Ressarcimento do dinheiro público e a Justiça Eleitoral
02/05/2022Flávio Dino entra na mira do MPF após distribuir bolas e capacetes
03/05/2022Publicado no Nexo
Órgão da União Europeia diz que Justiça eleitoral brasileira pediu visita exploratória para um possível acompanhamento da votação, mas depois recuou por causa de reação adversa do governo Bolsonaro
O Tribunal Superior Eleitoral retirou um convite que tinha feito em março para que representantes da União Europeia acompanhassem as eleições presidenciais de outubro no Brasil.
O recuo se deve à reação adversa do governo do presidente Jair Bolsonaro, segundo informou ao Nexo o serviço de comunicação da Comissão Europeia, órgão da União Europeia sediado em Bruxelas, na Bélgica. O Ministério de Relações Exteriores chegou a se posicionar publicamente contra a presença de observadores europeus.
Neste texto, o Nexo resgata o momento do convite do TSE, revela a posição da União Europeia sobre o tema e explica por que o governo Bolsonaro foi contra a presença estrangeira.
O convite do TSE e a reação do governo
O Tribunal Superior Eleitoral brasileiro pediu em março à Comissão Europeia que enviasse ao país uma missão exploratória encarregada de verificar as condições em terreno para o envio posterior de uma missão de observação das eleições presidenciais de outubro de 2022.
Observadores eleitorais internacionais têm a missão de verificar se a disputa foi limpa, sem fraudes. No Brasil, várias organizações internacionais já fazem esse monitoramento, mas esta seria a primeira vez que haveria observadores da União Europeia, um bloco de 27 países.
A informação sobre o convite do TSE foi revelada pela agência de notícias Reuters, no dia 11 de abril, a partir de informações de bastidores. Dois dias depois, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil divulgou um comunicado no qual se opôs à presença de representantes do bloco nas eleições.
A nota do Itamaraty fazia referência a um “eventual convite”, pois ainda não havia a confirmação por canais oficiais de que a sondagem do TSE à União Europeia de fato existia.
O argumento para se opor ao “eventual convite” foi técnico. O Itamaraty argumentou “não ser da tradição do Brasil ser avaliado por organização internacional da qual não faz parte”, como é o caso da União Europeia.
Especialistas no tema, como a coordenadora-geral da Transparência Eleitoral Brasil e membro da ABRADEP, Ana Cláudia Santano, disse ao Nexo considerar a justificativa “restritiva” demais, tendo em conta o contexto delicado da eleição presidencial de 2022. Para ela, a vigilância deve ser a mais ampla possível.
O que diz a União Europeia
O Nexo conseguiu confirmar segunda-feira (2), por vias oficiais, que o convite do TSE foi feito de fato em março. Uma resposta formal enviada pela Comissão Europeia disse que a iniciativa foi abortada por causa da reação adversa do governo Bolsonaro.
Por meio de uma resposta escrita, a Comissão Europeia informou que “recebeu uma carta-convite, no início de março, de parte do Tribunal Superior Eleitoral para enviar uma missão exploratória” ao Brasil.
A intenção dessa missão exploratória seria a de “examinar a utilidade, a oportunidade e a viabilidade do envio de uma Missão de Observação Eleitoral da União Europeia”, para a eleição presidencial de outubro.
No entanto, “o TSE informou a Comissão Europeia que não dará seguimento ao seu pedido feito em março, devido a reservas expressas pelo governo brasileiro”. A nota conclui: “nessas circunstâncias, não enviaremos uma missão exploratória ao Brasil para avaliar uma possível Missão de Observação Eleitoral” em outubro.
O Nexo questionou o TSE sobre o teor da nota, mas não obteve resposta até o início da tarde desta segunda-feira (2).
Os ataques de Bolsonaro ao TSE
Bolsonaro recorrentemente tenta desacreditar a Justiça eleitoral brasileira. Os ataques ficaram mais intensos a partir de 2021, com acusações de fraudes nas urnas eletrônicas sem a apresentação de nenhuma prova.
O presidente brasileiro já chegou a dizer que não haveria eleição em 2022 se os parlamentares não aprovassem o voto impresso. Chegou a colocar tanques das Forças Armadas para desfilar ao lado do Congresso no dia em que o tema foi analisado. O voto impresso acabou rejeitado pelos deputados.
Na quarta-feira (27), em evento público no Palácio do Planalto, Bolsonaro distorceu a descrição de como se dá a apuração de votos no Brasil, defendendo que os militares – que têm um protagonismo em seu governo que é inédito em democracia e compõem grande parte de sua base eleitoral – façam uma contagem paralela dos votos.
Na versão de Bolsonaro, o resultado oficial que é divulgado pelo TSE precisa ser referendado pelas Forças Armadas, mesmo que não haja previsão no direito eleitoral para tal medida.
A eleição aos olhos do mundo
A Justiça Eleitoral brasileira define o observador eleitoral como “a pessoa designada por organismo internacional – ou em caráter singular [outra modalidade que possa ser acordada, como um representante de um país específico ou ONG] – que acompanha as eleições em países em processo de consolidação do regime democrático, conforme acordo internacional previamente celebrado”.
A presença de observadores internacionais costuma servir para denunciar ao mundo a ocorrência, por exemplo, de anomalias, como é o caso do uso das Forças Armadas para atestar resultados no Brasil. Ao mesmo tempo, esses observadores ajudam a mostrar ao mundo se a eleição de fato foi limpa. Eles podem, portanto, ajudar a esvaziar o discurso bolsonarista.
Analistas políticos dizem que Bolsonaro já deu todos os sinais de que, em caso de derrota em outubro, pode não aceitar o resultado das urnas sob alegação de fraude, mesmo sem apresentar provas, como fez o ex-presidente americano Donald Trump no fim de 2020.
A União Europeia foi excluída, mas o TSE faz menção em seu site a convites que estão mantidos. Eles foram feitos para a OEA (Organização dos Estados Americanos), o Carter Center, o Parlasul (Parlamento do Mercosul), a Ifes (Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais) e a Uniore (União Interamericana de Organismos Eleitorais), além da Rede Eleitoral da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).