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09/05/2022Por Volgane Oliveira Carvalho
Um dos pontos mais nebulosos nas ações cassatórias diz respeito à possibilidade de realização de perícias como meio de prova no curso do processo. A LC nº 64/90 oferta o rito processual da maioria destas ações, uma vez que as regras estipuladas no artigo 3º e seguintes guiarão a AIME e a AIRC e o artigo 22 apresenta a marcha processual da AIJE e da Representação por Captação Ilícita de Sufrágio.
A lei regente, entretanto, não enfrenta o tema claramente. No rito estabelecido no artigo 3º e seguintes o legislador afirma que o impugnante determinará na inicial todos os meios de prova que pretende utilizar, devendo fazer, o impugnado, o mesmo. Contudo, ao falar do direito de defesa afirma peremptoriamente a possibilidade de que seja requerida “a produção de outras provas”[1]. No rito desenhado pelo artigo 22 a situação é similar[2].
Se às partes compete indiciar qualquer meio de prova que possa servir como lastro para o seu direito, é lícito crer que a realização de perícias é uma destas provas admitidas. Não cabe, portanto, afirmar que a natureza das ações cassatórias, que se regem pela celeridade processual, desaconselha a realização de perícias.
Muito ao inverso, existem questões factuais importantes que só podem ser elucidadas de forma definitiva com a realização de exames periciais, como por exemplo: a veracidade de uma assinatura aposta em uma ata de convenção partidária, a efetiva realização obras em determinados locais, a autenticidade de uma fotografia, gravação de áudio ou vídeo. O TSE possui julgados em que explicita a possibilidade da realização de perícias em ações cassatórias:
A perícia grafotécnica não é nula pelo fato de o candidato não ter sido intimado para nomear assistente técnico e apresentar quesitos, pois extrai-se do aresto a quo a peculiaridade de que, ao deferir a mencionada prova, o juiz nomeou o Instituto de Criminalística da PF em audiência, circunstância em que as partes tomaram conhecimento da decisão e poderiam, no prazo do art. 465, § 1º, do CPC, fazer as aludidas intervenções, ônus do qual o agravante não se desincumbiu. (REspEl nº 15782, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 16/11/2020)
Cabe anotar, ainda, que o deferimento do pedido não ocorrerá automaticamente, na realidade, o magistrado deve realizar juízo de valor acerca da necessidade e pertinência do deferimento do pedido. Desse modo, o indeferimento do pedido não pode gerar a pressuposição de que houve cerceamento de defesa. Entendimento expresso em diferentes decisões do TSE:
Considerando que a Corte de origem motivadamente assentou a desnecessidade da produção de prova pericial pretendida em AIME, relevando os elementos probatórios já coligidos aos autos, não há falar em cerceamento de defesa. (AgRgAg nº 7.497, rel. Min. Arnaldo Versiani, 22/11/2007)
Essas questões estão pacificadas, contudo, persiste uma dúvida importante a ser sanada. Trata-se da determinação do momento em que devem ser realizadas as perícias e como o processo se desenvolve a partir de então.
Partindo do pressuposto de que as partes devem solicitar a realização de perícias na primeira oportunidade em que falam no processo, ou seja, na exordial e na defesa, deve-se ter como consectário lógico que, uma vez deferido, o exame pericial ocorrerá na fase instrutória.
Essa percepção gera consequências importantes na marcha processual. Desse modo, a pendência da realização do exame pericial deixa em suspense todos os atos processuais que dele dependem. Pode-se, neste momento, ultimar a produção de outras provas, mas é impossível que se realize a audiência de instrução, a oitiva de testemunhas e a colheita do depoimento pessoal do sujeito passivo.
A produção da prova testemunhal e o depoimento pessoal estão condicionados à realização prévia de todas as outras provas requeridas pelas partes e deferidas pelo magistrado. Impossível imaginar que haja análise adequada dos fatos e do direito, nos casos em que determinados temas estarão interditados do debate dada a pendência de realização de providências judicialmente determinadas. Nesse sentido:
Embora a LC nº64/90 não mencione a possibilidade de produção de prova pericial, esta é plenamente possível, não havendo qualquer impedimento a seu deferimento e produção, devendo o magistrado atentar-se para real necessidade dela para o esclarecimento dos fatos, tendo em vista que, tradicionalmente, leva-se maior tempo para que seja realizada. Por isso, se for deferida, deve ser produzida antes da prova testemunhal e deve seguir as disposições do CPC quanto à designação de peritos, formulação de quesitos, etc. (JORGE, LIBERATO, RODRIGUES, 2020, p. 676)
É essencial que se diferencie o requerimento de produção de prova pericial da possibilidade de realização de diligências depois da instrução processual[3]. As diligências previstas na norma se referem à produção de provas necessária a partir de fatos e documentos que chegaram à lume durante a audiência de instrução. Pedidos formulados pelas partes em suas manifestações primevas em circunstância alguma podem ser chamadas de diligências.
As figuras processuais são em tudo diferentes, seja conceitualmente, seja quanto à origem, seja quanto ao momento de realização. Nesse ambiente, a realização da audiência de instrução antes de que apresentados os resultados da perícia é grave defeito processual que afronta o devido processo legal, o exercício da ampla defesa e do contraditório substancial[4].
O tema é objeto de Enunciado nº 37 da EJE-TSE: “O contencioso eleitoral deve ser orientado pelo contraditório substancial, compreendido com o efetivo direito de influência e proteção a decisões-surpresa”.
A alegação de que as partes podem se manifestar acerca dos resultados da perícia em suas alegações finais não se sustenta de pé, pois nesse momento é impossível, por exemplo inquirir os peritos acerca das especificidades dos seus laudos, identificar testemunhas referidas ou outras provas necessárias ao bom andamento processual.
Contudo, na hipótese de o julgador insistir nessa possibilidade como poderia ser atacada tal postura? Parece que a providência mais eficaz seria a interposição de Mandado de Segurança contra a decisão visto que possui, claramente, natureza teratológica. A jurisprudência do TSE caminha no sentido de admitir tal possibilidade (Mandando de Segurança Criminal nº 060183567, v. g.).
Assim, a perícia é prova válida nas ações cassatórias e deve ser requerida no primeiro instante de fala das partes e realizada durante a instrução e não a posteriori. Incabível, ainda confundir a perícia com as diligências realizadas no fim da instrução, pois a manifestação acerca de seu conteúdo realizada em sede de alegações finais não consegue cumprir as funções inerentes ao contraditório substancial. Por fim, as decisões judiciais em sentido contrário poderão ser atacadas por via de Mandado de Segurança.
Referências
JORGE, Flávio Cheim; LIBERATO, Ludgero; RODRIGUES, Marcelo Abelha. Curso de Direito Eleitoral. Salvador: JusPodivm, 2020.
LAGE, Fernanda de Carvalho. Processo Civil Eleitoral: sob uma perspectiva feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
PECCININ, Luiz Eduardo; GOLAMBIUK, Paulo Henrique. O impacto do contraditório substancial no Direito Eleitoral à luz do novo Código de Processo Civil. In: TAVARES, André Ramos; AGRA, Walber de Moura; PEREIRA, Luiz Fernando (Coord.). O Direito Eleitoral e o novo Código de Processo Civil. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
[1] Art. 3º […] § 3° O impugnante especificará, desde logo, os meios de prova com que pretende demonstrar a veracidade do alegado, arrolando testemunhas, se for o caso, no máximo de 6 (seis). Art. 4° A partir da data em que terminar o prazo para impugnação, passará a correr, após devida notificação, o prazo de 7 (sete) dias para que o candidato, partido político ou coligação possa contestá-la, juntar documentos, indicar rol de testemunhas e requerer a produção de outras provas, inclusive documentais, que se encontrarem em poder de terceiros, de repartições públicas ou em procedimentos judiciais, ou administrativos, salvo os processos em tramitação em segredo de justiça.
[2] Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito […]
[3] Art. 4º […] § 2° Nos 5 dias subsequentes, o Juiz, ou o Relator, procederá a todas as diligências que determinar, de ofício ou a requerimento das partes. Art. 22 […] VI – nos 3 dias subsequentes, o Corregedor procederá a todas as diligências que determinar, ex officio ou a requerimento das partes;
[4] “Todos os demais feitos que tratem da possibilidade, ainda que mínima no caso concreto, de cassação de registro, diploma ou mandato, ou que cominem ou gerem na via reflexa uma inelegibilidade no acusado deveriam respeitar, em sua plenitude, o princípio do contraditório”. (PECCININ, GOLAMBIUK, 2016, p. 97).