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02/05/2024Por Fernando Neisser
A divulgação por comissão do congresso norte-americano de ofícios encaminhados à plataforma X (ex-Twitter), determinando a derrubada de perfis naquela rede social, deflagrou reações e críticas ao alegado autoritarismo das medidas.
A imprensa em geral, reagindo ao gatilho que a locução “censura prévia” lhe causa, embarcou no argumento. Na Folha de S.Paulo de 19 de abril, o título é bombástico: “Moraes derrubou perfis a pedido de órgão chefiado por ele mesmo no TSE”.
Muitas perguntas ficaram no ar. Bloquear perfis em rede social é censura prévia? Falta mesmo fundamentação às decisões, como dito? O ministro Alexandre de Moraes age de forma autoritária ao determinar bloqueios com base em relatórios de órgão da própria Justiça Eleitoral?
Bloquear perfis em rede social é censura prévia?
A resposta à primeira pergunta só poderia ser positiva se caíssemos na falácia de igualar liberdade de expressão ao uso de determinadas redes sociais. As coisas são bem diferentes, rede social é apenas um dos meios pelos quais se pode expressar opinião.
Quando se está diante de uma pessoa que pratica atos ilegais reiteradamente, a legislação permite até mesmo que seja decretada sua prisão provisória. Há, aqui, certo grau de futurologia, previsto na própria lei. Diante do histórico, assume-se possível que siga cometendo as ilegalidades, justificando sua reclusão.
Mas a lei também prefere, se possível, que sejam adotadas medidas menos intrusivas, menos graves. Quem pode o mais pode o menos.
Se alguém todo final de semana é flagrado tirando racha em determinado bairro, pode ser suficiente suspender sua CNH enquanto caminham a investigações. Seria possível dizer que foi cerceado seu direito de ir e vir? Certamente que não. Dirigir o próprio veículo é só um meio pelo qual se exerce esse direito. Seguirá podendo se locomover a pé, de ônibus ou taxi, por exemplo.
Se outra pessoa toda quarta-feira grita com um megafone da janela sobre suas preferências futebolísticas, em vez de prendê-la provisoriamente, será melhor dar uma ordem proibindo que siga agindo desta forma. Terá sido cerceada sua liberdade de expressão? A resposta também é não. Gritar com um megafone é apenas um dos meios pelos quais esse direito é exercido.
O mesmo raciocínio vale para a manutenção de perfis em redes sociais. Se alguém está continuamente abusando de um direito e, para tanto, vale-se de um meio específico, é bem menos intrusivo criar um obstáculo ao uso deste meio, do que decretar uma prisão provisória que, a depender da situação, seria justificada.
É natural que o uso estratégico da expressão “censura prévia” cause arrepios na imprensa e em todos nós, cidadãos. Essa forma abjeta de controle é vedada pela Constituição Federal, fruto do trauma causado pela ditadura militar. Mas é possível e necessário desviar dessa armadilha.
Falta mesmo fundamentação às decisões, como dito?
Criticou-se também o fato de que supostamente as decisões não seriam fundamentadas. Que o X recebia apenas a ordem para derrubar perfis, sem saber ao menos quais os motivos para tanto.
Outra armadilha retórica que, sem alguma reflexão, pode tragar até os mais bem intencionados. Mas pensemos situações semelhantes.
Bancos recebem diariamente ordens judiciais para bloqueios de contas correntes de seus clientes. Imagine-se um deles respondendo ao Poder Judiciário que quer saber quais os motivos daquela ordem. Ou, pior, dizendo que discorda dessa limitação ao direito de seu cliente usufruir de seus bens e, por isso, não irá cumprir a ordem.
De outro lado, pensemos no porteiro do prédio, surpreendido no início da manhã com a chegada da Polícia Federal para cumprimento de uma ordem de prisão contra um dos moradores. Cabe a ele querer saber dos motivos daquela determinação? Pode ele negar acesso dos policiais ao edifício, entendendo que a ordem não tem fundamento jurídico?
Claro que não. Há pessoas e empresas que, por sua posição, tem a capacidade e o dever de cumprir ordens judiciais relativas a terceiros. Simples assim.
Até por não caber a eles questionar o cumprimento, não recebem nem mesmo a íntegra da decisão. Muitas vezes o processo do qual emanada tramita em sigilo de Justiça. Recebem apenas um ofício, dizendo o que devem fazer para atender ao comando do Poder Judiciário.
Viver em democracia é assim. A parte que sofre a restrição — e não o banco, o porteiro ou a plataforma de rede social — tem o direito de recorrer contra o que discorda, mas enquanto isso cumpre a ordem. O contrário seria apenas o caos. Cada um tornando-se juiz de seus próprios interesses e selecionando quais ordens acha por bem cumprir.
Moraes age de forma autoritária ao determinar bloqueios com base em relatórios de órgão da própria Justiça Eleitoral?
Também aqui a resposta é negativa. Para entender o motivo é preciso saber que a legislação eleitoral dá à Justiça Eleitoral o chamado “poder de polícia” no controle das ilegalidades relativas à integridade e legitimidade do processo eleitoral.
Isso significa que ela pode, assim como tantos outros órgãos em suas respectivas áreas, determinar a cessação de uma conduta ilegal quando a identifica, independentemente de ter sido acionada por alguém.
Pensemos no fiscal da vigilância sanitária que, pedindo uma coxinha no boteco, vê uma barata passeando na estufa. Ele deve voltar para casa e esperar que alguém denuncie aquela infração? Claro que não. Cumprirá seu dever se, espontaneamente, autuar o estabelecimento e, se o caso, lacrá-lo.
A questão causa estranheza pois, normalmente, o Poder Judiciário é inerte. Isso significa que o juiz (ou juíza) aguardam que alguma parte ajuíze uma ação ou faça um pedido para, só então, analisá-lo.
Mas a Justiça Eleitoral, por ter tarefas próprias na organização e realização das eleições, é diferente, por escolha do Congresso Nacional. Pode e deve, ao encontrar uma propaganda eleitoral irregular na rua, determinar sua apreensão. Pode e deve, ao encontrar um perfil em rede social praticando ilegalidades, determinar seu bloqueio.
Com esse fundamento é que a Assessoria de Enfrentamento à Desinformação do TSE pode e deve averiguar situações de violação da legislação eleitoral na internet e informar a presidência, que, igualmente, pode e deve agir para fazer cessar a ilegalidade.
Como se pode ver, o discurso foi construído exatamente para explorar algumas falhas de percepção da população e da imprensa. Vale-se da isca da “censura prévia”, passa pela falácia das “ordens sem fundamentação”, para chegar às supostas medidas autoritárias determinadas por órgão do próprio TSE.
Não podemos cair coletivamente neste delírio. Nossa democracia esteve e está sob ataque. Redes sociais são meios que podem ser usados para o bem ou para a prática de atos ilícitos. Ordem judicial se cumpre e, no máximo, depois se recorre. É o poder de polícia que ajuda nosso processo eleitoral a seguir refletindo a opinião de milhões de eleitoras e eleitores.