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09/09/2022Por Amanda Guimarães da Cunha
A quantidade de policiais, especialmente militares, que têm postulado candidatura aos cargos eletivos tem crescido exponencialmente durante as últimas eleições. Segundo levantamento do site g1, baseado nos dados disponibilizados pela Justiça Eleitoral, houve um aumento da participação desse segmento de 27% nas eleições de 2022 em relação ao pleito anterior, já sendo considerado o maior número dos últimos 20 anos.
Com esse movimento, surge uma preocupação fundamental: como manter o equilíbrio do pleito ante a natural visibilidade que estes players possuem ante à população, como consequência natural do cargo que ocupam, e, por consequência, ante o eleitorado?
A legislação eleitoral não prevê, especificamente, a vedação ao uso de fardas e demais vestimentas próprias em campanhas eleitorais. Todavia, essa proibição pode decorrer de outra normativa da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997), notadamente a do inciso I do art. 73, no âmbito das condutas vedadas aos agentes públicos, o qual prevê o seguinte:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
I – ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária; […]
Foi precisamente em atendimento a esses comandos que o Tribunal Superior Eleitoral delimitou seu entendimento no Recurso Ordinário nº 137994, cujo trecho destaca-se.
“O art. 73 da Lei nº 9.504/1997 tutela a igualdade na disputa entre os candidatos participantes do pleito, no intuito de manter a higidez do processo eleitoral. […] Na linha da jurisprudência do TSE, “para configuração da conduta vedada descrita no art. 73, I, da Lei nº 9.504/97, é necessário que a cessão ou utilização de bem público seja feita em benefício de candidato, violando-se a isonomia do pleito”, pois “o que a lei veda é o uso efetivo, real, do aparato estatal em prol de campanha, e não a simples captação de imagens de bem público” (Rp nº 3267-25/DF, rel. Min. Marcelo Ribeiro, julgada em 29.3.2012). 2. Configura a conduta vedada pelo art. 73, incisos I e III, da Lei nº 9.504/1997 a efetiva utilização de bens públicos – viatura da Brigada Militar e farda policial – e de servidores públicos – depoimentos de policiais militares fardados gravados no contexto da rotina de trabalho e divulgados para promoção de candidatura política”.
O caso possui seus contornos próprios, tendo em vista que o uso foi realizado por candidato que não era policial. Todavia, se a Justiça Eleitoral reconheceu que o uso por terceiro de viaturas e policiais fardados feriu a igualdade de oportunidades apta a ensejar a imposição da penalidade, mais razão residiria se o próprio policial angariasse essa vantagem para sua própria candidatura.
É justamente nesse sentido a decisão do TRE-MG no Recurso Eleitoral 060039417, sobre o uso de farda em propaganda veiculada nas redes sociais:
“Alegação de utilização de bem público em benefício de candidato. Veiculação de propaganda no WhatsApp e na rede social Facebook, pelo representado, policial militar, usando farda da PMMG. Vedação de utilização de bens públicos, móveis ou imóveis, em benefício de candidato, partido político ou coligação, com exceção da realização de convenção partidária, nos termos do art. 73, I, da Lei nº 9.504/97. A utilização da farda, bem público, em propaganda eleitoral, beneficia o recorrido e caracteriza conduta vedada […]”.
Além da efetiva possibilidade de punição por conduta vedada, que pode ir desde a imposição de multa até a cassação do registro ou mandato do candidato ou candidata beneficiada, nos moldes descritos acima, pode o policial responder por crime eleitoral.
Segundo prevê o art. 40, também da Lei das Eleições, é proibido o uso na propagada eleitoral de “símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista”. A pena para tanto é a de detenção de seis meses a um ano, com possibilidade de prestação alternativa de serviços à comunidade pelo mesmo período, mais a imposição de multa.
Essa foi a motivação para a denegação do Mandado de Segurança nº 38 pelo TRE-ES, impetrado contra ordem do à época juiz fiscalizador da propaganda eleitoral para recolher material de propaganda em que o candidato se utilizou da sua farda.
Para tanto, consignou a corte local:
“O uso do uniforme das Forças Armadas encontra-se regulamentado no art. 77 da Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares), cujas alíneas “a” e “c” do § 1º são claras em vedar o seu uso pelo militar na reserva em atos que veiculem manifestação político-partidária. 3. O uso do uniforme pelo militar inativo somente é permitido nos casos elencados na alínea “c” do § 1º do art. 77 da Lei nº 6.880/80, onde não se contempla o seu uso nas manifestações político-partidárias. 4. O art. 40 da Lei nº 9.504/97, por sua vez, prevê a tipicidade criminal de tal conduta”.
O relator, em seu voto, ainda delimitou: “a quaestio iuris cinge-se saber se o militar na inatividade, como candidato, pode utilizar-se de uniforme das Forças Armadas em campanha eleitoral […]. Essa conduta, na verdade, transpõe a esfera da ilicitude militar e administrativa para ser alçada a ilícito penal, nos termos do art. 40 da Lei 9.504/97 […]”.
Nesse sentido também entendeu o TRE-RS no Recurso Eleitoral nº 9678:
“Utilização de símbolo e farda da Brigada Militar no material de campanha. Superada a prejudicialidade do recurso em razão do transcurso do pleito. Oportunidade de ratificar o posicionamento da Corte sobre a matéria, de forma a pautar futuros comportamentos idênticos no futuro. O art. 40 da Lei n. 9.504/97 veda a utilização de símbolos, frases ou imagens associadas à órgão governamental, a fim de evitar que a propaganda institucional venha a beneficiar candidaturas governistas, ferindo o princípio da isonomia entre os concorrentes ao pleito. Evidenciada a irregularidade na propaganda, impõe-se a manutenção da sentença”.
Todavia, a caracterização do crime previsto no art. 40 da Lei das Eleições por conta do uso de farda não parece ser um entendimento pacífico, conforme se extrai da decisão do TRE-ES no Recurso Criminal nº 30:
“2. O uso de farda em propaganda eleitoral, realmente, se enquadra no crime previsto no artigo 40 da Lei n° 9.504/97, todavia, essa conduta não atinge o objetivo do artigo, que é impedir o uso da “máquina administrativa” em favor de candidato a cargo eletivo. Não vislumbro, nesse caso, tal finalidade na conduta do recorrente. 3. Recurso conhecido e provido”.
Para chegarem a essa conclusão, ao se debruçarem sobre o uso de farda por um candidato em uma fotografia utilizada na sua propaganda, consignaram:
“o que deve ser levado em conta é se o candidato utilizou-se de quaisquer símbolos associados ou semelhantes aos empregados por órgãos do governo, de forma abusiva e reiterada, podendo, a primeira vista, enquadrar-se na disposição legal o uso da farda da Polícia Militar na propaganda eleitoral. No presente caso, não vislumbro que essa tenha sido a intenção do recorrente, apenas quis ser melhor reconhecido pelos eleitores do município onde exerce suas funções policiais militares, por já estarem acostumados a lhe ver fardado […]”.
Há, portanto, algo a se depreender do dolo do candidato ou candidata com o uso da farda para caracterização do crime eleitoral previsto no art. 40 da Lei das Eleições.
Sendo assim, o entendimento que parece prevalecer na Justiça Eleitoral é de que o uso de farda e demais uniformes vinculados às instituições de segurança pública pode ensejar punição por conduta vedada ao candidato e candidata. Com relação ao crime do art. 40 da Lei das Eleições, há que se perquirir demais elementos subjetivos para caracterização do tipo penal.
Não obstante, cabe ressaltar, estão os candidatos e candidatas policiais sujeitos, ainda, às punições disciplinares no âmbito das legislações e regimentos próprios a cada corporação, de cada unidade federativa.