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Após encerrado o processo eleitoral de escolha dos candidatos, e declarado os eleitos, a Justiça Eleitoral começa a se debruçar sobre as prestações de contas eleitorais dos candidatos. Concomitantemente, a imprensa, a sociedade civil, bem como a comunidade jurídica, começa a debater as informações disponibilizadas nesses processos. Por vezes há confusões, principalmente daqueles que não atuam na área, entre o processo de prestação de contas e suas consequências. A principal delas diz respeito sobre a “cassação do mandato” ou até mesmo aplicação de sanção de “inelegibilidade” se a conta do candidato for reprovada. Logo, o presente artigo objetiva trazer uma luz sobre algumas dessas questões.
O processo de prestação de contas eleitoral é o ato formalizado em processo judicial pelo qual os candidatos que participam do pleito dão conhecimento, precipuamente à Justiça Eleitoral e aos cidadãos em geral, dos valores arrecadados e aplicados durante a campanha política.
O procedimento tem o objetivo de garantir a transparência e a legitimidade da atuação dos atores do processo eleitoral, descortinando a origem, o destino e os valores empregados, com o objetivo de inibir o abuso de poder econômico e os desvios de finalidade na utilização dos recursos percebidos e despendidos, assim preservando a igualdade de oportunidades materiais na disputa eleitoral.
Preconiza o art. 30 da Lei nº 9.504/97 que a Justiça Eleitoral deve verificar a regularidade das contas de campanha, sobretudo se o processo de acumulação de receitas e de realização de despesas obedeceu à legislação, em especial as regras atualmente definidas na Resolução TSE nº 23.607/2019.
Portanto, em se tratando de atividade finalística, o exame da regularidade da saúde financeira da campanha consiste na verificação da legalidade, veracidade e efetividade das receitas e despesas eleitorais, notadamente dos critérios definidos no art. 44 da Resolução TSE nº 23.607/2019: (i) origem dos recursos; (ii) regularidade fiscal; (iii) pertinência temática com o processo eleitoral em curso; e (iv) prestação efetiva dos serviços e entrega dos bens.
Sob tal ótica, sendo transparentes, fidedignas e completas, deverão as contas ser aprovadas. Caso padeçam de alguma inconsistência ou irregularidade, a depender da gravidade intrínseca, serão aprovadas com ressalvas, desaprovadas ou, até mesmo, julgadas não prestadas, quando o candidato não apresenta elementos mínimos para fiscalização das contas. Nesse último caso, contas não prestadas, o candidato fica impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura na qual concorreu, mas podendo elidir esse efeito desde que regularize a situação, por meio de requerimento de regularização de prestação de contas, juntando documentos novos e atendendo aos requisitos mínimos exigidos.
De outro lado, a depender da irregularidade constatada, e caso envolva recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (FP), pode haver determinação de devolução de valores à União, por se tratarem de fundos públicos, sujeitos a regras específicas. Portanto, não há qualquer outra sanção possível além dessas elencadas.
Merece relevo destacar, lado outro, no voto que aprovou as contas de campanha do candidato eleito para a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em julgamento ocorrido em 06/12/2022, trecho do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, que assim asseverou:
“Esclareço, por oportuno, que o julgamento das contas traduz apenas o resultado da fiscalização exercida sobre a documentação e as informações apresentadas pelos candidatos. Por isso, a avaliação levada a cabo pela Justiça Eleitoral não se presta a conferir um atestado de regularidade ou de licitude a todas as movimentações financeiras relativas a determinada campanha eleitoral, limitando-se estritamente ao exame da consistência atuarial das respectivas contas, considerados os registros contábeis juntados aos autos.” (Prestação de Contas nº 0601064-21.2022.6.00.0000, publicado na sessão de 06/12/2022).
Logo, para além do escopo particular ao processo de prestação de contas de campanha eleitoral, a existência de eventuais indícios de ilícitos extraídos das informações e dos documentos apresentados pelo candidato deverá ser objeto de apuração oportuna, promovida pelo legitimado legal e mediante procedimento próprio e específico, com possibilidade de ampla instrução probatória e com respeito às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
É o que sobressai, inclusive, da regra do art. 91 e ss. da Resolução TSE nº 23.607/2019, a respeito da apuração de indícios de irregularidade relativas a arrecadação ou gastos eleitorais.
Isso porque, a prestação de contas eleitoral se distingue do processo judicial que veicula como causa de pedir a prática do ilícito tipificado no art. 30-A da Lei das Eleições, investigação judicial deflagrada pelo legitimado legal e conduzida pela Justiça Eleitoral com o propósito de “apurar condutas em desacordo com as normas desta lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.”, ou até mesmo das ações que apuram abuso de poder, art. 22, da Lei Complementar nº 64/90, as quais podem levar à cassação do registro, do diploma e até mesmo aplicação da sanção de inelegibilidade.
Ainda que os processos de prestação de contas e de captação e gastos ilícitos de recursos eleitorais possuam um nexo de implicação recíproca, ou até mesmo as ações que apuram abusos, eles não se confundem e tampouco se excluem, porquanto envolvem objetividades jurídicas distintas e consequências legais diversas, conforme explicitado pelo § 4º do art. 96 da Resolução TSE nº 23.607/2019:
4º A aprovação, com ou sem ressalvas, ou desaprovação da prestação de contas da candidata ou do candidato não vincula o resultado da representação de que trata o art. 30-A da Lei nº 9.504/1997 nem impede a apuração do abuso do poder econômico em processo apropriado.
Uma das razões pelas quais se justifica essa separação de objetos e matérias se refere ao fato de que o processo de prestação de contas eleitorais não comporta uma dilação probatória mais elastecida, bem como precisa ser resoluto de forma mais célere, precipuamente em relação aos candidatos eleitos, os quais precisam que seus respectivos processos de prestação de contas sejam julgados antes da diplomação.
Ainda sobre a mesma problemática, tutela da probidade dos recursos públicos eleitorais, a Lei nº 13.488, de 2017 criou um tipo penal novo, descrito no art. 354-A do Código Eleitoral: “Apropriar-se o candidato, o administrador financeiro da campanha, ou quem de fato exerça essa função, de bens, recursos ou valores destinados ao financiamento eleitoral, em proveito próprio ou alheio”. Dessa forma, ainda que se exija um dolo específico (apropriação de recursos destinados ao financiamento eleitoral) a ser comprovado, em tese, há possibilidade do candidato também ser responsabilizado penalmente, a depender conduta praticada.
Ante ao exposto, há processos distintos, sejam eleitorais sancionatórios, quanto de aferição da regularidade das contas e até mesmo penais, que ensejam resultados e consequências distintas.