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19/01/2023Os atos de violência, depredação e vandalismo ocorridos no dia 8 de janeiro ainda estão em processo de investigação e penalização daqueles envolvidos. Uma das medidas tomadas foi um despacho do ministro Alexandre de Moraes no dia após os atos que, entre outras coisas, decretou a prisão em flagrante dos vândalos e de todos aqueles que estavam ou permaneceram acampados no quartel-general do Exército, em Brasília. Também determinou a suspensão de manifestações até o dia 31 deste mês, exclusão de contas em redes sociais e o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, a partir do artigo 139 do Código de Processo Penal. O afastamento tem prazo inicial de 90 dias, mas pode ser prorrogado.
Uma das criminalizações citadas, inclusive, por Alexandre de Moraes é a de terrorismo. Entretanto, como explica o mestre e doutor em Direito Constitucional e professor da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, Rubens Beçak, “não se pode, de um ponto de vista técnico, caracterizar esses atos como terrorismo”. A Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016 – promulgada ainda no mandato de Dilma Rousseff, por ocasião da Olimpíada e da alteração de alguns artigos do Código Penal quando a Lei de Segurança Nacional foi revogada –, estipula que:
“Art. 2o: O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.”
Por esses motivos, não é possível classificar esses atos como terrorismo. Beçak lembra que os crimes de terrorismo são muito específicos e que os manifestantes vão responder por vários crimes, já que o que ocorreu é extremamente grave: “Foi um ataque contra aquilo que representa os Três Poderes. Marcou negativamente a nossa vida porque ele representa uma depredação de patrimônio, e não só patrimônio da União, mas patrimônio artístico e histórico”.
Ontem (16), a Procuradoria-Geral da República enviou ao Supremo Tribunal Federal uma denúncia contra 39 pessoas envolvidas nos atos do segundo domingo do mês. Elas devem responder por “associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, do Código Penal); abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do CP); golpe de Estado (art. 359-M do CP); dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima (art. 163, parágrafo único, I, II, III e IV do CP); deterioração de patrimônio tombado (art. 62, I, da Lei 9.605/1998)”.
De acordo com dados obtidos pelo Estadão, 35 presos pelos atos em Brasília se candidataram nas eleições municipais de 2020 ou no pleito do ano passado. Até o momento, já são 1.398 presos em flagrante pelos atos antidemocráticos. Mulheres grávidas, crianças e pessoas com algum tipo de vulnerabilidade já foram liberadas, mesmo que venham a responder criminalmente no futuro – todos os presos em flagrante devem passar por uma audiência de custódia, que é prevista em lei.
Diz Beçak: “Os acampamentos são algo que, na minha maneira de ver, já deveriam ter sido investigados há mais tempo, não pela forma como a pessoa se manifesta, mas pelo local onde a pessoa está se manifestando. São áreas de segurança nacional, onde estão os poderes militares em Brasília”.
As investigações da Polícia Federal estão sendo conduzidas em grupos, com operações no Norte, Sudeste e Sul do País. A escalada das manifestações, dos acampamentos até os atos de violência, causou um dano sem tamanho. São artefatos históricos, obras de arte, cópias da Constituição, móveis, salas e monumentos depredados. Além da carga simbólica que tudo isso carrega, é, também, uma forma de desrespeito com a Nação, que tem como sede da democracia a Praça dos Três Poderes. “Aquilo dói no coração e dói na nossa maneira de ver o funcionamento da democracia”, diz o mestre em Direito Constitucional.
Um ponto levantado por ele é que, existe sim, uma diferença entre aqueles que estavam nos QGs por não aceitarem o resultado das eleições e quererem se manifestar e aqueles que deliberadamente participaram do quebra-quebra em Brasília. “Eu tenho fé de que realmente o nosso sistema tem funcionado e mostra que vem fazendo uma investigação muito bem-feita. Lá na frente, com o devido processo legal, teremos penas exemplares aplicadas”, diz.
Quem estimulou pode ser punido?
Existem penalidades superiores para os financiadores, que são, por vezes, maiores que aquelas para os que presencialmente participaram dos atos. Os incitadores e financiadores – que se utilizam do PIX para arrecadar dinheiro – serão incluídos nas investigações. Por serem considerados parte importante dos crimes, eles podem vir a ser criminalizados da mesma forma que aqueles que consumaram o ato.
Na última sexta-feira (13), Alexandre de Moraes incluiu nas investigações sobre “atos antidemocráticos” o ex-presidente Jair Bolsonaro, acusado de ser o mentor e o maior incitador das manifestações violentas. Influencers de direita também estão sofrendo penalidades depois de serem enquadrados como incitadores, com a perda de seus perfis em redes sociais.
Ontem (16), Elizângela Cunha Pimentel Braga se entregou à polícia no Rio de Janeiro, no âmbito das investigações contra financiadores e organizadores dos atos violentos ocorridos em Brasília. A Operação Ulysses, deflagrada ontem pela Polícia Federal, também prendeu o bombeiro Roberto Henrique de Souza Júnior e está buscando o influenciador de direita Carlos Victor Carvalho, terceiro alvo da operação.
Publicado no Jornal da USP.