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Em outubro do ano passado foi publicada a lei 14.230/2021 que altera a lei 8.429/92 (lei de improbidade administrativa), trazendo importantes inovações.
Não há dúvida de que a lei 8.429/92 constituiu importante instrumento de proteção à probidade administrativa, permitindo a apuração e punição de graves desvios na administração pública. Acarretou, no entanto, indesejados efeitos colaterais, frutos de distorções interpretativas que levaram à excessiva judicialização e insegurança jurídica ao administrador público.
As alterações trazidas pela nova lei constituem uma resposta legislativa aos excessos verificados e buscam centrar esforços nos atos efetivamente graves, praticados com má-fé, garantindo a necessária segurança jurídica ao administrador público no desempenho de suas nobres funções.
Se queremos uma administração eficiente, alinhada com o interesse público, precisamos garantir um ambiente seguro e favorável ao desempenho das funções administrativas pelo bom administrador, centrando esforços de punição aos atos efetivamente graves, praticados com má-fé e desvio de finalidade.
Nesse sentido, são bem-vindas as alterações que exigem a comprovação do dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, afastando a modalidade culposa. Ao contrário do que por vezes se alega, a alteração não impede o ajuizamento de ações de ressarcimento por danos causados por atos culposos, que tem fundamento constitucional e independe da caracterização de ato de improbidade.
Outra importante previsão, é a impossibilidade de caracterização de improbidade administrativa quando o ato for praticado com base em jurisprudência em vigor quando de sua prática, ainda que não majoritária.
Com relação aos atos atentatórios contra os princípios da administração pública previstos no artigo 11 da Lei 8.429/92, deixa de ser possível a sua tipificação com base na descrição genérica do caput, sendo necessária a subsunção da conduta às hipóteses específicas previstas no caput, garantindo maior segurança jurídica e respeito ao princípio da tipicidade.
Destaca-se, ainda, a expressa menção à aplicabilidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, reconhecendo-se o caráter sancionatório e a gravidade das sanções impostas na lei.
Com relação à prescrição, passou-se a prever regime de contagem único, em substituição ao regime anterior, que previa múltiplas hipóteses, originando inúmeras discussões e insegurança jurídica. Além da unificação dos regimes, passou-se a prever prazo de prescrição intercorrente, de 4 anos.
Quanto à titularidade da ação, passou a ser exclusiva do Ministério Público, com o objetivo de evitar o seu uso político por entes administrativos.
Essas são apenas algumas alterações previstas pela nova lei, que ainda traz importantes dispositivos de ordem processual, relativos à dosimetria na aplicação das sanções, compatibilização com o regime de responsabilização previsto na lei anticorrupção, etc..
Temos um problema de cultura jurídica que gera enorme insegurança e um ambiente que não incentiva a melhor atuação do bom administrador público, incapaz de saber com razoável certeza os atos que pode ou não praticar no exercício de suas funções.
Ao mesmo tempo, ainda temos muito a evoluir no combate e no controle da corrupção. Fatos graves e atos de desonestidade devem ser punidos.
A garantia de segurança à atuação do bom administrador público e a punição aos desonestos devem ter, ao fim e ao cabo, a mesma finalidade: a criação de condições de estímulo à entrega do melhor serviço público possível.
Hoje, no entanto, não temos sido capazes de diferenciar com razoável sucesso os atos efetivamente graves daqueles meramente irregulares, os administradores desonestos, daqueles que simplesmente tentam desempenhar a sua função da melhor forma possível.
Como resultado, um desestímulo à boa administração, um afastamento de bons quadros da boa administração pública.
O texto da alteração da lei de improbidade administrativa aprovado pela Câmara nada mais é que uma necessária resposta legislativa a este grave problema de cultura jurídica.
Para que a punição surta os efeitos desejados, é essencial sermos capazes de diferenciar o joio do trigo, de identificar e punir aqueles que agem de má-fé, mas também preservar aqueles que atuam em favor do interesse público, comprometidos com o exercício de suas funções, ainda que deles discordemos.
O texto aprovado pela Câmara está longe do ideal, mas é o avanço possível enquanto não mudarmos a nossa cultura jurídica, enquanto não estivermos todos preocupados em criar condições de estímulo e segurança jurídica ao bom administrador.
Há, no texto aprovado, inegáveis avanços como a impossibilidade de caracterização de ato de improbidade administrativa pela mera divergência de interpretação da lei e a não-aplicação de sanções a pessoas jurídicas que tiverem sido punidas com base na lei anticorrupção. A primeira, uma medida para garantir maior segurança e certeza na atuação administrativa, assegurando ao administrador que não será punido por mera divergência interpretativa, nos casos em que sua interpretação estiver fundada em decisão judicial ou dos órgãos de controle. A segunda, uma medida de coerência e proporcionalidade, impedindo múltiplas punições em decorrência de um mesmo ato.
A coincidência entre os ilícitos previstos na lei de improbidade e na lei anticorrupção, com a consequente possível sobreposição de sanções, compromete o correto funcionamento do sistema, em especial os acordos de leniência previstos na lei anticorrupção.
Outro inegável avanço é a impossibilidade de caracterização de ato de improbidade com base, apenas, em uma genérica descrição de princípios, um convite para julgamentos com alto grau de subjetividade.
A exigência de análise da conduta subjetiva do agente é outro avanço considerável, restringindo as graves sanções àqueles que atuarem com desonestidade.
Há, no texto aprovado, dispositivos repetitivos, que poderiam ser tidos como desnecessários por repetir disposições já constantes de outras leis. Embora de aplicação necessária, é comum que tais dispositivos sejam simplesmente ignorados quando da aplicação de sanções, razão pela qual sua repetição torna-se necessária. Faz-se, aqui, expressa referência ao art. 17-C do texto aprovado, em especial os incisos que repetem disposições da LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Não tivéssemos um grave problema de cultura jurídica, uma busca de punição a qualquer custo, um moralismo reprovável, uma falta de coordenação entre os sistemas e órgãos de controle, talvez não tivéssemos que alterar a lei atual, bastaria interpretá-la com base nas regras clássicas da hermenêutica, com atenção aos princípios e garantias constitucionais.
No cenário atual, entretanto, a alteração faz-se necessária, como forma de garantir um mínimo de segurança jurídica ao bom administrador público para que possa exercer livremente as suas funções, em proveito de todos nós, de toda a coletividade.
A alteração legislativa implica, ainda, importantes reflexos na configuração de algumas hipóteses de inelegibilidade previstas na LC 64/90, Lei das Inelegibilidades.
A Lei Complementar 64/90, art. 1º, inciso Iº, alínea l, aduz que os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, estariam impedidos de registrar-se com candidatos a cargos eletivos.
Uma dificuldade recorrente junto a Justiça Eleitoral é a análise de condenações que não apontam o dolo, mas preenchem os demais requisitos da norma.
Cabe à Justiça Eleitoral, verificar no momento adequado, ou seja, na impugnação do registro, se a decisão preenche os requisitos, ou seja, a decisão com trânsito em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, condenando em pela conduta de lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, decorrente de ato doloso.
A questão da condenação pela conduta de lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, já gerou muito debate na doutrina e jurisprudência, até que o TSE fixou a tese que se trata de requisito cumulativo.
O TSE também se posicionou que não cabe à Justiça Eleitoral proceder a novo enquadramento dos fatos e provas veiculados na ação de improbidade para concluir pela presença de danos ao erário e enriquecimento ilícito, sendo necessária a observância dos termos em que realizada a tipificação legal pelo órgão competente para o julgamento da referida ação.
Com a alteração da Lei de Improbidade, o dolo passou a ser pressuposto das futuras condenações, razão pela qual garantida maior segurança jurídica na análise pela Justiça Eleitoral.
Questão mais controvertida, entretanto, diz respeito à análise de condenações anteriores à nova lei, mas ainda capazes, em tese, de gerar inelegibilidade. Nestas hipóteses, considerada a retroatividade da lei mais benéfica – princípio aplicável ao direito administrativo sancionador – nos parece caber o confronto entre os fundamentos invocados para a condenação e os requisitos de tipificação exigidos pela nova lei.
A questão ganha ainda maior relevo quando se trata da hipótese de inelegibilidade prevista na alínea “g” do referido dispositivo da LC 64/90, que determina a inelegibilidade daqueles “que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão”.
A hipótese é fruto de inúmeras controvérsias, especialmente em razão do fato de que não é competência das Cortes de Contas apreciar a configuração ou não de ato de improbidade, razão pela qual a apreciação feita pela Justiça Eleitoral, a respeito da presença ou não dos requisitos, acaba sendo mais abrangente que nas hipóteses de condenação pela Justiça Comum. Nesse caso, tratando-se de decisão de rejeição de contas, não parece haver dúvida de que a análise feita pela Justiça Eleitoral deverá se dar com base nos requisitos de tipicidade impostos pela nova lei.