Inovação legal no combate à violência política contra a mulher
28/03/2022Justiça Eleitoral não pode impor censura prévia a artistas e público
28/03/2022A decisão do ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), proibindo “manifestação de propaganda eleitoral ostensiva” durante as apresentações do festival Lollapalooza, foi criticada pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello, que já presidiu o TSE e o Supremo Tribunal Federal (STF), por advogados eleitorais, e pela seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Marco Aurélio chamou a decisão, tomada a pedido do PL, o partido do presidente Jair Bolsonaro, de censura.
Embora a decisão tenha recebido muitas críticas, houve também alguns apoios. O também ex-presidente do TSE e do STF Carlos Velloso avaliou que houve propaganda eleitoral fora de época e que Araújo está apenas impedido que o episódio se repita.
O PL acionou a Corte no sábado, após a cantora Pabllo Vittar levantar, durante o show que fez no evento, uma bandeira com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Raul Araújo, um dos ministros do TSE responsáveis por analisar ações relacionadas à propaganda eleitoral, também determinou uma multa de R$ 50 mil por cada ato de descumprimento da decisão.
OAB de São Paulo critica
Em nota, a seccional de São Paulo da OAB se disse preocupada com “a proibição de manifestação política” no festival e “a confusão da livre expressão de opinião com propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea”. A entidade destacou que “a liberdade de expressão, por meio da manifestação espontânea e gratuita de ideias, é essencial para assegurar a continuidade democrática e fomentar o debate público sobre eleições”.
A entidade disse ser importante a contraposição de teses, argumentos e opiniões no processo eleitoral. Destacou ainda respeitar a atividade dos tribunais do país, mas também esperar que “as normas sejam aplicadas em consonância com princípios constitucionais”.
“Silenciar a voz de cidadãos com multa em valor superior à pena no caso da ocorrência da conduta, pode tolher o exercício da cidadania, limitar a difusão de ideias e empobrecer a qualidade e variedade do debate público nas mais diversas arenas da sociedade civil”, diz trecho da nota.
Advogados eleitorais ouvidos pelo GLOBO também criticaram a decisão. Antonio Ribeiro Júnior, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), disse que houve censura, mas discordou de quem defende o mero de descumprimento da decisão. Para ele, é preciso apresentar recurso no TSE para derrubá-la. O advogado também afirmou que já houve manifestações da Corte antes contra decisões que possam levar à censura. Assim, não se pode proibir previamente manifestações. O correto é acionar a justiça depois, caso alguém avalie que tenha ocorrido algum tipo de abuso.
— É censura prévia. Nós temos vários casos em que o TSE e a Justiça Eleitoral podem até aplicar a multa, considerando a propaganda eleitoral, mas não vedam previamente a manifestação — disse Antonio Ribeiro Júnior.
O também advogado eleitoral e membro da ABRADEP, Cristiano Vilela, disse não vê no episódio os elementos que costumam ser considerados pela Justiça Eleitoral para caracterizar propaganda eleitoral antecipada:
— Foi uma decisão muito polêmica do ponto de vista jurídico, porque não teve alguns elementos de pedido de voto específico, houve uma manifestação política genérica. Aliás, a própria Anitta assim o fez uns dois dias antes. Não teve menção a número, cargo e à eleição concomitantemente, que é a tríade “exigida” pela Justiça eleitoral para configurar a propaganda antecipada. E foi feita por uma pessoa na forma de livre manifestação do pensamento.
Apoio à decisão
No meio jurídico, houve também manifestação de apoio à determinação do ministro Raul Araújo. O promotor Clever Vasconcelos, do Ministério Público de São Paulo, disse em sua conta no Twitter que a decisão “diz respeito a manifestações eleitorais, de antecipação de eventuais campanhas, mas não impede a liberdade de expressão genérica”.
Em sua decisão, Raul Araújo avaliou que os artistas fizeram “comentários elogiosos ao possível candidato”, no caso Lula, e “pediram expressamente que a plateia presente exercesse o sufrágio em seu nome, vocalizando palavras de apoio e empunhando bandeira e adereço em referência ao pré-candidato de sua preferência”.
Ministro já negou pedidos para remover ‘outdoors’ favoráveis a Bolsonaro
Raul Araújo é um dos ministros responsáveis por analisar ações relacionadas a propaganda eleitoral no TSE. Nessa condição, ele já negou dois pedidos feitos pelo PT para remover “outdoors” que, na avaliação do partido, ou favoreciam Bolsonaro ou atacavam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por outro lado, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde também é ministro, Araújo votou na última terça-feira a favor de Lula na ação em que ele pediu indenização ao ex-procurador da República Deltan Dallagnol.