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O caso aconteceu na cidade de Iguatu, que fica a cerca de 389 quilômetros de Fortaleza. Eliomar Cardoso foi achado amarrado com arame farpado, mas a Polícia Federal descobriu que o crime não era real.
Eliomar Cardoso da Silva era candidato a vereador na cidade de Iguatu, localizada a 389 quilômetros de Fortaleza. Tudo mudou, no entanto, quando ele forjou o próprio sequestro no sábado (31). Após investigação, a Polícia Federal descobriu que se tratava de uma falsa comunicação de crime.
Agora, Eliomar não está mais filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e teve a renúncia da candidatura homologada na segunda-feira (2).
O Ministério Público Eleitoral afirmou, em nota, que solicitou à PF documentos sobre a investigação do caso e analisa se pede ou não a cassação da candidatura de Eliomar
Eliomar teve sua filiação ao PT suspensa. O partido também decidiu pela abertura de processo disciplinar
Luiz Felipe Andrade, especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), explica que essas situações podem ser analisadas tanto pela ótica do direito penal quanto pela legislação eleitoral. Segundo ele, as implicações são bastante graves.
De acordo com Luiz Felipe Andrade, no aspecto criminal, o candidato que forja um sequestro pode ser enquadrado por falsa comunicação de crime, prevista no artigo 340 do Código Penal. “Esse artigo prevê pena de detenção de um a seis meses ou multa para quem comunica à autoridade, falsamente, a ocorrência de um crime.”
“Se ele tiver empenhado recursos, eventualmente de fundo partidário, de fundo especial de financiamento de campanha ou até mesmo de doação de campanha para poder viabilizar esse falso sequestro, ele pode responder com abuso do poder econômico e até mesmo por uma aplicação irregular de recursos públicos, que são os recursos do fundo ou os recursos eleitorais.”, complementou Luiz.
Além disso, se durante essa farsa ele acusa terceiros ou cria provas falsas para incriminar outras pessoas, ele pode responder por denunciação caluniosa, conforme o artigo 339 do Código Penal. Esse é um crime ainda mais sério, com pena de reclusão de dois a oito anos, além de multa.
No caso de Eliomar, isso não se aplica, já que o ex-candidato alegou ter sido sequestrado por organização criminosa. Mas, se ele tivesse culpado algum opositor, por exemplo, se enquadraria no cenário citado.
“E se o objetivo dessa falsa alegação foi obter alguma vantagem eleitoral, isso pode caracterizar estelionato eleitoral, utilizando-se de meios fraudulentos para enganar o eleitorado, o que é punível com reclusão de um a cinco anos e multa”, explicou o especialista.
Do ponto de vista eleitoral, a situação também é extremamente grave – aponta Luiz Felipe. Segundo o advogado, forjar um sequestro pode ser visto como um abuso de poder, “uma vez que o candidato estaria manipulando o eleitorado ao criar um fato falso para obter simpatia ou apoio”.
“Também é importante mencionar que essa conduta pode ser enquadrada como falsidade ideológica eleitoral. O Código Eleitoral, no artigo 350, pune com reclusão de até cinco anos quem insere declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita em documento público ou particular, para fins eleitorais.”
Se o candidato ocupar algum cargo público, ele ainda pode ser responsabilizado por condutas vedadas a agentes públicos, especialmente se utilizar meios de comunicação para difundir essa falsa informação, o que pode acarretar multa e, novamente, a cassação do registro ou diploma.
“Em casos como esses, a pessoa pode enfrentar processos criminais e eleitorais que podem resultar em prisão, multas, cassação de mandato e inelegibilidade por vários anos. É uma violação grave que o sistema jurídico e eleitoral brasileiro trata com a devida seriedade.”, explicou Luiz Felipe Andrade.
Ex-candidato também é servidor público municipal: no que isso implica?
Eliomar Cardoso da Silva é técnico de enfermagem e servidor público municipal. Nesses casos, o especialista Luiz Felipe explica que se ele for condenado pelo falso sequestro, as implicações podem ser rigorosas para o exercício do cargo público.
“Primeiramente, uma condenação criminal pode resultar na perda do cargo público, especialmente se a pena imposta for superior a quatro anos, ou se a infração cometida for incompatível com a função pública que ele exerce, de acordo com o artigo 92, inciso I, do Código Penal.”
Além disso, o servidor pode ficar impedido de ocupar cargos públicos por um determinado período, dependendo da gravidade da infração e da pena imposta. “Isso pode se dar através de uma pena acessória de inabilitação para o exercício de função pública, prevista também no Código Penal”.
Eliomar desistiu da candidatura e confessou o crime: isso é levado em conta no processo?
Mesmo Eliomar desistindo da candidatura, a ação do Ministério Público Eleitoral pode prosseguir. Em nota, o Ministério Público Eleitoral de Iguatu disse que vai requisitar os documentos da investigação à Polícia Federal com objetivo de cassação do registro de candidatura.
“Inclusive, o fato dele desistir da candidatura para, eventualmente, escapar de uma penalidade pode até incidir em uma outra hipótese de inelegibilidade. O processo pode seguir sem problema algum. É muito comum que isso aconteça. O candidato pensa ‘vou renunciar para escapar’. Não (é assim). E não só o Ministério Público tem legitimidade para poder propor esse tipo de ação. Os partidos e os candidatos também.”, comentou Luiz Felipe.
Outro ponto de destaque é que Eliomar confessou o crime e “colaborou com as investigações”, como afirmou a Polícia Federal. De acordo com o especialista, isso é, geralmente, utilizado como um critério de benefício.
“Eventualmente, se ele vier a ser condenado, isso é utilizado para redução da penalidade. Isso, na seara eleitoral, não tem tanto peso como na seara criminal. Mas o juiz, a depender do caso, pode, eventualmente, analisar isso para quando for fixar uma eventual multa. Sim, é levado em consideração.”
Relembre os fatos
Candidato a vereador do Ceará forja próprio sequestro, diz PF; vídeo
O caso teve início quando o candidato reportou o suposto crime às autoridades locais, afirmando que havia sido sequestrado por organização criminosa.
No entanto, a Polícia Federal disse que desde o início das investigações “inconsistências foram notadas”: “O candidato a vereador, que colaborou com as investigações, confessou aos agentes da PF ter forjado o crime.”, disse a polícia.
Um vídeo mostra o candidato amarrado por arames no carro, com adesivos da campanha rasgados e jogados no chão. Ele fala, no registro, que “eles rasgaram todos os meus adesivos”.
O caso veio à tona na noite de sábado (31 de agosto) e o g1 publicou na manhã do domingo (1°) que era tudo uma farsa.
Eliomar já aparece como ‘inapto’ no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e há um aviso de renúncia em sua candidatura. O documento de renúncia anexado no site e assinado por ele consta que Eliomar “desistiu por razões de saúde e necessidade de se dedicar a tratamento médico”.
Ainda segundo o TSE, ele declarou R$ 155 mil em bens: um imóvel de R$ 120 mil e um automóvel de R$ 35 mil. Eliomar é servidor público municipal e técnico em enfermagem.
“É muito comum, nesse período eleitoral, o candidato simular sequestro, simular ataques no comitê. É uma pena que isso aconteça. Espero que isso seja levado adiante, porque, às vezes, com o passar do período eleitoral, as coisas vão esfriando e isso acaba sendo deixado em segundo plano. Não é só um crime contra a administração pública, mas também um crime contra a própria lisura do pleito. As eleições têm que ser limpas e transparentes”, concluiu o especialista em Direito Eleitoral Luiz Felipe.