Chance de Deltan Dallagnol recuperar mandato é mínima, dizem especialistas
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13/06/2023Congresso quer novo perdão por descumprimento de cotas a mulheres e negros. Sem a medida, siglas teriam que devolver aos cofres públicos ao menos R$ 487 milhões que deixaram de repassar a essas candidaturas em 2022.
Enquanto articulam a aprovação rápida na Câmara dos Deputados daquilo que deve ser o maior perdão da história a partidos por irregularidades em suas prestações de contas, incluindo o desrespeito ao repasse mínimo de verbas públicas de campanha a mulheres e negros, 21 legendas deixaram de destinar ao menos R$ 487 milhões a essas candidaturas nas eleições de 2022.
O valor, que pode chegar a R$ 693 milhões no pior cenário, foi calculado pela DW com base em dados parciais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e considera apenas os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) declarados como recebidos pelas candidaturas. O destino da maior parte dessa verba (95%) consta do sistema do TSE.
Segundo especialistas em direito eleitoral consultados pela DW, sem a anistia planejada, o descumprimento das cotas de raça e gênero implicaria a devolução desses recursos aos cofres públicos por partidos e candidatos.
São valores expressivos considerando que as campanhas, hoje, são bancadas quase inteiramente com dinheiro público: de cada R$ 100 que pingaram nas contas de candidatos e partidos em 2022, R$ 81 foram pagos pelo contribuinte – e a maior parte desse dinheiro veio do FEFC: R$ 4,89 bilhões dos R$ 5,28 bilhões.
O cálculo da reportagem desconsidera o Fundo Partidário, que tem peso mais modesto no financiamento das campanhas (R$ 396 milhões) e cuja distribuição, mais complexa, está sujeita a critérios regionais de proporcionalidade. Caso as regras de repasses mínimos tenham sido infringidas também na destinação do Fundo Partidário às campanhas, esse passivo pode ser maior.
Chapas inteiras ameaçadas
Para o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados de São Paulo, Ricardo Vita Porto, o desrespeito às cotas para mulheres e negros poderia inclusive, no limite, levar à perda de mandato de toda uma chapa eleita por um partido.
“Já houve cassações por candidaturas laranjas, com declaração de nulidade dos votos da chapa inteira por descumprimento do número mínimo de candidaturas [de mulheres]”, afirma Porto.
Para ele, esse entendimento poderia ser estendido ao subfinanciamento de mulheres e negros, embora isso ainda não tenha acontecido.
“Se a cassação é uma consequência da fraude ao limite mínimo de vagas, deve também ser consequência da fraude ao limite de financiamento”, argumenta.
Situação mais grave da perspectiva racial
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Minas Gerais, Isabela Damasceno concorda.
“Sem recurso não se faz campanha. Quando você inviabiliza financeiramente a campanha de uma mulher, uma pessoa negra, de certa forma é como se você tivesse uma candidatura fictícia”, afirma.
Em 2022, enquanto pelos dados parciais do TSE a maioria dos partidos manteve as campanhas femininas em situação de subfinanciamento, um olhar detalhado revela que a situação é bem mais grave da perspectiva racial.
Enquanto mulheres que não se autodeclararam pretas ou pardas respondem por um déficit de R$ 24 milhões em relação a outros grupos, esse número chega a R$ 238 milhões entre mulheres negras e bate os R$ 430 milhões entre homens negros.
Partidos se movimentam há décadas contra cotas eleitorais
A tentativa de garantir espaço para mulheres na política institucional se arrasta desde 1997, quando uma lei instituiu uma reserva mínima de 30% das vagas para candidaturas por gênero, que só em 2009 se tornou obrigatória. Essa reserva passou a valer também para os recursos públicos de campanha em 2018, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na prática, a reserva mínima de 30% só é aplicada às mulheres, mas até a década passada era sistematicamente descumprida pelos partidos – e cada nova eleição é acompanhada por relatos de fraudes às cotas por meio de candidaturas laranjas, aquelas que não recebem um centavo para fazer campanha.
Em 2020, a Justiça Eleitoral instituiu cotas de financiamento também para pessoas negras, que passaram a ter direito a uma fatia dos recursos públicos de campanha proporcional à quantidade de candidatos pretos e pardos.
Porém, em 2022, a seis meses da eleição e antecipando-se a eventuais problemas com a Justiça Eleitoral, o Congresso aprovou uma emenda à Constituição em que anistiava os partidos pelo descumprimento das cotas de financiamento a mulheres e negros.
Ao mesmo tempo, a emenda incluiu na Constituição o financiamento proporcional de candidaturas – mas somente para mulheres, e com um texto que cita um piso mínimo de 30%.
Na prática, segundo Damasceno, essa redação confusa abre margem para interpretações dúbias da legislação, na medida em que partidos se limitam a compartilhar 30% dos recursos com mulheres mesmo nos casos em que elas respondem por uma fatia proporcionalmente maior de candidaturas.
“A democracia está sendo atacada”
Passadas as eleições de 2022, os partidos querem alterar a Constituição mais uma vez para, em termos semelhantes, se autoanistiarem por não cumprir as cotas, esquivando-se de ter que devolver milhões de reais gastos irregularmente.
Um dos argumentos em favor da proposta é que os partidos não tiveram tempo de se adequar às normas – o que a advogada e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político Hanna Gonçalves contesta, lembrando que as cotas de financiamento estavam em vigor desde 2018.
“A emenda consolidou um entendimento que já vigorava desde 2018. Desde então, tivemos três pleitos”, critica Gonçalves. “A democracia está sendo atacada quando os partidos políticos deixam de utilizar os recursos públicos destinados às candidaturas de grupos minoritários.”