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14/06/2024Veto do ex-presidente Jair Bolsonaro em que ele derrubava o trecho da lei que tratava do assunto foi mantido pelo Congresso Nacional
Qual a melhor forma de combater a disseminação de informações falsas? Ou, no termo em inglês comumente adotado, qual a melhor saída para o combate às fake news? A criminalização da conduta foi um caminho aprovado pelo Congresso Nacional ainda em 2021 — com uma punição que poderia ir de 1 a 5 anos de reclusão.
Contudo, apenas três anos depois — e em um ano eleitoral —, os parlamentares federais resolveram derrubar, de forma definitiva, a tipificação da disseminação de fake news. Eles mantiveram o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) quanto ao trecho que tratava, especificamente, da tipificação da “comunicação enganosa em massa” que fosse capaz de “comprometer a higidez do processo eleitoral”.
A manutenção do veto foi considerada uma derrota do Governo Lula (PT). A base aliada tentava manter a tipificação da conduta, mas acabou sendo vencida, no último dia 28 de maio, com 317 votos pelo fim da criminalização e 139 contrários, na Câmara Federal,. Como foi mantido por deputados federais, os senadores não precisaram analisar o veto presidencial.
Na prática, não vai ocorrer nenhuma mudança efetiva para as eleições municipais de 2024. Como havia sido vetada em 2021, a criminalização da conduta não chegou a ser aplicada nas eleições de 2022.
Para especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste, a derrubada do trecho da Lei 14.197/2021 — legislação na qual são tipificados crimes contra o Estado democrático — não deve ser o fim da discussão de mecanismos para o combate à desinformação. E se o Direito Penal — ou seja, a possibilidade de transformar de uma conduta em crime —, não deve ser excluído do debate, eles apontam alternativas que podem ser adotadas antes para combater a difusão de fake news — principalmente em um contexto eleitoral —, mas com menos riscos a outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão.
RISCOS DA CRIMINALIZAÇÃO
No veto, a argumentação usada para derrubar o trecho que tipificava a “comunicação em massa enganosa” é de que a proposição contraria o interesse público “por não deixar claro qual conduta seria objeto da criminalização”.
“Se a conduta daquele que gerou a notícia ou daquele que a compartilhou (mesmo sem intenção de massificá-la), bem como enseja dúvida se o crime seria continuado ou permanente, ou mesmo se haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico a ponto de constituir um crime punível”, justifica o veto presidencial.
Professor de Direito Civil da FGV Direito Rio e pesquisador no Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS), Filipe Medon admite que a redação da proposição poderia gerar “confusão” quanto a quem poderia ser punido.
“É a questão da eventual ausência de clareza em relação a qual é a pessoa que vai ser afetada por aquela norma. Somente a pessoa que cria? Porque o dispositivo falava em promover. Mas será que promover também significa compartilhar? Então, havia essa diferenciação entre quem cria e quem compartilha”, detalha.
Especialista em Direito Eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Marcos Rafael Coelho também cita a ausência de uma definição sobre a quem caberia definir o que é uma informação falsa.
“Quem teria o direito quem está dizendo a verdade ou não? Ou seja, vai se criar um órgão da verdade? Você vai atribuir a quem? À Justiça Eleitoral?”, diz ao citar as justificativas elencadas pelo então presidente Jair Bolsonaro. Ele fala ainda que há uma “dicotomia” na discussão sobre a criminalização da conduta.
“Quando se fala em combate à desinformação, tem por um lado o que a Justiça Eleitoral, principalmente em contextos eleitorais, tem que fazer para combater a desinformação quando ela afeta o processo eleitoral e, por outro lado, a liberdade de expressão, porque ela tem uma posição preferencial. A liberdade de expressão tem que ter uma garantia mais forte, é um direito fundamental e é previsto na nossa Constituição”, pontua.
Um debate que precisa ser “ponderado” e feito com “bastante cuidado”, ressalta. Algo difícil de ser feito em um cenário de polarização política cada vez mais acentuada. “Talvez por isso não tenha sido gerado um consenso no Congresso, porque existe ainda uma polarização política muito forte, que dividiu as bancadas nessa votação específica da derrubada do veto”, acrescenta Medon.
Resolução eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que foi atualizada para as eleições municipais deste ano, trata da adoção de medidas para o controle da desinformação. Em um dos artigos, por exemplo, ela proíbe a utilização, em propagandas eleitorais, de “conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral”.
O ilícito configura abuso de utilização dos meios de comunicação e pode acarretar em cassação do registro de candidatura e mesmo do mandato. Também é proibida, de forma absoluta, a utilização de deepfake, além de haver a responsabilização de provedores quando estes não deixarem indisponíveis os conteúdos e contas que propagaram desinformação.
Na Lei das Eleições, existe ainda uma previsão de pagamento de multa — entre R$ 5 mil e R$ 30 mil — para quem replicar propaganda eleitoral apócrifas ou ofensivas com conteúdo de desinformação.
“Então, uma pessoa que recebe um vídeo ofensivo contra um candidato A e pega esse vídeo, que a gente nem sabe quem fez, que está ofendendo e está caluniando, está difamando um candidato ou um grupo político, e simplesmente compartilha isso em um grupo, por exemplo, (…) está sujeito a receber uma representação perante a Justiça Eleitoral”, explica Marcos Rafael Coelho.
Ele considera que os instrumentos previstos na legislação eleitoral e, mais especificamente, na Lei de Eleições são “a melhor forma, hoje, de combate à desinformação”. “É uma forma de não pegar todo mundo, mas mostrar que toda ação pode ter uma consequência, não importa se candidato ou não”, argumenta.
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