Caso Dallagnol: TSE não foi arbitrário ou seletivo
18/05/2023Especialistas da ABRADEP analisam fraude à cota de gênero nas eleições para o Diário do Nordeste
18/05/2023O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) adotou uma interpretação expansiva da Lei da Ficha Limpa para cassar o deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR).
A legislação determina que integrantes do Ministério Público que pedem exoneração com PAD (processo administrativo disciplinar) pendente devem ser declarados inelegíveis. O ex-coordenador da Lava Jato, porém, não respondia a procedimentos dessa natureza quando se desligou da instituição, em 2021.
Deltan Dallagnol concede entrevista no Salão Verde da Câmara para falar da cassação do mandato – Pedro Ladeira/Folhapress
Os sete ministros da corte eleitoral entenderam que Deltan tentou fraudar a lei pelo fato de ter deixado o Ministério Público Federal quando respondia a procedimentos que, mais tarde, poderiam se transformar em PAD.
“Referida manobra impediu que os 15 procedimentos administrativos em trâmite no CNMP em seu desfavor viessem a ensejar aposentadoria compulsória ou perda do cargo”, disse o relator, ministro Benedito Gonçalves, na terça-feira (16).
O ex-ministro Marco Aurélio Mello, que atuou no STF (Supremo Tribunal Federal) por 31 anos, afirmou à Folha que ficou “perplexo” com o entendimento adotado pelo TSE.
“Foi uma interpretação à margem da ordem jurídica”. E prosseguiu: “Eu fiquei perplexo porque soube hoje vendo o noticiário que sequer PAD havia”.
Já o ex-juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, saiu em defesa da decisão do TSE.
Em rede social, disse ter analisado “em detalhes o julgamento”. “Na minha leitura jurídica a decisão foi irretocável. Não levo em conta aspectos políticos-partidários”, afirmou Reis, que em 2018 avaliou que o TSE também deveria rejeitar a candidatura de Lula (PT) ao Palácio do Planalto.
A decisão do tribunal eleitoral foi unânime entre os sete integrantes e contou com apoio de três ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL): Kassio Nunes Marques, Carlos Horbach e Sérgio Banhos. Nenhum deles apresentou voto em separado —eles acompanharam a posição do relator.
Nesta quarta (17), em pronunciamento ao lado de parlamentares como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Deltan disse que sua cassação representa “dia de festa para os corruptos e dia de festa para Lula”.
A celeridade com que transcorreu a análise do processo na sessão do TSE surpreendeu servidores e ex-integrantes da corte.
Geralmente, em casos de grande repercussão, é comum haver debate sobre a situação em julgamento ou pedido de vista (mais tempo para analisar) de algum ministro. Na noite de terça, após a leitura da posição do relator contra Deltan, a votação dos demais seis ministros durou cerca de um minuto.
Especialistas ouvidos pela Folha fazem críticas à Lei da Ficha Limpa ou à decisão do TSE, embora a maioria avalie que a interpretação adotada pela corte já tenha sido feita em outros julgamentos, não apenas no de Deltan.
A advogada Paula Bernardelli, da Comissão Permanente de Estudos em Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo, afirma que a lógica da fraude à lei, usada na argumentação do TSE, é o cerne da decisão e não é nova na Justiça Eleitoral.
“Não é que procedimentos preliminares foram considerados processos administrativos disciplinares, [o argumento] foi que ele agiu de forma fraudulenta para evitar que isso acontecesse.”
Ela cita como precedente similar o caso dos “prefeitos itinerantes” —gestores municipais que, para driblar a proibição de um terceiro mandato consecutivo, mudam o domicílio eleitoral e se candidatam para administrar uma cidade vizinha.
O mesmo ocorre em casos nos quais o TSE impugnou votos de toda uma coligação ao constatar o uso de candidaturas femininas laranjas —o registro apenas para cumprir a cota de candidatas mulheres.
Nesses casos, os tribunais eleitorais já vetam a manobra por entender que há uma burla ao espírito da lei, ainda que não exista vedação expressa na legislação.
Opinião similar tem o advogado Ludgero Santos, da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político). Ele afirma achar que a lei é excessiva e diz que se pode inclusive discordar da ampliação do seu entendimento pela teoria da fraude à lei.
O que não dá para dizer, afirma, é que isso foi feito para prejudicar Deltan, já que faz parte de uma jurisprudência consolidada.
Na avaliação do advogado e doutor em direito Marcelo Peregrino, a decisão do TSE viola a segurança jurídica. Ele discorda da argumentação feita pelo ministro relator de que haveria uma fraude à lei.
Para Peregrino, que é membro da Abradep, a decisão é extensiva porque cria uma hipótese de inelegibilidade que a lei não prevê.
“É um atentado claro à segurança jurídica porque ele está sancionando um ato que era lícito”, diz. “Quando o Deltan pediu a exoneração o processo preliminar não tinha relevância jurídica, não era um ato ilícito.”
Ele considera que concordar com a decisão seria assumir que o tribunal poderia escolher qual seria o momento gerador da inelegibilidade.
André Rosilho, professor de direito administrativo da FGV e advogado, também considera que a decisão faz uma ampliação da lei por meio de uma interpretação não literal, leitura que ele avalia como equivocada.
“[O ministro] leu na norma uma proibição que não está expressa lá”, diz. “A norma poderia ter dito isso, mas ela não disse. A proibição foi para um caso específico. Então por meio de interpretação o tribunal acabou alargando a hipótese de inelegibilidade.”
Volgane Carvalho, membro da coordenação acadêmica da Abradep e servidor da Justiça Eleitoral no Maranhão, considera que a decisão não representa um ponto fora da curva, que fuja da jurisprudência tradicional da corte, argumentando que o tribunal já aplica a questão da fraude à lei a outros casos.
“Ele [ministro] interpretou que o pedido de exoneração acontecido naquele momento foi uma forma de ele [Deltan] encerrar os processos impedindo a marcha processual comum”, diz.
A cassação só será revertida se Deltan recorrer ao STF e conseguir um despacho a seu favor.
O único cenário minimamente otimista para o ex-procurador seria a distribuição do recurso a um ministro mais simpático à Lava Jato. No entanto, mesmo se isso ocorrer, posteriormente uma decisão individual teria de ser referendada pelo restante da corte.
Na avaliação de integrantes do STF, é pouco provável que Deltan consiga maioria no plenário em seu favor. Primeiro, porque ele já inicia o debate com três votos contrários, uma vez que a decisão do TSE foi unânime e os três integrantes do STF que compõem a corte eleitoral votaram contra ele.
Segundo, porque há uma corrente no Supremo que sempre foi crítica dos métodos adotados por Deltan quando ele era procurador da Lava Jato e que tende a trabalhar pela manutenção da perda de mandato do paranaense.
Assim, caso o STF não derrube a decisão do TSE nos próximos dias, caberá à Câmara apenas cumprir a ordem judicial e retirá-lo da Casa.
A regra atual determina que não cabe à Câmara análise de mérito da determinação do tribunal. Apesar disso, nessas situações o Legislativo costuma cumprir um rito formal e burocrático após ser notificado e abrir um prazo, geralmente de cinco dias, para o deputado se manifestar. Assim, não há previsão de votação no plenário ou algum tipo de votação sobre a decisão do TSE.
Aliados de Deltan cogitam até incluir uma anistia ao ex-procurador na PEC da Anistia, proposta de emenda à Constituição que promove o maior perdão da história a partidos políticos. No entanto, dificilmente ele terá força para isso.