de candidatos, o plebiscito ou referendo é uma consulta ao povo sobre matérias de ordem constitucional, legislativa ou administrativa.
Apesar de a senadora falar em plebiscitos, a PEC não cita o verbete ao alterar o artigo 14, que trata das formas que os direitos políticos serão exercidos. “Serão realizadas concomitantemente às eleições municipais consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas câmaras municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral até 90 dias antes da data das eleições, observados os limites operacionais relativos ao número de quesitos”, será a nova redação do §12.
O parágrafo seguinte indica que tais manifestações favoráveis e contrárias aos temas tratados no plebiscito “ocorrerão durante as campanhas eleitorais, sem a utilização de propaganda gratuita no rádio e na televisão.”
Simone Tebet, a responsável pelo texto, indicou que a proposta deve turbinar debates políticos locais: “Questões sobre o uso de espaços públicos, aquelas questões ligadas à legislação municipal podem ser discutidas de forma democrática, envolvendo a sociedade e o eleitor para ali depositar o seu voto e a sua decisão naquilo que impacta a vida do município”, disse, durante a votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) no Senado.
No momento, o Brasil passa por uma fase de baixa deste tipo de consultas: os referendos mais famosos ocorreram em 1963 (quando larga vantagem rejeitou o parlamentarismo) e referendo de 2005, sobre a proibição do comércio de armas de fogo – este permanece como o mais relevante desta geração. Os plebiscitos ocorrem de maneira anterior a um ato, e o de 1993 (quando o sistema presidencialista voltou a vencer o parlamentarismo e a monarquia) é um dos mais famosos.
Mais recentemente, em 2011, o Pará foi às urnas no maior plebiscito regional da história do país, e rejeitou o desmembramento do estado em outras duas unidades, Carajás e Tapajós. Desde então, plebiscitos regionais tratam apenas da criação de distritos e o desmembramento de municípios.
O exemplo de consultas populares é bem sucedido em países como os Estados Unidos e a Suíça. Nas eleições americanas do ano passado, por exemplo, ao menos seis estados votaram para presidente e também para legalizar, total ou parcialmente, drogas recreativas (todos eles disseram sim ao tema). Na Suíça, onde predomina o modelo de democracia direta, os eleitores já foram às urnas oito vezes esse ano – entre os resultados, aprovaram o banimento de máscaras faciais, rejeitaram um projeto que visava criar um “RG virtual” e, por pouca diferença, aprovaram um acordo de parceria econômica com a Indonésia.
Guardadas as devidas proporções de Constituição e participação popular entre Suíça, EUA e Brasil, é possível pensar em uma democracia mais aberta no Brasil com essa proposta? É possível acreditar que sim, argumenta o sócio da Moura & Siqueira Advogados Associados, Wederson Advíncula Siqueira, membro da ABRADEP. O advogado alerta que a previsão do plebiscito já está na Constituição, mas o país ainda não adotou a cultura de plebiscito.
Questões que competem à administração local e que cuja deliberação é feita pela Câmara Municipal podem ir para consulta. Temas como questões relativas ao orçamento participativo ou mesmo a criação de um parque poderiam passar pelo plebiscito, que tem caráter meramente consultivo.
Wederson considera que a proposta é positiva porque, ao contrário de outras reformas eleitorais onde o foco está no político e na sua legenda, este dispositivo foca especialmente no eleitor. “Não só isso, mas outras soluções que coloquem o protagonismo do eleitor no processo eleitoral são sempre muito bem vindas”, ressaltou.
O advogado e especialista em direito constitucional Alexandre Ávalo, também membro da Academia, aponta como positiva a proposta constitucional. “Incluir mecanismo de consulta popular me parece bastante positivo, porque a Constituição, no artigo 14, prevê o interesse nacional como condicionante para a consulta popular, mas com certeza o interesse local, específico e pulverizado em todo o território nacional de acordo com a realidade de cada local”, argumentou. “É um instrumento que densifica e fortalece a democracia semidireta e considera o interesse local, o que é bastante compatível com o que o constituinte pretendeu.”