Nova norma do TSE proíbe divulgação de fatos “sabidamente inverídicos” sobre urnas
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25/07/2022“Os senhores devem estranhar: o que as Forças Armadas estão fazendo no processo eleitoral?”, perguntou o presidente Jair Bolsonaro (PL) ao grupo de embaixadores que recebeu no Palácio da Alvorada, na última semana, na reunião convocada por ele para atacar o sistema de votação do país.
Para instituições especializadas no tema, no Brasil e no exterior, o estranhamento dos diplomatas faz sentido: de acordo com as entidades consultadas pelo UOL, nenhum país democrático no mundo envolve os militares na fiscalização das eleições. As instituições sustentam que a participação do Exército em questões como a apuração dos votos é incompatível com regimes não autoritários.
Oficialmente, a atuação dos militares brasileiros nas eleições de 2022 começou em setembro do ano passado. Naquele mês, o então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, convidou as Forças Armadas a integrar a CTE (Comissão de Transparência Eleitoral), formada para acompanhar cada etapa do processo de preparação do pleito de outubro.
À época, o TSE já vinha sob pressão crescente. No dia anterior à portaria que criou o grupo, milhares de bolsonaristas foram às ruas, em 7 de setembro, para atacar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Bolsonaro, que discursou em Brasília e em São Paulo naquele dia, levantou suspeitas infundadas sobre o sistema de votação. As acusações sem provas já vinham sendo proferidas desde o primeiro ano de governo, mas se tornaram frequentes a partir de uma transmissão ao vivo que fez em julho do ano passado.
Uma das principais bandeiras daqueles atos foi o chamado “voto impresso auditável”, uma proposta de mudança nas urnas que havia sido rejeitada pelo Congresso no mês anterior. Foi sob esse panorama que o TSE decidiu incluir na comissão de transparência o general Heber Garcia Portella, comandante de defesa cibernética das Forças Armadas.
“O ministro Barroso fez um gesto de boa vontade de convidar um representante das Forças Armadas, com absoluta transparência, para deixar claro que não havia nada a esconder. Mas se criou uma situação abusiva a partir desse convite”, diz Daniel Zovatto, diretor do Idea (Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral).
Incompatibilidade com a democracia
Sediado em Estocolmo, na Suécia, o Idea produz dados comparativos sobre os processos eleitorais e as condições da democracia entre os países. Segundo Zovatto, que chefia a entidade na América Latina e no Caribe, a situação vivida no Brasil é inédita desde que a maioria dos países do continente foi redemocratizada, entre as décadas de 1970 e 1990.
“Conforme a América Latina foi se tornando democrática, o que se viu foi uma readequação das funções das Forças Armadas nos processos eleitorais. Não conhecemos nenhum país democrático em que os militares opinem sobre questões-chave do processo eleitoral. E muito menos existe algum país onde as Forças Armadas cumpram o papel que o presidente Bolsonaro sugeriu”, afirma Zovatto.
O papel a que o pesquisador se refere foi sugerido por Bolsonaro em abril deste ano. Em um evento no Palácio do Planalto, ele propôs que os militares façam uma checagem paralela da votação no dia das eleições. Na ocasião, o presidente afirmou que os votos são computados em uma “sala secreta” do TSE — algo que o tribunal também já desmentiu — e sugeriu que os militares tivessem acesso a essas mesmas máquinas por meio de um cabo.
“Uma das sugestões é que esse mesmo duto, que alimenta a sala secreta e os computadores, seja feita uma ramificação um pouquinho à direita, para que tenhamos, do lado, um computador das Forças Armadas para contar os votos no Brasil”, afirmou.
Os militares, no entanto, negam oficialmente que tenham intenção de fazer uma contagem paralela dos votos. O atual ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, afirmou ao Senado no último dia 14 que as Forças Armadas desejam ver algumas sugestões de mudança nas urnas implantadas já em 2022, mas que não pretendem ser “revisoras” do processo.
Mas para o jurista Marcelo Peregrino, membro da Abradep (Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político), mesmo o atual papel exercido pelos militares já extrapola o que prevê a Constituição. “Há uma incompatibilidade estrutural entre a disciplina e a hierarquia, regidas pelo poder militar, e a política, que é o local de diálogo, de dissuasão e do convencimento”, avalia Peregrino.
Segundo o advogado, que já atuou como observador internacional em eleições no exterior, países democráticos na América e na Europa têm diferentes modelos de órgãos responsáveis por organizar as eleições, mas todos de natureza civil.
“A função do Exército e das Forças Armadas é de proteção e guarda das regras do jogo. Via de regra, não participam da organização das eleições e não fazem auditoria de processo eleitoral”, explica.