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O ultradireitista Javier Milei, que se define como um “anarcocapitalista”, é o novo presidente da Argentina. O radical de extrema direita com postura agressiva e histriônica superou o peronista Sergio Massa e saiu vitorioso da eleição deste domingo (19), conquistando 55,69% dos votos válidos.
O futuro dos argentinos, agora, é incerto, visto que Milei se elegeu, em um país que sofre com uma severa crise econômica, com propostas absurdas, entre elas a extinção do Banco Central Argentino, a dolarização completa do país, o fim de diversos ministérios, inclusive do bem-estar social, além do fim dos planos de assistência para os mais pobres.
“El Loco”, como é conhecido o presidente eleito, se assemelha a Jair Bolsonaro nos ataques às instituições e revisionismo histórico da ditadura militar argentina. Além disso, o radical pretende acabar com toda e qualquer empresa e intervenção estatal, propondo privatizar absolutamente tudo – inclusive o oceano que banha seu país.
Quais os impactos da eleição de Milei para a democracia?
Em entrevista à Fórum, o advogado Guilherme Gonçalves, especialista nas áreas de Direito Eleitoral e Direito Público, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), avaliou que a eleição de Javier Milei na Argentina tende a produzir um “efeito de retrocesso nas instituições democráticas”.
“A eleição de Javier Milei, se o recém-eleito transformar em atos sua retórica agressiva de campanha, tende a produzir um efeito de retrocesso nas instituições democráticas argentinas, inclusive com um revisionismo das penas dos militares condenados pelas atrocidades da Ditadura Militar, bem como de uma mitigação desse passado triste”.
Entre outras propostas polêmicas de Milei, está retirar a Argentina do Mercosul. Para Guilherme Gonçalves, caso Milei leve a cabo sua promessa, haverá um “retrocesso nas relações de integração regional, em especial com países como Brasil e Chile”.
Adequação de discurso
O advogado Guilherme Gonçalves chama atenção para o fato de que Milei, em seu seu pronunciamento logo após confirmada a vitória nas urnas, já sinalizou uma adequação do discurso.
“Temos problemas monumentais pela frente: inflação, estagnação, falta de emprego genuíno, precariedade, pobreza e miséria. A solução é abraçar as ideias de liberdade. Nosso compromisso é com o livre comércio, a democracia e a paz”, disse o presidente eleito.
Ao contrário do Milei da campanha eleitoral, o novo mandatário argentino não mencionou no pronunciamento a saída do Mercosul, o fim do Banco Central e outras ideias radicais que defendeu ao longo do pleito.
A resposta para o tom mais ameno parece obvia: o ultradireitista não possui maioria no Congresso argentino, que ainda conta com grande presença dos peronistas. O grupo da coalizão de Milei, o “A Liberdade Avança”, não tem nem um terço do total de 257 cadeiras de deputado e 72 de senadores que compõem o legislativo.
Para o membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, este cenário fará com que Milei tenha dificuldades para concretizar seus planos.
“Como demonstrou em seu discurso logo após o anúncio da vitória, e considerando a solidez das instituições argentinas e o cenário de pouco apoio parlamentar que encontrará no Congresso Argentino, penso que essa retórica meio tresloucada tende a não se converter em atos de governo – a exemplo da extinção do Banco Central”, diz o especialista.
“Anarcocapitalismo” e impeachment
Javier Milei é o primeiro líder político no poder autodeclarado “anarcocapitalista”. Essa ideologia, originada por Murray Rothbard, ganhou popularidade na internet, especialmente em círculos de extrema direita, encontrando seu caminho para o mainstream com a ascensão do presidente eleito argentino.
O “anarcocapitalismo” propõe, principalmente, a eliminação total do Estado, favorecendo um sistema baseado em propriedade privada, livre concorrência e autodeterminação individual. Defende ainda a ausência de regulamentação governamental na economia, confiando que o livre mercado e a ética do consumidor podem regular a sociedade.
Além de defender a privatização total, anarcocapitalistas propõem, entre outros absurdos, a venda de órgãos, filhos e outros direitos, apoiando a autorregulação completa do mercado.
Apesar de seu apelo em certos setores online, o “anarcocapitalismo” carece de aceitação no mundo acadêmico e é visto com ceticismo mesmo pelos economistas liberais mais radicais.
Para o especialista em Direito Eleitoral e Político Guilherme Gonçalves, a correlação de forças no Congresso argentino deve frear o avanço das loucuras propostas por Milei e forçar uma situação parecida com a que foi observada no Brasil no governo de Jair Bolsonaro.
O especialista ressalta, contudo, que se Milei insistir em sua retórica “anarcocapitalista”, pode sofrer um processo de impeachment e não terminar o mandato.
“Devemos ter uma repetição do que vimos com Bolsonaro no Brasil – mas, diferente daqui, lá não há um centro que se adapta às loucuras do mandatário. Assim, se de fato insistir na sua retórica incendiária e anarcocapitalista, Milei enfrentará uma forte reação da sociedade civil e das instituições democráticas argentinas, que podem até mesmo levá-lo ao impeachment”.