Justiça Eleitoral não pode impor censura prévia a artistas e público
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29/03/2022A decisão do ministro substituto do TSE Raul Araujo de proibir manifestações político-eleitorais no Lollapalooza agitou o domingo dos advogados eleitorais. Na contramão da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, ela é criticada por violar o direito constitucional à liberdade de expressão e por demonstrar um rigor que não se viu em relação a manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), como as motociatas e os outdoors de exaltação ao presidente.
Raul Araujo acatou pedido do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, para que fossem proibidas manifestações a favor de pré-candidatos depois que a cantora Pabllo Vittar mostrou uma bandeira com a imagem de Lula e gritou – assim como a cantora britânica Marina – #ForaBolsonaro. O ministro estabeleceu uma multa de R$ 50 mil contra os organizadores do evento no caso de ocorrência de ato de “propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato ou partido político por parte dos músicos e grupos musicais que se apresentem no festival”.
Danielle Marques de Souza, advogada eleitoral e coordenadora institucional da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), ressalta que a decisão vai contra a jurisprudência do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2018, por unanimidade, o TSE considerou improcedente ação proposta por Bolsonaro e por sua coligação com o objetivo de investigar possível conduta criminosa do cantor Roger Waters por projetar na tela, durante show em São Paulo, a hashtag #EleNão após mostrar Bolsonaro como um dos nomes associados à emergência global do “neofascismo”.
“Creio que a decisão será revista pelo plenário do TSE porque foi um caso muito semelhante ao atual. É, portanto, uma jurisprudência muito recente”, afirma a advogada. Ela enfatiza ainda não ter visto qualquer manifestação de propaganda eleitoral antecipada. “Não houve participação de candidatos ou pré-candidatos, nem vi outros elementos que pudessem caracterizar propaganda antecipada. Houve sim o exercício do direito de crítica, ainda que ácida”.
Michel Bertoni, membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, completa: “Quando a legislação veda a propaganda eleitoral antecipada, ela se refere a pedido de voto. Mas a lei não proíbe ninguém de manifestar sua opinião a favor ou contra um candidato. É natural ainda que quem ocupa o poder se submeta a crítica. Impedir isso é empobrecer o debate”.
“Se a regra é proibir que as pessoas manifestem suas preferências partidárias ou eleitorais, como você vai aplicar isso nas redes sociais, onde as pessoas estão o tempo todo se posicionando?”, questiona Márlon Reis. “Cidadãos são livres para manifestar o seu pensamento, na rede social ou em um evento público. A Constituição não estabelece que a liberdade de expressão só vale para um número determinado de pessoas. Se você priva um artista de se manifestar, vai ter que fazer o mesmo com todo mundo”.
Um detalhe curioso: o autor da ação do PL é o ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, que foi contratado pelo partido para cuidar da campanha de Bolsonaro.
Nota divulgada há pouco pela seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) diz que a decisão confunde “livre expressão de opinião com propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea”.