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Sem a pretensão de esgotamento do tema, o objetivo deste estudo é fazer um convite a reflexão sobre a imprescindibilidade e a incomensurável importância para o exercício da democracia, visando defender o eleitor, o voto e a legitimidade dos pleitos eleitorais, de se implementar ainda mais, na prática, a celeridade dos feitos eleitorais buscando evitar o perecimento do direito das ações e a própria possibilidade destas de não serem julgadas, evitando a extinção dos processos sem julgamento do mérito perante a Justiça Eleitoral.
Após a definição sobre o conceito de prescrição como um todo, passando pela definição e aplicação da prescrição ordinária, será abordado, em especial, a questão sobre o conceito e incidência do instituto da prescrição intercorrente nos processos eleitorais a partir da Lei 12.034/2009.
A pesquisa foi baseada na Constituição Federal, Código Eleitoral, Lei Complementar 64/1990, Lei 9.504/1997, decisões e Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, notadamente quanto a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), Recurso Contra a Expedição de Diploma (RECD), Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), e Representações Eleitorais (REP).
Inicialmente, antes mesmo de conceituar e distinguir os conceitos de prescrição ordinária e de prescrição intercorrente, é preciso esclarecer, utilizando da doutrina de Câmara Leal Nota 02, que o instituto da prescrição como um todo está escorado em três fundamentos: a) o da necessidade de fixar as relações jurídicas incertas, evitando as controvérsias; b) o castigo à negligência; e c) o do interesse público.
Nesse contexto, conforme lecionou Paulo Leonardo Vilela Cardoso Nota 03, deve-se reconhecer que o principal fundamento do instituto geral da prescrição é o interesse jurídico-social, portanto um instituto de ordem pública, que tem por finalidade evitar a instabilidade do Direito, impedindo o sacrifício da harmonia social.
Assim, valendo-se novamente da doutrina de Câmara Leal Nota 04, pode-se conceituar a prescrição ordinária, também chamada por ele de stricto sensu, como sendo “[…] a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo”.
Clóvis Beviláqua, citado por Washinton de Barros Monteiro Nota 05, definiu a prescrição ordinária como sendo “[…] a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não-uso dela, durante determinado espaço de tempo”.
Para Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero Nota 06, a prescrição ordinária, chamada por ele como clássica, é aquela relacionada ao prazo que se tem para a propositura de uma ação. Portanto, incide quando se deixa passar o tempo previsto para o ajuizamento de uma ação, sem que tal providência seja tomada.
Por fim, Jaqueline Crestani Nota 07 resumiu que a prescrição ordinária é definida como: “[…] A perda do direito de ação em determinado espaço de tempo. Consiste na impossibilidade de ingressar com um processo judicial em razão do transcurso do chamado “prazo prescricional”.
Portanto, a prescrição ordinária stricto sensu ou clássica diz respeito a questão material relacionada ao direito de ação, ou seja, se o titular de um direito se conserva inativo e não procura o Poder Judiciário pelo prazo superior ao que a lei determina para que esse direito seja pleiteado em juízo, opera-se o instituto.
No âmbito do Direito Eleitoral, levamos em consideração, para análise de sua incidência, os seguintes feitos: a) Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME (art. 14, § 10, da Constituição Federal), que tem como fundamento a prática de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude durante o processo eleitoral e visa à cassação do mandato; b) Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE (art. 22, da LC 64/90), que tem por objetivo apurar denúncias de atos que configurem abuso de poder econômico, abuso de poder político, abuso do poder de autoridade e/ou uso indevido dos meios de comunicação social, os quais podem ter ocorrido antes ou durante a campanha eleitoral, e permite a cassação do registro de candidatura ou do diploma, além de inelegibilidade por 8 (oito) anos; c) Recurso Contra Expedição de Diploma – RECD (art. 262, I, do Código Eleitoral), que cabe somente nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional e de falta de condição de elegibilidade, e tem como intuito cassar o diploma do candidato; e d) Representação Eleitoral – REP por prática de captação e gastos ilícitos de recursos (art. 30-A da Lei 9.504/1997), de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/1997), e por conduta vedada (art. 73 da Lei 9.504/1997); que podem causar a condenação à perda do diploma, dentre outras cominações, dependendo do instrumento jurídico.
Nessas ações, a prescrição ordinária stricto sensu ou clássica ocorre, em relação à AIME, se a ação não for proposta em até 15 dias contados da diplomação; quanto a AIJE, se ela não for ajuizada a partir do registro de candidatura, até a data da diplomação dos eleitos; em se tratando do RECD, se o inconformismo não for interposto até 3 (três) dias após a data da diplomação; e, em relação à REP, se não for protocolizada até a data da diplomação dos eleitos.
Noutro giro, diferentemente daquele instituto, que cuida da perda de uma pretensão de agir, a prescrição intercorrente constitui matéria de ordem processual, sendo conceituada na já citada doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero Nota 08, como sendo “[…] aquela que se verifica no curso do processo, e não antes da propositura da ação e da instauração do processo, como ocorre com a prescrição clássica”, considerando a ultrapassagem de um certo lapso de tempo na tramitação do processo e causas preclusivas de seu curso.
Para Jaqueline Crestani, também já referida, “A prescrição intercorrente tem como principal objetivo estabelecer diretrizes e prazos para a conclusão de uma ação”.
No Direito Processual Eleitoral Cível, ao contrário da prescrição ordinária stricto sensu ou clássica, de natureza material, que, com base na lei, sempre foi reconhecida como aplicável, a prescrição intercorrente, ao longo dos anos, sempre foi afastada pela doutrina e jurisprudência, sob o argumento de que não existia previsão em lei, daí a necessidade da reflexão sugerida logo na introdução deste trabalho, para que se possa responder a indagação:
Existe prescrição intercorrente no processo eleitoral?
Para respondê-la, primeiramente, pedindo-se vênia pela ousadia em dizer, deve-se afastar, hermeneuticamente falando, o que o ex-Senador por Goiás e ex-Procurador de Justiça, Demóstenes Torres, chamou de “jurisprudencialismo” no Prefácio do Livro de Cézar Roberto Bitencourt Nota 09, permitindo que se possa distanciar da automática sucumbência e adesão cega ao movimento negacionista de dizer o direito pela via mais curta da pura repetição de julgados, sem que o entendimento seja o mais plausível de ser reconhecido no ordenamento jurídico.
Em segundo lugar, é preciso afastar a ideia de um passado não tão remoto, e criticável sob todos os aspectos, de que a prescrição intercorrente só, e exclusivamente, ocorre pela desídia da parte em movimentar o processo, e remeter a sua incidência, também, à questão relacionada ao tempo de duração razoável do processo.
Nesse particular, conforme doutrina do Ministro Alexandre de Moraes Nota 10, os direitos fundamentais previstos na Carta da República, são definidos como “[…] o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal […]”.
Portanto, os direitos fundamentais, dentre eles o devido processo legal, o da segurança jurídica, como garantia da cidadania, e o da celeridade do processo, que deve tramitar em tempo razoável após a estabilização da demanda, tidos como de primeira geração, são inatos, universais, absolutos e inalienáveis, sendo que qualquer transgressão a tais franquias constitucionais subjacentes à pessoa humana – que se revela extremamente grave, porque configura ofensa a relevantes prerrogativas de ordem constitucional – não pode ser tolerada, porque constitui a negação arbitrária dos direitos fundamentais do cidadão.
Nesse sentido, ainda que as ações eleitorais visem defender o eleitor, o voto e a legitimidade dos pleitos eleitorais, isso não quer dizer que se possa suprimir a dignidade da pessoa humana com que a Constituição Federal dotou o indivíduo, de maneira indisponível, retirando-lhe o direito, de ordem Constitucional, ao devido processo legal, pelo qual se assegura a regularidade processual, garantindo que ninguém será arbitrariamente privado de seus direitos, dentre os quais incluem o da segurança jurídica, como direito à cidadania, e especialmente para o debate, garantindo a celeridade do processo, que, estabilizado, deve tramitar em tempo razoável.
A propósito, consagrou-se no Superior Tribunal de Justiça Nota 11 o entendimento de que, “[…] o devido processo legal é a garantia maior do cidadão em face do arbítrio, dando-se a ele o direito, antes de ser submetido à sanção estatal, de ser submetido a um processo judicial cercado de garantias e precauções. É incompatível, pois, a democracia com a inexistência de um processo judicial revestido de garantias individuais”.
Nessa exata linha de intelecção e sem nenhuma derivação dialética, pode-se afirmar, sem tergiversação, sob o ângulo do Estado Democrático de Direito e dos direitos humanos fundamentais esculpidos na Constituição Federal e na Declaração Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica Nota 12), da qual o Brasil é signatário por meio do Decreto 678/1992 Nota 13, que não é possível ultrapassar, afastar, ou superar, total ou parcialmente, a garantia ao devido processo legal, da segurança jurídica como garantia da cidadania do processado de ver o fim do processo estabilizado a qual responde, com a celeridade imbuída como tempo razoável de sua duração.
Consoante lição de Tereza Arruda Alvim Nota 14, isso decorre do fato inegável que a coerência e a lógica do sistema jurídico dependem de uma atividade hermenêutica que não olvide a necessidade de se resguardar o princípio da proteção dos direitos humanos fundamentais, vez que esses formam a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito, conforme igualmente ensina Joana de Moraes Souza Machado de Carvalho Nota 15.
Nesse particular, cai bem ressaltar que a Constituição Federal, chamada de “Constituição Cidadã”, garantiu, como direito fundamental do indivíduo, que, após o ajuizamento da ação, a sua tramitação, como direito fundamental da cidadania, deve ser submetida ao devido processo legal (art. 5º, LIV, CF Nota 16), além de que o processo deve ser célere, tramitando e sendo definitivamente resolvido pelo Poder Judiciário, imprescindivelmente, em tempo razoável (art. 5º, LXXVIII, CF Nota 17).
Conforme estabelece o artigo 2º do Código de Processo Civil, “O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial”. Portanto, é o Juiz quem determina a citação, marca audiência, sentencia, etc.. Essa regra também é aplicada no processo eleitoral por força do artigo 15 do mesmo codex Nota 18. Por isso é que a interpretação mais moderna do instituto da prescrição intercorrente conduz a sua vinculação ao princípio constitucional de que um processo deve ser finalizado em tempo razoável e não àquela ideia do passado de que seria só a desídia da parte que importaria para o seu reconhecimento.
Concluída essa digressão, na Justiça Eleitoral, considera-se o tempo total de 1 (um) ano como duração razoável para que o processo que resultar na perda de mandato eletivo seja definitivamente decidido em todas as instâncias, ou seja, a decisão deve estar transitada em julgado, quando não cabe mais qualquer recurso, em no máximo 1 (um) ano, conforme dispõe o artigo 97-A, § 1º, da Lei 9.504/1997, incluído pela Lei 12.034/2009:
“Art. 97-A. Nos termos do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal, considera-se duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo o período máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral.
- 1º. A duração do processo de que trata o caput abrange a tramitação em todas as instâncias da Justiça Eleitoral.”
Assim, se após o ajuizamento da ação, transcorrer mais de 1 (um) ano, incidirá a prescrição intercorrente, extinguindo o processo.
Hermeneuticamente, quanto ao alcance, pode haver 3 interpretações na aplicação do referido instituto nas ações eleitorais.
A primeira, seria, numa interpretação gramatical, mais legalista, reconhecer que a prescrição intercorrente só se aplicaria à Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), prevista no § 10 do artigo 14 da Constituição Federal, porque o artigo 97-A da Lei 9.504/1997 dispôs que a sua incidência deve considerar o processo que resultaria na “perda de mandato”.
A segunda, seria a interpretação lógica. Nessa, consideraria a finalidade da norma jurídica, reconhecendo então, por exemplo, que na Representação (RP) por compra de votos ou conduta veda, ou na Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por abuso de poder econômico, político ou de autoridade e/ou por uso indevido dos meios de comunicação social, em que se pode resultar na perda do diploma, a prescrição intercorrente também poderia ser aplicada, já que sem o diploma, a consequência lógica é o afastamento do cargo para o qual foi eleito, dando-se, por óbvio, a “perda de mandato” eletivo de que trata o artigo 97-A da Lei 9.504/1997, lembrando, que todas as ações citadas utilizam do mesmo procedimento ordinário.
A terceira, seria a interpretação sistemática, onde se extrai o conteúdo da norma por meio de uma análise de todo o ordenamento jurídico. Então, a prescrição intercorrente se aplicaria à Representação (RP) por compra de votos e à Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) por captação ilícito de votos, arrecadação e/ou gasto ilícito de recursos, e/ou abuso de poder, porque ambas, nesses casos, têm como ensejo a corrupção eleitoral e o abuso de poder econômico, que, por sua vez, se constituem nos fundamentos da Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), sendo, que, a todas essas ações se aplica o mesmo procedimento ordinário.
Finalizando esse trabalho, sem qualquer pretensão de exaurir o tema e a discussão, pudemos perceber a importância de vir a ser reconhecida a existência e a partir disso aplicada a prescrição intercorrente no âmbito dos processos judiciais eleitorais.
Nota 01 Advogado, Presidente do IGDEL – Instituto Goiano de Direito Eleitoral e Membro Fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político. E-mail:danilo@tiburciofreitas.adv.br
Nota 02 CÂMARA LEAL, Antônio Luiz da. Da prescrição e decadência. São Paulo: Editora Saraiva, 1939, p. 12
Nota 03 https://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/18756-18757-1-PB.pdf
Nota 04 CÂMARA LEAL, op. cit., p. 10, nota 2.
Nota 05 MONTEIRO, Washinton de Barros. Curso de direito civil, parte geral. 27ª ed., SP, Ed. Sariava, 1988, p. 286/287.
Nota 06 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. São Paulo: RT, 2017, 3ª Ed. em e-book, p. 656.
Nota 07 CRESTANI, Jaqueline, O que é e como funciona a prescrição intercorrente?, Publicado em 15/12/2020. Disponível em: https://www.mutuus.net/blog/prescricao-intercorrente/
Nota 08 Obra já citada.
Nota 09 BITENCOURT, Cezar Roberto, Reforma penal da Lei Anticrime, Lei nº 13.694/2019, Ed. Saraiva
Nota 10 MORAES, Alexandre de, Direitos humanos fundamentais. Atlas, 2002, p. 39
Nota 11 STJ, Recurso Especial nº 1.307.407/SC. Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe. de 29/05/2012
Nota 12 Art. 9º. Princípio da legalidade e da retroatividade: Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado.
Nota 13 Decreto 678/1992, de 25 de setembro de 1992.
Nota 14 ALVIM, Tereza Arruda. Modulação na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. Revista dos Tribunais, 2019.
Nota 15 CARVALHO, Joana de Moraes Souza Machado de. Colisão de Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Ed., 2009, p. 26.
Nota 16 LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Nota 17 LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Nota 18 Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.
Publicado na íntegra no Verba Legis do TRE-GO.