Por que mulheres não devem aceitar ser candidatas para ‘ajudar o partido’
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15/01/2024Por Guilherme Barcelos
O Rio Grande do Sul, chamado por muitos de “Esparta brasileira”, conviveu ao longo da sua história com diversos conflitos armados. Desde os portugueses e os espanhóis. Passando pelo período imperial e a Revolução Farroupilha. Até à chegada da República, que dividiu ao meio a “Província de São Pedro” já com a Revolução de 1893, a mesma “Guerra da Degola”. Neste conflito estiveram frente a frente duas grandes forças políticas da época, os Republicanos, de Julio de Castilhos, e os Federalistas, de Gaspar Silveira Martins. O conflito, demasiado sangrento que foi, se encerraria em 1895, com aproximadas 10 mil mortes. Porém, as feridas ainda ficariam abertas — as escaramuças revolucionárias foram tensas e intensas, pois.
Daí em diante teríamos pleitos marcados por ânimos exaltados. E o antagonismo/polarização seguiria sendo a tônica. Em 1922, tivemos a eleição de Borges de Medeiros ao governo, aquela que seria a quinta — vejam que um dos pressupostos da República, ou seja, a alternância de poder, era gênero escasso naquela quadra da história, como que a materializar uma espécie de “trono republicano” no Estado. As eleições de 1907, vencidas por Borges, já haviam apresentado concreta agitação. Nas demais ele havia sido candidato isolado. E a agitação voltaria à cena política rio-grandense no pleito de 22. Daí em diante o “caldo esquentaria” sobremaneira.
Falaremos, então, deste escrutínio e das suas consequências, até o Pacto de Pedras Altas, que completou, semana passada, 100 anos. Daremos ênfase em duas das suas cláusulas. E, de mais a mais, citaremos, também, um evento comemorativo realizado sob os auspícios do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), assim como o lançamento de uma em homenagem a Joaquim Francisco de Assis Brasil, o patrono da Justiça Eleitoral brasileira.
As eleições de 1922 no RS e a guerra civil daí derivada
A disputa eleitoral de 1922 foi polarizada entre o candidato à reeleição, Borges de Medeiros, e Joaquim Francisco de Assis Brasil. Já as eleições sempre haviam sido marcadas por fraudes ou manipulações de toda ordem. Neste processo eleitoral não foi diferente. E, tão logo declarada a vitória de Borges, o Rio Grande do Sul se viu imerso no pipocar de movimentos revoltosos espalhados pelo interior do Estado, onde os assisistas não aceitavam, com as suas razões, o resultado da contenda. O apelo às armas foi inevitável. Eclodiria, então, a “Revolução Libertadora”, de 1923.
O movimento armado durou 11 meses e, embora não tenha tido as dimensões humanas da guerra de 1893, carregou consequências políticas, quiçá, mais impactantes, tendo aberto o caminho, dentre outras coisas, para a Revolução de 1930 e para a criação da Justiça Eleitoral brasileira, com o Código Eleitoral de 1932, fato específico que iremos desenvolver mais à fundo nos tópicos seguintes.
Transcorridos os 11 meses de peleja, a paz seria selada na região do pampa gaúcho, a partir do famoso Pacto de Pedras Altas. O Tratado de Paz, composto por dez cláusulas de comprometimento mútuo, foi assinado em 14 de dezembro de 1923), pondo fim à revolta e pacificando o Rio Grande do Sul. O pacto, como se sabe, tem esse nome por conta do local onde foi celebrado, o majestoso castelo pertencente até então por Assis Brasil, em Pedras Altas-RS, onde estivemos presencialmente há cerca de duas semanas.
O Pacto de Pedras
Tratou-se, por oportuno, do acordo de paz, selado nos dias 14 e 15 de dezembro de 1923. A assinatura, por parte de Assis Brasil, se deu a 14 de dezembro daquele ano, no Castelo de Pedras Altas-RS. Já em 15 de dezembro do mesmo ano Borges de Medeiros assinaria a avença a partir do Palácio Piratini, em Porto Alegre-RS, sede do governo estadual. Cem anos se passaram.
Foram dez as cláusulas do Tratado de Pacificação do Castelo de Pedras Altas — esse é o título completo atribuído ao acordo. Dentre as quais duas delas despontam como especiais, isto é, as cláusulas segunda e terceira. Aquela previu a adaptação às eleições estaduais e municipais da legislação eleitoral federal. E esta uma disposição que conceda à justiça ordinária a atribuição de julgar os recursos referentes às eleições municipais. Por essas e outras, portanto, afirmamos: está aqui, a partir do Pampa gaúcho, a raiz do Código Eleitoral e da Justiça Eleitoral. São, ambos, frutos do RS, da guerra e da paz. De um conflito pegado, de gaúcho contra gaúcho. E do brilho de um notável, sobretudo: o mesmo Joaquim Francisco de Assis Brasil, o pai do Código e da Justiça Eleitoral pátrios, fatos, pois, induvidosos.
A guerra civil de 1923, é bom que se diga, foi o último conflito armado que dividiu o Estado. A partir dali, Borges de Medeiros passaria o bastão para Getúlio Vargas, eleito presidente do Estado (governador) em 1928. Chegaria 1930 e a revolução (ou golpe, como queiram). E, em 1932, viriam ao Mundo, muito por meio de Assis Brasil, Código Eleitoral e Justiça Eleitoral.
E eu cito frase dele próprio, em diálogo mantido com Raul Pilla:
“[…]. Olhe, menino, saiba que todo homem tem seu preço. O corrupto se vende por dinheiro, mas outros também tem seu preço. Eu tenho o meu. Não é o Ministério da Agricultura, não. É o Código Eleitoral, que considero a Carta de Alforria do povo brasileiro. Vou arrancá-lo do governo; é o meu preço” (SÁ, Mem de. A politização do Rio Grande. Porto Alegre: Tabajara, 1973, p. 124-125).
Veja: o primeiro Código Eleitoral, de 1932, também conhecido como o “Código Assis Brasil”, considerando que o gaúcho foi o principal responsável pela redação. E a Justiça Eleitoral. E além, ainda, mais além: o sufrágio (quase) universal e o voto feminino. O sistema proporcional. O voto secreto. Criou-se aqui o Brasil moderno. O gaúcho Pampeano alcançou o seu intento. Com louvor. Desde então, com exceção da Constituição de 1937, fruto do golpe do Estado Novo, a Justiça Eleitoral tem acompanhado todos os textos constitucionais brasileiros.
Evento comemorativo promovido pelo TRE-RS e de como é importante manter-se a memória dos grandes
Um evento histórico promovido pelo Tribunal Regional Eleitoral do RS celebrou o centenário do referido marco de pacificação. Entre os dias 7 a 9 de dezembro, a Corte reuniu juristas, acadêmicos, pesquisadores e diversas autoridades públicas em Pelotas e Pedras Altas. Em Pelotas tivemos o ciclo de debates acerca da Revolução de 1923, do Pacto de Paz e, ainda, acerca da figura exponencial de Joaquim Francisco de Assis Brasil. O foco, em síntese, lidou com a guerra, com a paz, com os atores do último conflito que dividiu o RS, enfim, com o significado histórico disso tudo para o RS e para o Brasil. Houve, de igual modo, uma exposição a cargo do Memorial Teori Albino Zavascki, do TRE-RS, ocasião na qual foram dispostos ao público documentos históricos inerentes aos mesmos temas e acontecimentos. Já no sábado, dia 9, o evento foi encerrado com a visitação ao Castelo de Assis Brasil, em Pedras Altas.
Dentre os palestrantes estiveram: José Levi Mello do Amaral Júnior, que proferiu a palestra de abertura, Guilherme Rodrigues Carvalho Barcelos (eu mesmo), Luis Rosenfield, Paolo Ricci, Eneida Desiree Salgado, Vânia Aieta, Luiz Carlos Segat e Juremir Machado, além de uma fala do historiador Eduardo Bueno, o Peninha, que só fez abrilhantar ainda mais o seminário. O histórico evento, vale reiterar, contou com a presença de membros do Pleno do Tribunal, diversas autoridades, acadêmicos e afins, além de aproximadamente 180 participantes de diversas regiões do Brasil.
Destaco, por oportuno, o que disse a presidente do TRE-RS, desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, no sentido de trazer luz à importância da trajetória de Assis Brasil, demonstrado como ele é o patrono da Justiça Eleitoral brasileira. Por sua vez, também não posso deixar de referir a palavra do desembargador Voltaire de Lima Moraes, vice-presidente da Corte Eleitoral gaúcha, que fez questão de salientar a importância do momento vivido, considerada a celebração à memória de Assis Brasil, um gaúcho reconhecido internacionalmente por seu legado progressista e humanista. Acertaram em cheio, ambos. Deixo, pois, aos dois, o registro em tom de homenagem. Para apontar, ademais, no mesmo caminho, que: é de muita envergadura o gesto de fazer rememorar, para que não esqueçamos, uma figura das mais relevantes na história brasileira: Assis Brasil. Rememorar e registrar. Registrar para que nunca se perca.
À guisa de conclusão — acerca da obra “O Livro que Amânha[1] a Alma”
Ocorreu, no mesmo evento, o lançamento do livro promovido pelo Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (IGADE). Organizado por Francieli de Campos, Presidente do IGADE, e Guilherme Barcelos, Coordenador Institucional da ABRADEP e Membro do IGADE. “O Livro que Amânha a Alma: estudos em homenagem a Joaquim Francisco de Assis Brasil” é uma obra coletiva que reúne textos de autores (as) de diversos matizes, dentre magistrados, membros do Ministério Público, servidores da Justiça Eleitoral, advogados, jornalistas e acadêmicos, não apenas do campo do Direito, mas da história e da ciência política.
E congrega diversos temas, tais como: Assis Brasil, Revolução de 1923, Pacto de Pedras Altas, Castelo de Pedras Altas, criação da Justiça Eleitoral, Código Eleitoral de 1932, Federalismo, representação política, voto feminino, participação feminina na política, sistema de votação, jurisdição eleitoral, desinformação, dentre outros.
Há textos, inclusive, de vários membros da Abradep, como a coordenadora-geral, Vânia Aieta, e o coordenador-adjunto, Bruno Andrade, bem como por este que escreve. A obra conta também com a bela apresentação de lavra da desembargadora Vanderlei Teresinha, já referida acima, presidente da Corte Eleitoral gaúcha. A obra, e o registro é demasiado relevante, foi depositada, no sábado, dia 9 de dezembro, na biblioteca do Castelo de Assis Brasil. Lá está, passando agora a compor o acervo oficial do Castelo. E lá permanecerá, tudo pela acolhida e pelo carinho do atual proprietário, o advogado Luiz Carlos Segat, a quem agradecemos, vez mais.
[1] Grafia da época. E eu explico: nos ladrilhos assentados na entrada do Castelo de Assis Brasil há uma frase emblemática, qual seja: “Bem-vindo à mansão que encerra dura lida e doce calma; o arado que educa a terra, o livro que amânha a alma”. Daí, pois, o título da obra, fato explicado à fundo na nota introdutória apresentada pelos organizadores.