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18/10/2022Por Elder Maia Goltzman
Recentemente, escrevi um artigo na ConJur manifestando-se sobre decisão do Tribunal Superior Eleitoral que rejeitou representação formulada pelo Partido Liberal, objetivando a remoção de vídeos em que o presidente Jair Bolsonaro é chamado de genocida, no contexto da campanha eleitoral de 2022, em alusão à maneira como conduziu a pandemia da Covid-19.
A premissa geral do texto foi de que a imputação delitiva na contenda eleitoral deve ser analisada com parcimônia. Quando uma/um candidata/candidato resolve concorrer a um cargo eletivo, sua vida será devassada e ela/ele estará sujeita/o a todo tipo de críticas e pechas, inclusive sobre supostos crimes que tenha (ou não) cometido. A intervenção da Justiça Eleitoral deve ser mínima e pontual, limitada aos casos em que for manifesto o abuso da liberdade de expressão. A imputação delitiva faz parte da competição eleitoral não no sentido técnico de cada tipo penal, mas no sentido metafórico. Não é de hoje que acusações como “corrupto” e “ladrão” são feitas em debates acirrados.
Quando se fala em liberdade de expressão, imediatamente se pensa na liberdade de falar, de defender ideias e de expor pensamentos. E, de fato, esta é uma perspectiva do livre discurso. Trata-se da dimensão individual. Precisamos ter liberdade para expressar nossa visão de mundo aos demais, debater e colocar a forma como entendemos as questões.
No entanto, existe uma outra faceta: a liberdade informativa. Nesse sentido, as pessoas se informam por meio de seus pares, da imprensa, das mídias sociais, dos podcasts e afins. A liberdade de expressão existe não apenas para que possamos falar, mas sobretudo para que possamos ouvir e, consequentemente, nos informar. É a dimensão social ou coletiva da liberdade de expressão.
Essa tem sido uma das principais preocupações da Justiça Eleitoral para o pleito de 2022: permitir que a liberdade informativa não seja maculada por discursos falaciosos, enviesados, descontextualizados ou fabricados. A missão do Judiciário para o atual pleito não é fácil: se de um lado deve proteger a liberdade individual e intervir somente em casos específicos (privilegiando a dimensão individual da liberdade de expressão), por outro deve impedir que a esfera pública seja contaminada por desinformação (protegendo a dimensão social da liberdade de expressão).
A desinformação prejudica o debate público porque o eleitorado pode formar sua vontade amparado não na realidade, mas em artifícios criados para enganar e ludibriar a racionalidade das pessoas, fazendo que ajam com base em suas emoções e não na razão. Uma das principais técnicas desinformativas é a utilização de discursos que tenham motes como a proteção da família, da infância e da fé, seja para gerar sentimentos de medo, raiva, indignação, seja para explorar vieses construídos em nossa formação humana.
Quer ver um exemplo? Se lemos no título de um texto que determinado indivíduo pretende legalizar o casamento infantil, já começamos a leitura tomados pela incredubilidade e indignação. Se temos a crença que nossa religião é a única que salva, quando espalham que querem criminalizar nosso culto, nosso viés de confirmação atua e dizemos: “é o fim dos tempos!”.
E o que isso tem a ver com a ideia da imputação delitiva de que tratei no começo da reflexão? A meu sentir, entendo que sob a preocupação de mitigar a desordem informacional (no original, information disorder, termo cunhado pela professora Claire Wardle) gerada pela desinformação orquestrada, algumas decisões do Tribunal Superior Eleitoral têm sido contraditórias.
No dia 12 de outubro de 2022, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino deferiu tutela provisória de urgência, no bojo da Representação nº 0601416-76.2022.6.00.0000, para determinar a imediata suspensão de propaganda eleitoral, veiculada na televisão, que tinha o seguinte teor:
Lula: “Fui considerado inocente””
Locutor: “Não! Não foi”.
Josias de Souza: “É falsa a ideia de que Lula se tornou um político um político inocente”.
Marco Aurélio Mello: “O Supremo não o inocentou, o Supremo aceitou a nulidade dos processos crime”.
Locutor: “A maior mentira dessa eleição é dizer que Lula não é ladrão. Votar no Lula é votar em corrupto”.
Entrevistada: “Eu acho o Lula um verdadeiro ladrão. Eu não votaria no Lula, nem a pau, Deus me livre votar no Lula”.
Por ocasião da fundamentação, o ministro explica que “não há mera menção a fatos pretéritos referentes às condenações posteriormente anuladas pelo STF, mas atribuições ofensivas que desborda da mera crítica política, pois transmite mensagem que imputa ser o candidato “corrupto” e “ladrão”, desrespeitando regra de tratamento decorrente da presunção constitucional de inocência e que viola os preceitos normativos previstos nos artigos 243, IX, do Código Eleitoral e 22, X, da Res.-TSE nº 23.610/2019.”.
Em que pese seja compreensível a preocupação de proteção da liberdade informativa para formação da vontade do eleitor, em caso semelhante, no qual se chamou o atual presidente de genocida, o Tribunal Superior Eleitoral autorizou que vídeo com a imputação permanecesse no ar.
Conquanto entenda a preocupação da Corte Eleitoral e veja que muitas decisões são tomadas pelo apertado placar de 4 a 3, o que demonstra a dificuldade das matérias tratadas, no sentido técnico do termo, Bolsonaro não foi genocida. Pode ter sido em sentido metafórico, político, ideológico. O mesmo entendo ser o caso do candidato Lula.
Qualquer um que tenha o mínimo de conhecimento jurídico (e honestidade intelectual) sabe que a Constituição Federal e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos prestigiam a presunção da inocência. Assim, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Se os processos em que Lula havia sido condenado foram anulados (seja por qual fundamento for), ele mantém intacto seu status de inocente ante a inexistência de condenação. Simples assim. Certidão de antecedentes zerada.
Ocorre que, no contexto de uma campanha eleitoral, a exploração do fato é tolerável. Assim como a exploração da condução da pandemia também o é. A imputação delitiva é explorada não de hoje. Penso ser temerário que o Estado, através do Judiciário, seja paternalista a ponto de que o eleitorado não possa ser exposto ao mínimo de dissenso cognitivo. Tecnicamente, nem um é ladrão, nem o outro é genocida. Entretanto, a política passa pelo discurso ácido, impetuoso e sarcástico. A tolerância para esses casos deve ser maior.
A própria Justiça Eleitoral acaba chamando para si uma responsabilidade difícil de executar na prática: a seleção de informações que devem pautar o debate coletivo. Todo cidadão (ou quase todo) já chamou algum agente público de “corrupto”. Quando se fala de orçamento secreto, pode-se falar de corrupção? Havendo presunção de inocência, essa associação deve ser censurada? Ressalto, mais uma vez, que entendo de onde a decisão parte, mas mantenho minha preocupação da censura irrestrita que ela pode causar.