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23/10/2023Para garantir a razoável duração do processo, a Justiça Eleitoral pode julgar de forma conjunta as ações que tenham similitude da tese jurídica suscitada, ainda que digam respeito a fatos
A posição inovadora foi admitida pelo Tribunal Superior Eleitoral, que na terça-feira (17/10) julgou improcedentes três ações de investigação eleitoral judicial (Aijes) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo uso de bens públicos para promover lives e eventos eleitorais transmitidos.
Duas das ações foram ajuizadas pelo PDT para contestar lives feitas no Palácio da Alvorada. A terceira Aije é da Coligação Brasil da Esperança, que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e contestou a transmissão online de entrevistas e de um jantar oferecido por Bolsonaro durante a campanha.
Elas foram aglutinadas pelo ministro Benedito Gonçalves, que, na condição de corregedor da Justiça Eleitoral, é obrigatoriamente o relator das Aijes da campanha presidencial. Ele identificou nas ações uma questão jurídica relevante que permitiu o julgamento conjunto:
Saber se, à luz do artigo 73, inciso I e parágrafo 2º da Lei 9.504/1997, a residência oficial da presidência da República (Palácio da Alvorada) e a sede do governo federal (Palácio do Planalto) podem ser usados para realização de lives eleitorais e de outros atos transmitidos por veículos de comunicação, inclusive pela internet”.
Houve contestação da defesa de Bolsonaro durante a tramitação da ação e no julgamento. O advogado Tarcísio Vieira de Carvalho classificou o rito adotado pelo relator como anômalo e defendeu que não há amparo para reunião de processos por similitude jurídica.
Ele apontou que a fusão de processos desiguais compromete o contraditório e a ampla defesa, além de gerar desequilíbrio em desfavor da parte alvo da ação. E indagou: há equilíbrio de forças quando o ataque se dá em separado e a defesa é feita em bloco?
“A defesa exercida em bloco é menos contundente. Promove-se a indevida hipertrofia do volume de matérias em exame e a deterioração da argumentos e de provas. A atividade judicante, em vez de minuciosa, tem hiperfoco no exame massificado, vulgarizado de todos os fatos e argumentos”, disse o advogado.
Melhor julgar logo
Ao votar, Benedito Gonçalves afirmou que a adoção de técnicas que tragam mais dinamismo aos julgamentos não vulgariza fatos e argumentos. E destacou que o artigo 97-A da Lei das Eleições prevê que as Aijes sejam julgadas em até um ano após sua apresentação.
A missão, de fato, não é simples. O TSE recebeu 34 ações referentes à campanha presidencial de 2022 e extinguiu 12 sem resolução do mérito. Restaram 22, entre as quais apenas um havia sido julgada até então, com a condenação de Bolsonaro por abuso de poder político.
O relator ainda rebateu a ofensa ao artigo 96-B da Lei das Eleições, segundo o qual serão reunidas para julgamento as ações eleitorais propostas por partes diversas sobre o mesmo fato.
“Esse artigo não é nem mesmo a única hipótese de conexão fática aplicável a ações eleitorais, quanto menos é capaz de esgotar o universo de possibilidade de fazer gestão processual com vistas à maior eficiência e proveito de debates colegiados”, destacou.
Na sustentação oral, a defesa de Bolsonaro apontou para seletividade na escolha das ações a serem julgadas em conjunto. E indagou por que não acrescentar ao pacote a Aije contra Lula que trata do possível showmício transmitido pela internet com execução ao vivo de jingle.
O relator rebateu dizendo que a ação versa sobre abuso de poder econômico e não faz referência ao uso de bens públicos pelo candidato. Ele considerou o requerimento incompatível e difícil de sustentar à luz da boa-fé processual que se espera das partes.
Ao fim e ao cabo, mesmo o julgamento conjunto foi mitigado. O relator apresentou diretrizes comuns que guiariam os votos nas três ações, mas elas foram julgadas de forma subsequente, uma após a outra, com votos específicos e separados de todos os membros.
Celeridade que vale a pena
Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Rubens Beçak, o TSE inova ao entender que ações que dizem respeito a fatos, dias e momentos diferentes podem ser julgadas de uma só vez, abrindo o risco de prejuízos ao direito de defesa.
Em sua análise, o tribunal vem costurando uma série de entendimentos para dar economicidade no julgamento dessas Aijes. Por isso, pretendem julgar de uma vez só do que ficar delongando o tema. “Seria mais fácil seguir o entendimento da lei eleitoral de julgar cada uma delas no seu devido momento.”
O eleitoralista Mauro Prezotto, que é membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep), entende que a reunião de ações por similitude jurídica é juridicamente inviável, conclusão que inclusive é amparada em diversos precedentes do próprio TSE.
Ele analisa que, do ponto de vista da atuação da defesa técnica, há prejuízo na formulação das teses, que precisa abordar fatos distintos. Isso compromete a definição de estratégias, inclusive processuais, que podem sofrer restrições dada essa multiplicidade de fatos.
“Dessa indevida reunião de processos resta a disparidade de armas, porquanto, em cada processo uma parte autora distinta se debruça sobre um só fato, enquanto a defesa haverá de abordá-los de forma conjunta”, diz. “Celeridade processual e economicidade não pode ser aplicada em prejuízo à defesa”, complementa.
Já o advogado Carlos Gonçalves Junior, também membro da Abradep, apoia a iniciativa do TSE. Para ele, embora os fatos sejam diversos, podem ser analisados conjuntamente porque são também contemporâneos, análogos e contêm o mesmo fundamento jurídico.
“O fato de as ações serem reunidas não implica em violação à ampla defesa e ao contraditório. Desde que garantido o devido processo legal e a ampla oportunidade de defesa a todos os fatos, não vejo problemas. Muito pelo contrário, favorece tanto o réu quanto a sociedade, pois garante uma jurisdição mais célere”, avalia.