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Ecossistema de desinformação como abuso de poder dos meios de comunicação social
11/04/2025Por Elder Maia Goltzman e Leonardo Santos de Souza
As eleições, em sua essência, são marcadas por debates acalorados e críticas direcionadas aos adversários. A arena política é um espaço de trocas que nem sempre são agradáveis, leves ou justas, mas a função primordial da liberdade de expressão não é agradar, e sim promover reflexões e mudanças.
Nesse contexto, é importante destacar que a existência de limites ao livre discurso não é vedada. Defender a liberdade de expressão não significa permitir a circulação de falas que incentivem a violência física ou que ofendam gravemente os direitos da personalidade, por exemplo.
Ciente da necessidade de limitar opiniões que extrapolem os limites da liberdade constitucional (e convencional) de expressar pensamentos, a jurisprudência eleitoral desenvolveu o conceito de propaganda eleitoral negativa, a qual pode se materializar tanto por meio de um pedido de não voto quanto através de ofensas à honra, à imagem, imputação falsa de crimes ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados. O objetivo é manchar a reputação do rival perante o eleitorado.
No entanto, a despeito da intenção de promover um debate limpo e honesto, a rigidez na limitação de críticas contundentes, no período eleitoral, pode resultar no cerceamento da liberdade de expressão, privando o eleitor do direito de ser informado sobre os concorrentes do processo eleitoral ou levando a propaganda negativa para meios não institucionalizados, fora do debate oficial, como canais de desinformação.
É evidente que a pluralidade de ideias e a possibilidade de exposição crítica delas fortalecem sobremaneira a democracia. Durante as eleições, a liberdade de expressão é fundamental para que os candidatos possam expressar suas ideias e plataformas políticas de forma livre. Da mesma forma, os eleitores precisam poder manifestar suas opiniões sobre as propostas apresentadas e ter condições de buscar informações de seu interesse, debatendo, dialogando e construindo seu posicionamento político [1].
Pode parecer uma visão romantizada, mas a praxe forense demonstra que a censura jurisdicional abre espaço para vieses do órgão julgador, que, ao fim e ao cabo, é um ser humano. E quem disse que o debate eleitoral duro e acirrado é menos qualificado?
Osório [2] destaca ainda que a liberdade de expressão político-eleitoral “decorre dos princípios democrático, representativo, do pluralismo e da soberania popular, e visa assegurar que os candidatos, partidos e cidadãos em geral possam expor e ter acesso a informações e opiniões de interesse público e, assim, permitir a tomada de decisões políticas e eleitorais”. A escolha política passa, obviamente, pela aspereza das descobertas difíceis e pela retirada de esqueletos do armário.
‘Couro grosso’
Na ADI 4.439, julgada em 27/9/2017, o Supremo Tribunal Federal entendeu que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática não apenas as informações consideradas inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar transtornos, resistência e inquietação, pois a Democracia somente existe baseada na consagração do pluralismo de ideias e pensamentos políticos, filosóficos, religiosos e da tolerância de opiniões, além do espírito aberto ao diálogo”.
É importante lembrar que quem – voluntariamente – adentra a seara política precisa ser mais resiliente a críticas e afrontas, visto que passa a ser alvo de escrutínio público e, consequentemente, mais suscetível a apontamentos não tão gentis. Eleição é embate!
Quem não gosta de crítica não deve ocupar o espaço público. O liame da crítica ao candidato deve ser mais amplo do que para o cidadão comum. Os conceitos de honra e imagem (e, quiçá, imputações de comportamentos) devem ser refletidos a partir de uma perspectiva coletiva, e não individual. Em bom português: a pessoa pública deve ter o “couro grosso”.
Construindo a partir da jurisprudência eleitoral e das resoluções do TSE, podemos elaborar algumas premissas para repensar o papel da propaganda eleitoral negativa no debate:
- a) A liberdade de manifestação é regra;
- b) A intervenção judicial no discurso eleitoral deve ser mínima e pontual;
- c) A pessoa que opta por concorrer não pode receber a mesma tutela da imagem que a pessoa comum;
- d) O embate é um mal necessário, na medida em que pode resultar na escolha do eleitor;
- e) A Justiça Eleitoral não pode ser utilizada como instrumento para controle da narrativa política por parte de quem recebe um golpe que incomoda.
A maior resiliência necessária ao candidato frente às críticas trocadas ao longo da campanha faz parte da dialética inerente ao embate eleitoral. O tom ácido, irônico e provocativo da propaganda ou do discurso eleitoral é próprio do regime democrático. A eleição não será um passeio no parque.
O órgão julgador eleitoral, portanto, deve ceder à tentação de se tornar uma espécie de moderador paternalista do discurso político, filtrando de forma exacerbada o que deve ou não chegar ao eleitor. Tentação essa movida pelos próprios atores do processo, uma vez que os candidatos sempre requerem a retirada de conteúdos que minimamente lhes sejam desfavoráveis. A acidez e a contundência de palavras ou de discursos não devem, por si sós, ser balizadores do cerceamento da liberdade de manifestação e de pensamento, principalmente no debate eleitoral, sob pena de remover-lhe a essência.
Em 2026, haverá um novo pleito e uma nova oportunidade de repensar o instituto.
[1] GOLTZMAN, Elder Maia. Liberdade de expressão e desinformação em contextos eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 18.
[2] OSÓRIO. Aline. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Horizonte. Fórum. p. 26.