Apesar de estar em discussão desde 2018 na Câmara, o tema ganhou maior notoriedade em 2023: 56% dos projetos de lei sobre o assunto foram apresentados no ano passado. No Senado, 40% das matérias sobre IA foram protocoladas em 2023.
No fim de 2023, ambos demonstraram preocupação com o impacto da inteligência artificial na produção de fake news nas eleições deste ano. Um dos exemplos debatidos é o compartilhamento do chamado deepfake, técnica que consiste na criação de conteúdos não reais, em áudio e imagens. O recurso pode, por exemplo, criar vídeos falsos com pessoas públicas falando coisas que não foram realmente ditas por elas.
No ano passado, Lira chegou a manifestar a intenção de aprovar um texto sobre o assunto, antes mesmo que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) crie regras sobre o tema por meio de resolução.
O presidente da Câmara, no entanto, reconhece que o assunto é sensível. Como apurou o Metrópoles, Lira teme que a pauta encontre resistência de algumas bancadas do Congresso, assim como ocorreu com o chamado PL das Fake News em 2023.
O texto regulamenta a atuação de plataformas digitais e sites de mensagens instantâneas sobre a retirada de conteúdo falso das redes sociais. O projeto, que tem relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), enfrentou resistência da bancada evangélica. Os parlamentares afirmam que o texto acaba com a “liberdade de expressão” nas redes sociais.
Comissão do Senado quer criar marco regulatório
Em funcionamento desde agosto, a Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA) atuaria inicialmente por 120 dias, mas foi prorrogada até abril. Com presidência do senador Carlos Viana (Podemos-MG) e relatoria do senador Eduardo Gomes (PL-TO), o colegiado pretende definir um marco regulatório para a tecnologia.
“Sobre inteligência artificial, a pressa é absolutamente ineficiente e ineficaz”, explica Gomes ao Metrópoles, que ressalta a dificuldade em criar uma legislação “viva”, que acompanhe as mudanças, também no resto do mundo, em locais como a União Europeia e os Estados Unidos.
O senador acredita que alguns pontos importantes possam ser regulamentados antes das eleições municipais, como a identificação da origem dos conteúdos e a validação destes. “Uma espécie de marca-d’água, é algo que também é discutido. É uma identificação, para que você tenha um campo de debate mais seguro”, pontua.
Discussão tardia
Em entrevista ao Metrópoles, o coordenador-geral adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Bruno de Souza, ressaltou que a discussão sobre inteligência artificial no Congresso ocorre há alguns anos, mas admitiu que o debate pode estar atrasado caso as eleições de 2024 sejam levadas em consideração.
De acordo com a Constituição, normas que alteram o processo eleitoral devem ser aprovadas em um prazo de um ano de antecedência ao pleito.
“Claro que podem existir argumentos de que regular a inteligência artificial não altera o processo eleitoral e, portanto, a norma poderia ser expedida a qualquer tempo. Contudo, ainda que essa seja uma interpretação possível, fato é que não haverá segurança jurídica para partidos e candidatos utilizarem essa tecnologia nas campanhas”, afirma Bruno.
O coordenador da Abradep pontuou que, ao legislar sobre o assunto, o Congresso Nacional deve se atentar à responsabilização das empresas que produzem tecnologias de inteligência artificial.
“Essas empresas, caso identifiquem que suas ferramentas estejam sendo utilizadas para finalidades que enfraqueçam o regime democrático, devem realizar procedimentos para correções que bloqueiem, ou ao menos dificultem, esse desvio de utilização”, afirmou. Ele também destacou a importância da transparência e do seguimento padrões éticos no uso da IA.
TSE propõe audiência
Na última quinta-feira (4/1), o TSE divulgou a minuta de uma norma para atualizar a resolução sobre propaganda eleitoral. O texto pretende disciplinar o uso de inteligência artificial no pleito deste ano, como tentativa de barrar conteúdos falsos.
A minuta prevê que será necessário explicitar, de forma destacada, que o conteúdo foi “fabricado ou manipulado e qual tecnologia foi utilizada”. Também será proibido utilizar conteúdo manipulado pelas plataformas com informações “sabidamente inverídicas ou gravemente descontextualizadas”.
Conteúdos criados, parcial ou integralmente, “por meio do uso de tecnologias digitais para criar, substituir, omitir, mesclar, alterar a velocidade, ou sobrepor imagens ou sons, incluindo tecnologias de inteligência artificial, deve ser acompanhada de informação explícita e destacada de que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e qual tecnologia foi utilizada”, explicita o texto.
As propostas ainda serão discutidas em audiências públicas entre os dias 23 e 25 de janeiro, e depois precisam ser aprovadas pelo plenário da Corte Eleitoral.
A minuta prevê reclusão de 2 meses a 1 ano pela produção, pelo oferecimento ou pela venda de vídeos adulterados. A pena pode ser aumentada em casos específicos, como crimes cometidos pelas redes sociais ou que promovam discriminação contra mulheres.
Migalhas.