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18/01/2024Por Isaac Kofi Medeiros
Nenhuma eleição é igual a outra. O avanço das tecnologias digitais faz com que cada ciclo eleitoral seja único. Televisão e rádio eram as principais fontes de controvérsia até o início dos anos 2010. Proteção de dados em eleições era assunto menor, e então veio o escândalo da Cambridge Analytica. Redes sociais não derrubavam democracias até pouco tempo atrás. O ChatGPT foi lançado em novembro de 2022.
Afora isso, o Congresso Nacional produz minirreformas eleitorais em quase todo biênio, a reboque das transformações sociais e tecnológicas. A cada pleito, um novo texto que altera as regras formais e informais da disputa pelo poder político. Assim, o que muda entre as eleições municipais de 2020 e 2024?
As eleições de 2024 serão as primeiras a serem realizadas depois da difusão massiva de instrumentos de inteligência artificial. Ferramentas de geração de conteúdo, imagens e vídeos dessa natureza se multiplicaram no último ano. A última eleição presidencial da Argentina demonstrou o poder viral dos aplicativos de inteligência artificial e reforçou o debate sobre a sua regulamentação, sobretudo para fins de combater a disseminação em escala de áudios, imagens e vídeos falsos ou adulterados, a exemplo dos conteúdos deepfake.
No direito eleitoral brasileiro, o uso da inteligência artificial ainda opera dentro de um vácuo normativo. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve oficializar ainda neste ano uma resolução para regulamentar a sua utilização, que valerá já para as eleições municipais. A corte publicou a primeira minuta de resolução, que será discutida em audiências públicas e eventualmente aprovada.
A principal alteração prevista é a obrigação de informar explicitamente quando uma propaganda eleitoral, em qualquer de suas modalidades, foi fabricada por meio de tecnologia digital destinada a criar, substituir, omitir, mesclar, alterar a velocidade ou sobrepor imagens ou sons, incluindo especialmente tecnologias de inteligência artificial, resultando o seu descumprimento em crime eleitoral. A mesma regra será aplicável aos conteúdos pré-eleitorais, no que couber.
A Emenda Constitucional 111/2021 instituiu uma nova ferramenta de fortalecimento da participação popular nos rumos da vida pública. As eleições municipais poderão ocorrer junto com consultas populares sobre questões locais previamente aprovadas pelas Câmaras Municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral em até 90 dias antes da data das eleições.
Suponha-se que no município X do estado Z se controverta sobre a implementação de passe livre para o transporte municipal, algo que, naturalmente, provoca dissenso nos centros urbanos brasileiros em virtude dos custos e benefícios envolvidos. Com a nova previsão, vereadores poderão encaminhar quesitos pertinentes ao assunto à Justiça Eleitoral para que a população se manifeste sobre o tema nas urnas.
É uma novidade que reforça o leque de instrumentos de democracia participativa no Brasil, com a distinção de ostentar natureza municipal. A Constituição prevê dois outros institutos semelhantes (plebiscito e referendo), mas que não são iguais à consulta municipal. Plebiscitos e referendos são realizados para que o povo aprove ou rejeite um ato legislativo ou administrativo. A diferença, conforme a Lei 9.709/98, é que no plebiscito essa consulta ocorre antes de praticado o ato e no referendo depois.
Assim, causa certo estranhamento que a Emenda Constitucional não tenha feito referência clara aos termos consagrados na lei, o que, supõe-se, pode gerar debates sobre a natureza meramente consultiva ou efetivamente vinculante das consultas municipais. Para o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, trata-se de uma figura de caráter plebiscitário única no ordenamento jurídico brasileiro, sem paralelo com as outras já previstas.
A mudança pode impactar a dinâmica da disputa eleitoral, sobretudo se a pauta em debate puder influir na decisão sobre o voto do eleitor para os cargos eletivos municipais. Ou seja, o candidato a vereador/prefeito pode perder ou ganhar votos a depender do seu posicionamento sobre a consulta popular. No entanto, vale dizer, a discussão sobre a consulta não poderá ser veiculada nas propagandas eleitorais gratuitas de rádio e televisão.
A ver se a mudança será colocada em prática em algum município, uma vez que pouco se falou no debate público dos últimos meses sobre essa alteração.
Neste ano veremos as primeiras eleições municipais com federações partidárias na disputa. Por que isso é importante? Em primeiro lugar, afetará as chapas de candidaturas proporcionais. Partidos federados somarão esforços para atingirem o quociente e elegerem mais vereadores, uma vez que, por estarem reunidos em federação, serão considerados como uma mesma legenda. Esse é um modelo que se aproxima das antigas coligações para as chapas proporcionais, hoje inconstitucionais.
As federações, no entanto, já foram declaradas constitucionais pelo STF, por se diferenciarem das coligações quanto aos estímulos que geram aos partidos (ADI 7021). Em tese, coligações incentivam uniões casuísticas e temporárias de siglas diferentes, ao passo que federações promovem alianças duradouras entre siglas com programas semelhantes.
Há também o problema da atuação parlamentar unificada. A Lei das Federações determina uma aliança de pelo menos quatro anos entre partidos, o que, a rigor, contempla unidade de atuação nas eleições e no Parlamento. No entanto, os estatutos das federações existentes em geral deixaram de lado a atuação parlamentar unificada, desassociando, na prática, partidos federados durante o exercício do mandato dos seus líderes eleitos.
Quando a atual legislatura municipal foi eleita, não havia federações. Partidos hoje federados, por não terem unificado a atuação parlamentar no último ano, podem ter que lidar com vereadores opostos entre si e que terão que se alinhar eleitoralmente para o pleito de 2024 e para a legislatura seguinte, o que pode provocar disputas jurídicas a serem resolvidas pelos tribunais. Isso é especialmente relevante quando considerado que, além de o Brasil possuir uma imensidão de municípios, cada um deles possui microversos políticos próprios com conjunturas diversas entre si.
Outras mudanças serão novidades para as eleições de 2024, como a possibilidade de gastos eleitorais efetuados por Pix via chave de CPF/CNPJ, mas o tempo dirá quais delas terão adesão real dos agentes político-partidários, com destaque para as consultas populares e a unificação da atividade parlamentar das federações, cuja eficácia ainda depende de aperfeiçoamento prático.