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08/12/2021Por Frederico Rafael Martins de Almeida e Marcelo Ramos Peregrino Ferreira
Em 21 de novembro deste ano ocorreram as eleições presidenciais do Chile e a Conferência Americana dos Organismos Eleitorais Subnacionais (Caoeste) e a Transparencia Electoral America Latina, entidade que há mais de dez anos atua na região, lograram levar uma grande delegação após um chamamento público na Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Partidário (Abradep) e no Colégio Permanente dos Juristas da Justiça Eleitoral (Copeje). Pela primeira vez, todos aqueles integrantes dessas importantes associações puderam participar de uma missão de observação eleitoral internacional (MOE).
A Caoeste e Transparencia Electoral América Latina atuam por meio da capacitação, publicações de livros, artigos e também pela realização de missões internacionais de observação (MOE). Só este ano houve a participação nas eleições do Equador, El Salvador, Bolívia, Chile, Peru, Mexico Chile, Argentina e Honduras. Tudo isso para permitir um intercâmbio para facilitar o diálogo e a interação com vistas à troca de experiências e conhecimento das práticas eleitorais.
Deve ser destacada a MOE de Petrolândia (SC) de 2021, primeira observação eleitoral feita por uma delegação internacional em uma eleição municipal suplementar e que concorre a um importante prêmio internacional da Rede Mundial da Justiça Eleitoral (1).
As missões de observação eleitoral são uma tradição do sistema internacional de proteção dos direitos humanos e servem como um olhar externo sobre os processos internos.
A Carta Democrática Interamericana da OEA tem um capítulo próprio sobre a democracia e as missões de observação eleitoral. Os países — pelo menos aqueles integrantes da OEA e da ONU — têm a obrigação internacional de organização, realização e garantia de processos eleitorais livres e justos.
E as missões vêm se organizando desde a década de 60 em um conceito bastante indefinido com um caráter simbólico. As missões na década de 80 assumem uma importância enorme, em razão de acompanharem os processos de transição democrática de muitos países e incluíram aí uma análise mais aprofundada dos diversos temas eleitorais. Desde a década de 90, as missões internacionais tem se tornado mais comum e o esforço agora é de institucionalizar e criar standards de atuação dos organismos eleitorais em geral. A obediência a esses standards e à jurisprudência sobre os direitos políticos do sistema interamericano ajuda a aumentar a confiança dos cidadãos na sua democracia.
Desse modo, juízes, advogados e servidores da Justiça Eleitoral puderam participar da observação internacional das eleições em meio a um processo constituinte, fruto de uma grande concertação nacional após a conflagração popular de 2019 conhecido como o “Estallido Social”.
O Chile passa por um momento de intensa polarização política com candidatos que espelham os extremos do espectro político. De um lado, José Antônio Kast, líder do movimento intitulado Ação Republicana e, de outro, Gabriel Boric, cujas biografias assinalam com ajuste dois projetos de governo para o povo chileno muito pouco coincidentes.
Os eventos violentos de 2019 permitem explicar o sucesso das candidaturas. Se José Antônio Kast fincou pé na defesa da lei e da ordem repelindo a destruição da propriedade com a forças do movimento popular, provendo a ideia de “menos impostos, menos governo, pró vida” (2), Gabriel Boric, membro da Câmara dos Deputados integrante do movimento “Apruebo Dignidad”, sempre esteve ao lado dos estudantes, na posição de Pres. da Federação dos Estudantes Chilenos. Seu projeto de governo incorpora um novo modelo de política social com destaque para a garantia da igualdade e inclusão social e uma pensão básica universal (3).
Nesse redemoinho pululam ainda dúvidas sobre o andamento do processo constituinte aprovado em plebiscito com 78% dos votos de aproximadamente metade dos eleitores chilenos. Teme-se que vencendo um candidato conservador, a maioria independente e mais à esquerda dos constituintes, venha a promover alterações mais amplas que o já permitido pelo plebiscito.
Essa dualidade ideológica foi sentida pelos observadores nas riquíssimas visitas realizadas. O Ministro Jaime Bellolio Avaria abriu o Palácio de La Moeda para debater livremente com a delegação brasileira os meandros da política chilena, bem assim as minúcias de seu processo eleitoral. No encontro com o Embaixador brasileiro Paulo Pacheco a MOE pode aprender a importância da relação comercial Brasil e Chile e atentar-se para os diferentes cenários da eleição. Há 30 anos servindo seu país a preleção do embaixador foi muito relevante para a compreensão de que o Brasil está inserido na região e qualquer eleição é sempre vista com muita expectativa pela diplomacia nacional. O primeiro governador eleito de Santiago Claudio Urrego recebeu a missão na sede do governo metropolitano e pode dar o seu testemunho das intensas mudanças ocorridas no país nos últimos anos. Dentre as atividades mais acadêmicas a delegação foi recebida na Universidad del Desarollo – UDD, cujo campus encravado na cordilheira em Las Condes dá relevo estético à qualidade acadêmica da universidade, para um debate com dois deputados Ruggero Cozzi Elzo, constituinte do Distrito 6 de Valparaiso e Constanza Hube, constituinte Distrito 11 e Gabriel Ortiz, investigador da Ong Espaço Público na Jornada de Ciência Política da Escola de Governo da UDD.
As eleições no Chile são organizadas pelo Servicio Electoral del Chile, chamado de SERVEL, que é órgão autônomo, criado pelo artigo 23 do Decreto Lei nº 343 em 17 de março de 1925 com o nome de Conservador del Registro Electoral e, atualmente, previsto na constituição e regulado Lei Orgânica Constitucional do Registro Eleitoral e do Serviço Eleitoral (Lei nº 18.556).
O órgão é composto por um conselho diretivo composto por cinco conselheiros que são indicados pelo Presidente da República, após a aprovação por dois terços dos membros do Senado.
Dentre as atribuições estão atividades administrativas de gerenciamento do registro e cadastro eleitoral, a fiscalização das receitas e despesas das campanhas eleitorais, nomeação dos membros das juntas eleitorais, estabelecimento de medidas de garantia da acessibilidade ao voto e supervisionar a organização e finalização dos processos eleitorais.
Para isso a SERVEL conta com direções regionais que exercem atividades permanentes de forma presencial em escritórios próprios ou de forma online, inclusive com atendimento a eleitores no exterior.
Dentre alguns aspectos específicos destaca-se a forma como os chilenos organizam a eleição para garantir o acesso ao voto a pessoas com deficiências visuais ou mobilidade reduzida visto que se utilizam cédulas eleitorais de papel.
Em todos os locais de votação há uma câmara secreta (cabine de votação), com a inscrição “Voto Assistido” devidamente posicionada nos locais de mais fácil acesso do ambiente. Neste formato, o eleitor ou eleitora que tenha dificuldade visual, por exemplo, podem anotar seu voto com a ajuda de uma pessoa de sua confiança previamente autorizada pelo presidente da mesa.
Em alguns locais visitados também foi possível observar que existem cadeiras de rodas disponibilizadas pelo SERVEL, pois nem todos os locais possuíam acessibilidade suficiente ou, ainda, seções eleitorais em andares superiores.
Para os trabalhos as juntas eleitorais são nomeados cinco vocales (mesários) cuja responsabilidade é a organização da seção eleitoral e, ao final, totalizar os votos da sua mesa e encaminhar o resultado para o serviço eleitoral.
O trabalho dos vocales é obrigatório. Uma vez nomeado somente pode ser dispensado em caso específicos. É interessante que os vocales são remunerados em CPL 20.000 (vinte mil pesos chilenos) o que equivale a R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) e um bônus de CPL 6.900 (seis mil e novecentos pesos chilenos) aos que forem aos treinamentos presenciais. O pagamento desse valor é feito por depósito bancários ou saque posterior no Banco Estado, sendo cada um responsável por sua própria alimentação no dia das eleições.
O comparecimento é uma obrigação prevista em lei e a falta é considerada gravíssima gerando multas que podem chegar a CPL 442.000 (quatrocentos e quarenta e dois mil pesos chilenos) o que equivale a quase R$ 3.000,00 (três mil reais) o que explica o baixo índice de ausência.
As atividades dos vocales, diferente do Brasil, inicia na véspera das eleições (sábado) onde todos os membros da mesa devem comparecer em suas respectivas seções eleitorais para que escolham, entre si, o presidente, secretário e comissários. O resultado é anotado em ata e informando, pelo site da SERVEL ou diretamente ao supervisor do local os comparecimentos e resultados.
No sábado, também, os representantes do SERVEL fazem o treinamento presencial de todos os mesários que desejarem, aos que estão indo pela primeira vez (esses recebem o bônus de CPL 6.900 por participar) ou que não tiveram acesso ao sistema online.
No dia das eleições os vocales devem chegar as 7h30 da manhã e se dirigir aos representantes do SERVEL que fará a distribuição de todo o material, formulários e cédulas de votação. Segundo informações colhidas na MOE, ainda cabe aos membros da mesa proceder a prévia dobradura das cédulas eleitorais (que são enormes) para facilitar a finalização do voto.
As urnas eleitorais devem ser posicionadas na ordem legal (formato é muito parecido com caixas organizadoras transparentes vendidas em papelarias do Brasil), e é iniciada a votação.
A eleição se desenvolve das 8h até 18h e cada eleitor deve levar sua própria caneta, opção escolhida em razão da situação pandêmica.
Na identificação do eleitor se utilizam documentos pessoais e um caderno de votação emitido pelo serviço eleitoral e uma peculiaridade interessante é que, existindo alguma dúvida, em cada local de votação existirá a figura do um experto de identificación (especialista em identificação) que é capacitado e legitimado para decidir as controvérsias.
A finalização deve ocorrer ao se verificar que, após as 18h, não existem mais eleitores no local aptos a votar e será declarada pelo presidente da mesa anotando na ata o horário de fechamento.
Após os procedimentos finais, a mesa faz a apuração dos votos em ato contínuo de forma pública, garantindo aos fiscais e demais presentes a observação dos trabalhos de contagem.
A contagem é feita por urna de votação, com a abertura das cédulas, sua demonstração aos presentes, a vocalização do voto dado e anotação em ata específica, podendo objeções serem apresentadas pelos fiscais presentes.
Ao encerrar a apuração são geradas três atas com os resultados que são acondicionadas em envelopes devidamente lacrados.
O primeiro envelope é entregue para um representante do sistema de correio oficial do Chile recrutado para cada local de votação e enviado ao chamado Tribunal Calificador de Elecciones. O segundo envelope é encaminhado ao representante do SERVEL. E o terceiro envelope enviado ao representante da Junta Electoral. Um último documento é uma espécie de resumo do resultado (minuta de resultados) que deve ser preenchido e assinado por todos e pode será fotografado pelos presentes que desejarem.
Por fim, o Servicio Electoral de Chile, também contrata pessoas para que, enquanto os votos são apurados e finalizados, fazem a limpeza e organização de todo o local de votação. Durante as vistas em uma escola, onde se pode acompanhar todo o processo verificou-se que é tudo muito rápido.
O dia da votação contou com a presença da missão em alguns pontos de votação e o acompanhamento direto da apuração que se dá pela mesma mesa receptora de votos. As cédulas diferentes são para cada cargo sufragado e devem ser dobradas de uma maneira muito específica o que consome uma média de 8 minutos por voto. As urnas, uma para cada cargo, são de plástico transparentes e ficam na mesa de votação, sob os olhos de todos.
A fraude eleitoral, a boca de urna, cassações de mandato não são preocupações do povo chileno que veem com curiosidade e alguma estranheza o universo eleitoral brasileiro.
A MOE pode observar e se enriquecer com a diversidade cultural e o universo eleitoral chileno, sendo importante levar em conta que as realidades chilenas e brasileiras são muito diversas, desde o número de eleitores, histórico de fraudes até o tamanho do território nacional e que cada país tem sua própria cultura e passado histórico a basear suas escolhas.
NOTAS
1 Red_Mundial (te.gob.mx)
2 O projeto de José Antônio Kast pode ser encontrado no seguinte site e se intitula “Atrévete Chile”: Programa de Gobierno José Antonio Kast 2022 pdf (descargar) (programagobiernokast2022.blogspot.com) Acesso em 19. nov. 2021
3 Gabriel Boric pode ser melhor compreendido por suas “propuestas para um nuevo Chile – câmbios para vivier mejor”: Propuesta Programática | Boric Presidente Acesso em 19. nov. 2021