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13/01/2025Por Allan Titonelli Nunes
A Justiça Eleitoral brasileira é conhecida como “O Tribunal da Democracia”, uma vez que é a guardiã da integridade do regime democrático nacional, conferindo transparência e legitimidade ao processo político.
De outro lado, infelizmente, a mentira, a incoerência e a passionalidade estão contaminando a política, provocando verdadeiras “guerras” entre candidatos e seus apoiadores. Os estereótipos são criados aos montes, todos sob a égide da divisão agostiana, onde o bem ou o mal mudará de acordo com o lado que está apoiando.
Segundo o Observatório de Violência Política e Eleitoral, formado por pesquisadores do Grupo de Investigação Eleitoral da UniRio, nos primeiros seis meses de 2024 tivemos 214 casos de violência contra lideranças partidárias em todo o país, número 24% maior em comparação ao mesmo período de 2022 [1].
Ainda dentro desse cenário, tivemos dois episódios de violência em debates realizados entre os candidatos e candidatas que disputaram a Prefeitura de São Paulo esse ano. A crise de violência chegou a tal ponto que a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, fez duras críticas, destacando que a “violência praticada no ambiente da política desrespeita não apenas o agredido, mas ofende toda a sociedade e a democracia”. [2]
Dentro desse contexto, a Justiça Eleitoral não pode deixar de exercer seu papel de pacificadora social. Para fundamentar melhor essa atribuição, cabe rememorar que a Justiça Eleitoral exerce, além da sua função precípua, judicante, funções administrativas, quando coordena todo o processo eleitoral, bem como legislativas, já que tem a atribuição de aprovar resoluções que orientam o processo eleitoral.
Funções no Código Eleitoral
Toda essa gama de funções vem descrita no Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), lei complementar que regulamentou as competências da Justiça Eleitoral e podem ser assim divididas e explicitadas. A função normativa é aquela desempenhada pela Justiça Eleitoral quando edita as resoluções que orientam o processo eleitoral, atos genéricos e infralegais. A função administrativa fica evidente quando da realização de sua autogestão, inerente a todas as estruturas do Poder Judiciário, mas engloba também a organização dos eleitores, locais de votação, das urnas eletrônicas, processo de votação, etc.
A função consultiva, que se destina a responder questionamentos apresentados por parlamentares, políticos e outras autoridades pontuais sobre situações em tese, objetivando fixar precedentes e uniformização de entendimentos, além de ser relevante para a segurança jurídica. Por fim, a função jurisdicional, que engloba julgar processos de registro de candidaturas, prestações de contas, ações cassatórias, entre outras.
Ante essa breve contextualização, fica evidente que a Justiça Eleitoral exerce funções atípicas, se aproximando, por vezes de funções precípuas do Poder Executivo e até do Poder Legislativo. Entre todas as Justiças, a Eleitoral é aquela que mais se aproxima do jurisdicionado, o eleitor/cidadão, candidatos e partidos, motivo pelo qual se deve utilizar dos métodos alternativos de solução de conflito como forma de resolução das lides.
Aqui entra o exemplo do papel de conciliador e pacificador desempenhado pelo ministro Dias Toffoli, quando presidente do Tribunal Superior Eleitoral, dirigindo as eleições de 2014. Dez anos se passaram, mas os frutos das suas iniciativas são perenes, muitas das quais foram abordadas no livro “Constituição, Democracia e Diálogo — 15 Anos de Jurisdição Constitucional do ministro Dias Toffoli”, em artigos reproduzindo sua trajetória de 15 anos na Suprema Corte.
Ataques pessoais em campanhas eleitorais
Após um primeiro turno das eleições de 2014, em que o TSE adotou uma postura de intervenção mínima nas representações dirigidas àquela Corte, os candidatos e candidatas na disputa presidencial passaram a veicular todo tipo de propaganda com ataques pessoais ao adversário ou adversária. Esses ataques extrapolaram tanto o usual que também contaminaram os seguidores e apoiadores, necessitando de uma intervenção da Justiça Eleitoral.
Assim, no julgamento da Representação 165.865/DF [3], ficou assentado novo entendimento, onde, no horário eleitoral gratuito, só seriam permitidas publicidades de cunho propositivo, tendo o presidente, ministro Dias Toffoli assim se manifestado
“Senhores Ministros, já me manifestei amiúde sobre o tema, penso que é um tema que, neste julgamento, a Corte reformula a jurisprudência anterior, permissiva em matéria de propaganda eleitoral gratuita, caminhando, a meu ver, no bom sentido de estabelecer que, nos programas eleitorais gratuitos, as campanhas têm de ser programáticas, propositivas e que o debate pode ser ácido ou duro, mas no que diz respeito a questões programáticas e questões de políticas públicas. E isso, evidentemente, em relação às duas campanhas que estão no segundo turno.”
Considerando a nova orientação, foi também aprovada a resolução/instrução nº 960-93.2013.6.00.000, que positivou orientações sobre o exercício de direito de resposta, assentando entre seus fundamentos, externados no referido julgamento, de que o horário eleitoral gratuito, que é pago pelo poder público, não foi criado para permitir ataques pessoais entre candidatos, mas divulgação de suas propostas e discussão das ideias.
Em sequência, após o deferimento de diversas liminares suspendendo trechos de propagandas consideradas ofensivas, o presidente Dias Toffoli promove uma conciliação entre as campanhas dos candidatos Dilma Roussef (PT) e Aécio Neves (PSDB), resultando na desistência das representações ajuizadas até então, com as campanhas se comprometendo a seguir a nova orientação, mais rigorosa. O acordo é homologado pelo pleno do TSE, quando o ministro Dias Toffoli, agradece [4]:
“Eu queria, em nome do Tribunal Superior Eleitoral, dizer do imenso gesto para a democracia brasileira que as duas campanhas demonstraram nesse momento. Se comprometendo a fazer campanhas propositivas e programáticas e desistindo de todas as representações. É um momento histórico para esta Corte.
(…)
Agradeço aos eminentes advogados, cumprimentando as respectivas candidaturas pelo gesto que fortalece o Estado Democrático de Direito no Brasil, a democracia brasileira.”
Seminário em Recife
O caso em comento foi objeto de debates no Seminário de Direito Eleitoral, ocorrido em Recife entre os dias 14 e 15 de outubro de 2024, organizado pela Escola Superior da AGU e Escola Superior da Advocacia de Pernambuco, o qual teve como tema “Integridade da Democracia no Brasil: um panorama das Eleições 2024”, e colocado como um exemplo de como a Justiça Eleitoral precisa intervir para evitar o escalonamento de ataques entre campanhas eleitorais, as quais, no mais das vezes acaba também impactando os correligionários e a sociedade envolvida.
Logo, a Justiça Eleitoral deve estar determinada a cumprir esse papel de pacificadora social, evitando que as disputas extrapolem o confronto de ideias, razão pela qual deve-se propagar mais a utilização dos métodos alternativos de solução de conflitos.
[1] 19° Boletim do Observatório da Violência Política e Eleitoral (OVPE). Grupo de Investigação Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (GIEL/UNIRIO). Julho/setembro 2024. Disponível em: <http://giel.uniriotec.br/files/Boletim%20Trimestral%20n%C2%BA%2019-%20Julho-Agosto-Setembro%202024.pdf> Acesso em: 29/11/2024.
[2] O GLOBO. Política. Eleições 2024. 24/09/2024. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/09/24/carmen-lucia-pede-respeito-e-diz-que-agressoes-na-campanha-ferem-a-democracia-politica-nao-e-violencia.ghtml> Acesso em: 29/11/2024.
[3] BRASL. Tribunal Superior Eleitoral. Representação nº 165865. Acórdão de 16/10/2014, Relator(a) Min. Admar Gonzaga Neto. PSESS – Publicado em Sessão, 16.10.2014.
[4] BRASL. Tribunal Superior Eleitoral. TSE homologa acordo histórico que retira ofensas pessoais da propaganda eleitoral. Disponível em: < https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2014/Outubro/tse-homologa-acordo-historico-que-retira-ofensas-pessoais-da-propaganda-eleitoral> Acesso em: 29/11/2024.