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A candidatura de Pablo Marçal (PRTB) à Prefeitura de São Paulo trouxe novos desafios para a Justiça Eleitoral. Com o ex-coach fora do segundo turno, a expectativa é que a campanha nada ortodoxa promovida por ele leve a mudanças nas regras eleitorais para 2026. Essa é a avaliação de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), advogados e professores da área ouvidos nas últimas semanas pelo Valor.
Um ministro do tribunal afirma que é preciso traçar um paralelo das redes sociais com o que acontece hoje em relação aos meios de comunicação tradicionais. Para ele, não é razoável o fato de o apresentador José Luiz Datena (PSDB) ter deixado o seu programa na TV para disputar a eleição na capital paulista enquanto Marçal pôde manter todos os seus perfis nas redes. Somente depois do início da campanha as contas do ex-coach foram suspensas por decisão judicial, pois estavam sendo usadas para monetização.
O professor Bruno Cezar Andrade de Souza, que é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), defende que, se for monetizado, o perfil que a pessoa usa no dia a dia não deve ser utilizado para fazer campanha ou falar de política. Para ele, um artista que usa as redes sociais para fazer publicidade deveria ser proibido de utilizar esse mesmo canal para apoiar um candidato. “Mesmo que a pessoa fale do candidato A ou B em um vídeo não monetizado, o canal que ela utiliza é, e isso vai ter uma confluência de audiência que normalmente não teria”, afirma.
Já para Ana Carolina Clève, advogada e pesquisadora da regulação da atividade dos influenciadores digitais, o problema não é o fato de um influenciador se tornar candidato e utilizar as redes sociais, mas sim a prática de abuso do poder econômico.
“No caso do Marçal, a grande questão não é o fato de ele ser influenciador e ter uma legião de seguidores, mas sim o fato de ele promover aqueles cortes, pagando para cabos eleitorais e digitais fazerem a campanha dele. O ilícito está no uso dessa ferramenta e na interferência do dinheiro, sem a contabilização da Justiça Eleitoral, e não pelo simples fato dele ter muitos seguidores.”
Durante a campanha, o ex-coach prometeu remunerar seguidores que selecionassem e reproduzissem em suas redes os trechos mais “viralizantes” das suas falas. O professor da Universidade de Fortaleza (Unifor) Fernando Neto aponta que o uso dos chamados cortes era uma “tática desconhecida” da Justiça Eleitoral para a compra de eleitores, mas que, mesmo assim, a prática rendeu ao ex-candidato ações que podem torná-lo inelegível. “O TSE não antecipou ou previu esse método, preocupando-se mais com o uso da Inteligência Artificial nas ‘deep fakes’, a exemplo das eleições argentinas”, avalia.
Outro momento polêmico da campanha do influenciador foi a “live” realizada a dois dias do primeiro turno em que ele divulgou um laudo falso para ligar o candidato do Psol, Guilherme Boulos, ao uso de drogas. Apesar de os especialistas defenderem que tal prática deve receber uma punição exemplar da Justiça Eleitoral, eles afirmam que restringir o uso das redes às vésperas do pleito pode representar um cerceamento à liberdade de expressão.
“A gente não pode restringir a liberdade de expressão de todo mundo porque alguns fazem besteira. A resposta que a Justiça Eleitoral vai dar é que se um candidato usar todas as estratégias que o Marçal usou na eleição de 2024, ele vai se tornar inelegível”, diz Bruno Cezar Andrade de Souza.
Fernandes também entende assim e avalia que uma medida como essa poderia configurar “censura prévia”. “A Justiça Eleitoral, por mais que projete os desafios de cada pleito, sempre estará sujeita à surpresa das inovações tecnológicas e das estratégias de marketing. Deve, portanto, punir as ilegalidades das ‘fake news’, como o laudo falso, e da compra de apoio na internet, como precedente pedagógico e inibidor de práticas semelhantes.”
Os dois apontam ainda que essas regulamentações cabem ao Congresso, mas que, diante da omissão legislativa, o TSE tem se antecipado e aprovado resoluções para evitar descontrole durante as eleições.