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16/05/2023Por Vânia Aieta
Com a migração da comunicação da sociedade contemporânea para as plataformas digitais, temos que ter uma atenção muito grande, sobretudo em se tratando dos direitos dos usuários, com o impulsionamento de conteúdos que possam gerar uma publicidade direcionada.
Existe uma tradição no Brasil em seguir os melhores parâmetros e práticas mundiais de integridade, em se tratando da matéria de regulação. E no caso do PL (projeto de lei) 2.630, essa tendência deve se manter.
Vale ressaltar que já existe todo um movimento não só brasileiro, mas internacional, no sentido de regulação das plataformas digitais incorporando, em muitos lugares, algumas conquistas da legislação europeia.
As plataformas digitais abusam há anos da boa vontade da sociedade, não se mostrando muitas vezes colaborativas com o combate aos crimes cibernéticos ao permitirem, com complacência, a proliferação de ódio e desinformação acentuada, desrespeitando direitos humanos e gerando intranquilidade na segurança social como no recente episódio dos ataques às escolas.
A priori, por anos, se blindaram no discurso da liberdade de expressão sem limites. E toda e qualquer ponderação que era feita recebia o ataque frontal de que se estaria impondo censura, o que é injusto e falacioso.
Ao revés, o que temos é que esse argumento falacioso agasalha toda a sorte de fomento a atos criminosos. Todos sabemos, por óbvio, que se combate desinformação com mais informação… Mas, o ponto é que as plataformas podem fazer a defesa de seu ponto de vista, o que é salutar e do jogo democrático. Até aqui tudo bem. Contudo, estão bloqueando e censurando ao reduzirem os posts e perfis dos que são favoráveis ao projeto do PL 2.630 e antagônicos aos seus interesses. E isso se chama censura e abuso do poder de mídia.
Existem alguns pontos que precisamos dar destaque acerca da regulação das fake news. Questões centrais como risco sistêmico e o dever de cuidado, estruturam o texto do projeto brasileiro e é possível ver, nessa perspectiva, uma clara influência do regulamento europeu notadamente a partir da lei alemã que tratava do enfrentamento da desinformação.
Cremos que esses pontos que se destacam, sobretudo o movimento para que se torne possível a identificação da responsabilidade das plataformas, mas também respeitando-se os corolários do direito constitucional e administrativo brasileiro são pontos muito importantes que estarão em xeque nesse momento da apreciação do PL das fake news.
O projeto brasileiro optou pela variante australiana que trata da remuneração do jornalismo. Nessa variante australiana, os conteúdos em formato de texto, vídeo, áudio e imagem ensejam remuneração para as empresas jornalistas. Isso nos leva à conclusão de que o modelo brasileiro está seguindo os parâmetros criados na Austrália, que pugna no sentido de uma negociação entre as plataformas e os veículos de comunicação para que possamos alcançar um consenso acerca dos critérios e parâmetros a serem utilizados.
Existem avanços significativos como a exigência de transparência das plataformas e de prestação de contas no melhor estilo da accountability.
No que se refere à responsabilização, é importante mencionar como atualmente essas punições estão se concretizando. As punições giram em torno do Marco Civil da Internet que exige decisão judicial para a remoção de conteúdo, o que gera uma série de problemas. O PL vem exatamente estabelecer a punição estruturada exatamente a partir do descumprimento de uma série de obrigações que estão previstas no texto do projeto.
Então, o que podemos observar são punições que vão desde a advertência até multa em cima de um percentual do faturamento e a pior das punições que é a proibição de tratamento de determinadas bases de dados.
A discussão está avançada no Congresso e na essência acabará com a norma legal que exime as plataformas de responsabilidade pelo conteúdo que veiculam, tornando-as corresponsáveis quando utilizadas para o cometimento de crimes previstos no ordenamento jurídico do brasil.
Ademais, o STF (Supremo Tribunal Federal), no universo de suas competências constitucionais, poderá declarar a inconstitucionalidade da normatividade inserida no Marco Civil da Internet que concede imunidade às plataformas pelos danos que causarem.
O que não dá mais para aceitar é algumas empresas se comportarem como se operassem em uma terra de anomia legislativa. Precisam ter dever de cuidado pelo conteúdo ilegal que fazem circular ao contrário de ignorar os riscos de certas veiculações e impulsionamentos criminosos.
Inclusive, após denúncias de que aplicativos de mensagens voltados para o universo de games estariam sendo usados para a disseminação de ódio, como estupros virtuais, incentivos à automutilação, maus tratos aos animais e até suicídio infantil, com conteúdo homofóbico, racista e neonazista, a inclusão de modificações no projeto com o intuito de fomentar a segurança digital através de regulação e monitoramento devem estar na pauta de preocupação dos legisladores com o intuito de enfrentarem as brechas do crime organizado cibernético.
Por fim, a moderação brasileira existe, mas é insatisfatória e aquém de outros países onde o assunto está mais desenvolvido. Existem discrepâncias nas políticas de segurança em relação aos países de língua inglesa, por exemplo, onde já existem, de acordo com o Debate Político do Meio Digital da USP, bancos de dados de termos suspeitos mais robustos, mas as dificuldades com as barreiras do idioma dificultam a melhoria dessa operacionalidade mais eficaz.
Por fim, a lição do ministro Barroso é sempre bem-vinda. Liberdade de expressão não pode se tornar arma contra as instituições, pois a desinformação e o discurso de ódio não podem ser considerados liberdade de expressão. O espaço público precisa ser fortalecido pela informação qualificada.