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27/10/2023O julgamento da ação contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por abusos que teriam sido cometidos por meio do uso de links patrocinados na internet durante a campanha de 2022 acendeu um sinal de alerta no Tribunal Superior Eleitoral.
Ele decorre das descobertas feitas a partir das informações fornecidas pelo Google referentes às contratações em sua ferramenta Google Ads para impulsionamento de conteúdo eleitoral. Indícios de ilícitos fizeram os ministros alertarem para a necessidade de maior regulamentação do tema.
A ação de investigação judicial eleitoral (Aije) foi ajuizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contra seu adversário para apontar abuso de poder consistente no uso de propaganda paga para omitir páginas eleitoralmente inconvenientes, em favor de conteúdos positivos para Lula.
Quem digitou “Lula condenação”, “Lula Sergio Moro” ou “Lula corrupção” recebeu como primeiras respostas links com “Lula foi absolvido — a farsa da Prisão de Lula”, “Lula foi absolvido — a inocência de Lula” e “Processos que Lula ganhou”.
Para mensurar o impacto global da campanha, os advogados de Bolsonaro pediram ao TSE para obrigar o Google a fornecer informações de todas as contratações feitas por Lula na plataforma Ads, mesmo aquelas sem qualquer indício de irregularidade.
Relator da matéria, o ministro Benedito Gonçalves concordou. Ele entendeu que esses dados seriam necessários para mostrar o contexto em que o anúncio reputado ilícito foi publicado, mas concluiu que, para ser completa, a diligência deveria ser capaz de demonstrar o uso normal do Google Ads.
Com isso, determinou ao Google o fornecimento de informações completas das contratações feitas por ambas as campanhas. As mais de 200 páginas de planilhas apresentadas pela empresa mostraram indícios de uso irregular da ferramenta na corrida eleitoral do ano passado.
Esses potenciais ilícitos não puderam ser analisados na Aije julgada porque não constaram da petição inicial ou da causa de pedir, mas levaram quatro dos sete ministros do TSE a defender a regulamentação do tema, para orientar candidatos e partidos a partir das eleições de 2024.
Indícios veementes
O impulsionamento de conteúdo eleitoral em sites de busca é lícito, como prevê o artigo 26, parágrafo 2º, da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997). Por sua vez, o artigo 57-B, parágrafo 3º, veda links patrocinados para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral.
No TSE, a jurisprudência se firmou, por maioria apertada de votos, pela regularidade dos links patrocinados até quando a palavra-chave usada é o nome do adversário nas urnas, desde que o objetivo não seja impulsionar propaganda negativa.
As informações passadas pelo Google sobre as eleições de 2022 mostraram que essa posição foi, possivelmente, desrespeitada tanto pela campanha de Lula quanto pela de Bolsonaro.
A defesa do ex-presidente, feita pelo advogado Tarcísio Vieira de Carvalho, levou aos autos a existência de um grupo de anúncios contratados pela campanha petista de nome “Bolsonaro Pedófilo”, em referência a um episódio do ex-presidente com meninas venezuelanas. Quem buscasse por “Lula ou Bolsonaro” poderia receber informações sobre o caso.
Ao TSE, o advogado da campanha petista, Miguel Felipe Pimentel Novaes, apontou que o termo que consta nas planilhas é um dado interno usado para identificar a campanha. Assim, não teria interferência nas palavras-chave relacionadas ou nas URLs objetos de impulsionamento. “A campanha de Lula jamais chamou Bolsonaro de pedófilo”, disse o advogado. “Trata-se de um fato jurídico irrelevante”, complementou.
Por outro lado, o voto do ministro Benedito Gonçalves citou que os advogados de Lula identificaram nos dados do Google Ads 11 palavras-chave contratadas pela campanha bolsonarista usando o nome de Lula ou do PT para difundir propaganda negativa.
“Não é nada louvável que as campanhas tenham se usado da ferramenta Google Ads para impulsionar conteúdos negativos contra adversários”, afirmou o relator. Ainda assim, a conclusão foi que, apesar dos indícios, não houve distorção no uso do Google Ads.
Melhor regulamentar
Primeiro a votar após o relator, o ministro Raul Araújo afirmou que o uso de links patrocinados como no caso aponta para uma manipulação normalizada, que busca conduzir ao primeiro plano das buscas um conteúdo que, organicamente, não alcançaria o eleitor.
“Tem potencial de afetar as eleições e merece um estudo da nossa corte, para a edição de uma resolução específica acerca do tema, norma cuja inexistência também é um fator que impede o julgamento de procedência da demanda”, alertou o magistrado.
O ministro Kassio Nunes Marques também apontou para indícios de que algumas informações foram plantadas por meio do uso de links patrocinados. “Não temos mecanismos ainda eficientes para ter acesso aos termos dos contratos de impulsionamento.”
“A questão importante que temos de regulamentar é a do impulsionamento. O fato de você pesquisar por um candidato e, ao clicar, receber informação de outro, você está desvirtuando a vontade do eleitor”, criticou o ministro Alexandre de Moraes.
“É como se alguém procurasse um produto que pudesse ser vendido, como um remédio, e essa busca te remetesse a outro completamente diferente e que pode levar ao seu adoecimento”, comparou a ministra Cármen Lúcia, ao concordar com o presidente do TSE.
Alexandre, então, destacou que, na seara do Direito Privado, o uso de dados do adversário como palavra-chave para impulsionamento de conteúdo é considerado concorrência parasitária. Ele próprio já defendeu essa conduta como “estelionato eleitoral”.
Desvio de atenção
Para o advogado Alexandre Rollo, que atuou em um dos paradigmas julgados pelo TSE, a regulamentação existente sobre o uso de links patrocinados eleitorais é ainda insuficiente para conter os abusos. Segundo ele, é importante que a corte se debruce com vagar sobre o tema.
“Isso causa o chamado desvio de atenção do internauta. Ele busca uma coisa e o Google direciona para outra por conta do pagamento. É a compra de palavras-chave que faz com que haja esse desvio de atenção”, alertou ele.
Já Adriano Alves, advogado que é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), diz que, apesar de vivermos em um mundo onde a desinformação precisa ser enfraquecida, não são os links patrocinados que vão mudar a opinião do eleitor. Para ele, já existe um excesso de regramento de Direito Eleitoral no Brasil.
“É lógico que a utilização de palavras na busca de redes de pesquisa que tenham certa referência ao candidato adversário, à luz do Direito Privado, não parece algo moralmente legal. Não obstante, não pode ser considerado abuso, haja vista as consequências de eventual condenação, pois pode levar à cassação de mandato”, alertou ele.
Também membro da Abradep, Anne Cabral destaca que essa discussão é estratégica para a Justiça Eleitoral, pois pode contribuir para a coibição das fake news e dos discursos de ódio nas campanhas. Ainda assim, ela defende o uso máximo da comunicação para a apresentação das ideias de campanha.
“O precedente da eleição de 2018 que foi julgado em 2020, e discutiu sobre a licitude do nome de candidato adversário como palavra-chave, assentou justamente essas premissas e não se restringia a propaganda eleitoral, nem se tratava de propaganda negativa. Assim, não há fundamento legal para a ilicitude.”
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