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02/06/2023No início desta semana, a Espanha se tornou o caso mais recente de um fenômeno em curso na geopolítica mundial: a crise em governos de coalizão.
Na segunda-feira (29), o presidente do governo da Espanha, Pedro Sánchez, cuja legenda, o Partido Socialista (PSOE), governa o país em coalizão com outro partido de esquerda, o Unidas Podemos, anunciou a antecipação das eleições gerais no país para 23 de julho.
A decisão foi tomada depois que o conservador Partido Popular (PP) saiu vencedor nas eleições municipais e regionais realizadas no domingo (28), nas quais também foi registrado crescimento expressivo da legenda de direita Vox.
Antes da Espanha, outros países, principalmente europeus, também haviam passado por crises políticas decorrentes da fragilidade de governos de coalizão ou até mesmo da impossibilidade de formação de alianças para gerir o Executivo nacional.
No ano passado, as eleições gerais foram antecipadas na Itália devido ao colapso da coalizão do primeiro-ministro Mario Draghi. Na disputa, saiu vencedora uma aliança de direita encabeçada por Giorgia Meloni.
A Bulgária realizou em abril sua quinta eleição geral em dois anos, ante as dificuldades de montagem de um governo estável.
Desde maio de 2021, o único período em que um primeiro-ministro apontado após eleições (Kiril Petkov) governou o país foi entre dezembro de 2021 e agosto de 2022. De resto, como não houve acordos para a formação de um governo, o cargo foi exercido por premiês interinos apontados pela presidência.
Na Eslováquia, o primeiro-ministro Eduard Heger, que liderava uma gestão interina desde que o Parlamento derrubou seu governo de coalizão de quatro partidos conservadores com um voto de desconfiança em dezembro, renunciou em maio.
Israel é um caso exemplar dessa onda de instabilidade política: o país realizou em 2022 sua quinta eleição em menos de quatro anos. Na penúltima dessas votações, em 2021, o partido do então premiê Benjamin Netanyahu, o conservador Likud, foi o mais votado para o Knesset, o parlamento israelense, mas não conseguiu formar uma coalizão para ter maioria na casa.
A segunda legenda mais votada conseguiu montar uma coalizão, composta por partidos de diferentes correntes políticas, e formou um governo, mas a aliança se esfacelou no ano seguinte. Numa nova eleição, o Likud foi novamente o mais votado, e desta vez Netanyahu conseguiu formar uma coalizão e voltar ao poder em dezembro.
A próxima crise parece estar se formando na Alemanha: na semana passada, uma pesquisa do instituto Forsa divulgada pelas emissoras ntv e RTL mostrou que cerca de 40% dos alemães acreditam que a coalizão de três partidos do chanceler Olaf Scholz, que governa a maior economia da Europa desde 2021, vai se desfazer antes do final do período legislativo regular, em 2025.
Esse pessimismo decorre de desentendimentos entre as siglas, manifestados nas últimas semanas, sobre políticas ambientais e o orçamento, além da situação econômica complicada do país. Também na semana passada, o Departamento Federal de Estatísticas apontou que a Alemanha entrou oficialmente em recessão, já que acumulou dois trimestres consecutivos de contração econômica.
Dos entrevistados na pesquisa da Forsa, 54% disseram ser a favor de novas eleições caso a coalizão de Scholz se desfaça.
Na Espanha, a jornalista Ana Sánchez de la Nieta apontou em coluna para o site Aceprensa que o chefe de governo Pedro Sánchez preferiu antecipar as eleições gerais de dezembro para julho para tentar frear a ascensão dos partidos de direita, mas argumentou que isso exigirá “uma campanha mais moderada do PSOE, afastando-se dos excessos dos seus até agora parceiros [Unidas Podemos]”.
“Na verdade, esta eleição antecipada, além do PSOE […], só beneficiará o Vox, que parte de uma situação confortável, mais forte do que nunca, não vai perder eleitores com um PP inclinado para o centro e vai enfrentar, pela enésima vez, um discurso – o medo da extrema direita – dirigido, na verdade, ao eleitor de esquerda, que flerta com a ideia de não votar ou votar no centro”, acrescentou.
Fragmentação
Em entrevista à Gazeta do Povo, Marcelo Weick Pogliese, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), apontou que a crise de governos de coalizão pelo mundo é reflexo do acirramento dos antagonismos políticos, que “diminui as chances de consensos”.
“Há também o fenômeno da fragmentação. Na Espanha, Israel, Itália, vemos o surgimento de novos partidos políticos, movimentos partidários recentes quebrando partidos tradicionais, que eram mais conhecidos. Há uma diluição da concentração de votos e, obviamente, [isso gera dificuldades] num sistema de governo de coalizão, como é o caso nos países com modelos parlamentaristas, mas vemos também no Brasil, onde essa polarização política e fragmentação também dificultam aquilo que aqui é chamado de presidencialismo de coalizão”, explicou Pogliese, que citou ainda as dificuldades econômicas (principalmente a inflação) geradas pelo pós-Covid e pela guerra na Ucrânia, especialmente na Europa.
“Há um descontentamento cada vez maior e isso vai gerando essa dificuldade de [formar e manter] coalizões”, destacou.